sábado, 8 de novembro de 2014


08 de novembro de 2014 | N° 17977
CLÁUDIA LAITANO

O Muro e o turbilhão

O termo ainda não era popular na época, mas a palavra que me vem à cabeça, hoje, quando penso sobre o impacto que a queda do Muro de Berlim teve sobre a minha geração é “reboot” – uma espécie de reinicialização geral da História, com a promessa de novas tramas e novos personagens.

Se você, como eu, nasceu acreditando que o Muro era uma realidade histórica definitiva e, aos 23 anos, vê aquilo sendo espatifado ao vivo no Jornal Nacional, todas as suas convicções a respeito de verdades históricas definitivas são seriamente abaladas.

E se esse fato coincide com o início da sua vida adulta – aquele momento em que não se é tão cético a ponto de acreditar que nada muda, nem tão experiente para conseguir colocar os grandes acontecimentos sob perspectiva – a sensação é de que a História não apenas está acontecendo a sua frente, mas parou e faz pose para as fotos.

Depois da queda do Muro de Berlim, pra mim, tudo parecia possível: paz no Oriente Médio, prosperidade no Brasil, África sem fome, cura para o câncer. Não porque o mundo parecesse estar caminhando na direção de algum tipo de estágio superior da civilização, longe disso, mas porque o tipo de energia liberada na atmosfera cada vez que a História parece acontecer de forma tão espetacular é capaz de sacudir tudo em volta – inclusive o pessimismo e o bom senso.

Vivíamos, então, os últimos anos antes de começarmos a lidar com as pequenas revoluções em série que seriam colocadas em marcha pelas novas tecnologias a partir da década de 90. Era o limiar de uma transformação na vida cotidiana provavelmente sem paralelo em sua abrangência e que afetou não apenas a política e a economia, mas a maneira como nos relacionamos uns com os outros, com tudo o que está em volta – e com a própria ideia de mudança. A tal ponto que, se o Muro de Berlim fosse derrubado hoje, é provável que a responsabilidade fosse atribuída mais ao Twitter do que às pessoas que se comunicam através dele.

Em 1989, fazia muito sucesso no Brasil o livro Tudo que é Sólido Desmancha no Ar, do filósofo americano Marshall Berman. Escrito no início dos anos 80, o livro aponta aquela que seria a principal ambiguidade da vida moderna: “Ser moderno”, diz Berman, “é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegrias, crescimento, autotransformação das coisas ao redor, mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”.

Parece descrever o mundo como o conhecemos hoje, com sua angústia com o estado de instabilidade permanente das coisas, mas Berman não está falando de nós, nem mesmo da realidade do final do século 20: “As pessoas que se encontram em meio a esse turbilhão estão aptas a sentir-se como as primeiras, e talvez as últimas, a passar por isso. Na verdade, contudo, um grande e sempre crescente número de pessoas vem caminhando através desse turbilhão há cerca de 500 anos”.


Cada geração terá seus próprios muros para derrubar e sua cota de turbilhões para sobreviver. A queda do Muro de Berlim antecedeu um período em que as mudanças tecnológicas parecem ter sido mais grandiloquentes do que as mudanças históricas. A parte de mim que ainda tem 23 anos, porém, continua torcendo para que a História nos brinde com fatos magníficos e imprevisíveis que nos encham de entusiasmo e esperança pelo simples fato de estarmos vivos para assistir.

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