segunda-feira, 31 de março de 2014


31 de março de 2014 | N° 17749
LETÍCIA WIERZCHOWSKI

Pensamento engarrafado

Eu morei há 12 anos no Rio de Janeiro e lembro que circular pela cidade era fácil naquele tempo. Claro, havia alguns lugares-problema, os entroncamentos complicados, as avenidas vitais, os horários de pico – determinadas ruas e horários que uma pessoa de bom senso, podendo, deveria evitar.

Hoje, o Rio de Janeiro é uma cidade que não anda, é o grande paradoxo da vida moderna. A cidade dividiu-se em duas, e o caminho que liga essas duas partes – o elevado do Joá e o túnel Zuzu Angel – é um sofrimento que redime qualquer pecador.

O trânsito de Porto Alegre não é moleza, você pode mofar dentro do carro um bom tempo, ainda mais com as obras que paralisam a cidade, mas nada se compara ao Rio de Janeiro hoje. E existe cidade mais exuberante neste mundo? O Rio de Janeiro é como uma belíssima mulher com mau hálito – linda, tão linda, todos comentam a sua estonteante beleza, mas beijar a digníssima na boca todos os dias é que são elas.

Dias desses, um amigo publicou uma foto ótima no Instagram: no meio do trânsito absolutamente congestionado em São Conrado, na boca do túnel, estava o carrão do Roberto Carlos (era um desses conversíveis, um Mercedes creio eu, branco e estalando de novo, e ali, escarrapachado no banco de couro alvíssimo, o Rei aguardava, como qualquer mortal, que o trânsito finalmente fluísse e ele pudesse chegar na sua casa na Urca). Meu amigo (que, aliás, é gaúcho) deve ter se divertido bastante, e pelo menos arranjou ocupação enquanto esperava a sua vez de cruzar o Zuzu Angel.

Cada um se vira como pode, mas a Lucélia Santos, flagrada num ônibus na zona sul carioca, foi motivo de deboche nas redes sociais. E lá vem o paradoxo outra vez: desde quando usar transporte coletivo é um mico? O que está acontecendo conosco, o que pensamos de útil enquanto parados no congestionamento horas e horas do nosso dia?


Alguma coisa tem que mudar, e urgentemente. Esperar que a mudança venha do poder público, nem o mais tolo dos brasileiros espera. O carro, hoje em dia, tem que ser eletivo. Se todos quiserem fazer tudo de carro, ninguém fará mais nada. Afinal, gastar horas por dia parado no trânsito não inspira ninguém, nem mesmo o Roberto Carlos, basta ver a sua recente produção musical.

31 de março de 2014 | N° 17749
PAULO SANT’ANA

Vitória merecida

Merecidíssima vitória do Internacional. Em primeiro lugar, porque o time gremista acadelou-se completamente no segundo tempo.

E, em segundo lugar, porque assistimos ontem a uma grande decepção pelo lado do Grêmio: o treinador Enderson Moreira saiu do jogo como um dos grandes responsáveis pela debacle do segundo tempo, assistiu como uma múmia ao Internacional dominar toda a etapa final sem mover uma palha durante quase meia hora.

Ora, isso depõe contra qualquer treinador.

A tragédia gremista foi pior do que se nota: no segundo Gre-Nal, que será daqui a dias, se o Grêmio vencer o jogo no Beira-Rio ou nos cafundós do judas, que ninguém sabe onde vai ser, incrivelmente, repito, se o Grêmio ganhar por 1 a 0 o segundo Gre-Nal, o Inter será declarado campeão pelo regulamento vigorante.

Tanto depõe severamente contra o treinador do Grêmio ontem a derrota ultrajante (foi uma virada colorada dentro da Arena), que Abel Braga mudou seu time completamente, tanto tática quanto animicamente, no segundo tempo, sem nenhuma atitude ou instrução do treinador gremista.

Sem dúvida, Enderson Moreira saiu ontem da Arena mais derrotado do que o próprio Grêmio. O técnico tricolor foi decepcionante.

A má atuação do técnico gremista ontem joga dúvidas até sobre a classificação do Grêmio em seu grupo na Libertadores.

Aparentemente, é uma barbada para o Grêmio classificar-se. Mas com este treinador gremista tudo pode acontecer.

A administração do futebol gaúcho terá de mudar num ponto. É deplorável que ontem tenha havido cerca de 20 mil lugares vagos na Arena, quando esse vazio podia ser preenchido num piscar de olhos se fosse permitido à torcida colorada preencher essa lamentável lacuna.

Os dirigentes estão perdendo dinheiro, e o pior: os torcedores estão sendo proibidos de ver os jogos por uma absurda decisão dos dirigentes, que se submetem a uma cifra de torcedores visitantes que é imposta arbitrariamente pela Brigada Militar.

Ora, se a Brigada Militar acha que não podem duas torcidas numerosas frequentar o mesmo jogo, em face de que alega a força pública problemas de enfrentamento entre as duas massas, esse não é um problema da BM: os dirigentes têm de abrir os estádios mesmo para duas torcidas grandes e a Brigada tem o dever de administrar essa realidade.

É um absurdo que se negue presença maciça de torcedores num jogo porque a Brigada não aconselha isso.

Isso é matar o futebol.


E não podem os dirigentes matar o futebol por causa das idiossincrasias do policiamento.

31 de março de 2014 | N° 17749
L.F. VERISSIMO

Más notícias

Um dia você se olhará no espelho e terá uma revelação estarrecedora. Sua mulher está dormindo com outro homem! Depois descobrirá que o que vê no espelho não é outro, é você mesmo. Só que, por uma razão inexplicável, você está mais velho.

Os espelhos são de uma franqueza brutal. Na era das relações públicas, é inadmissível que a sua imagem trate você com tanta crueza. É inaceitável que o espelho lhe diga “você está com 50 (ou 60, ou, meu Deus, 70) anos assim, na cara, mesmo que quem diga seja a sua própria cara. E de manhã, na hora em que, ainda amarrotado pelo sono e antes de botar o rosto que usará durante o dia, você está mais vulnerável.

Se a cena pudesse ser confiada a um profissional da comunicação, seria diferente. Infelizmente, as piores notícias são sempre dadas por amadores. Num mundo mais justo, sua imagem no espelho poderia ser apresentada por um especialista em marketing, e em vez da sua cara no espelho revelador, você veria, por exemplo, a Patrícia Poeta.

– Patrícia! Você por aqui?

– Vim para lhe dizer que você ficará muito bem, com cabelo grisalho. Aumentará sua credibilidade. Será ótimo para os negócios.

– Eu acho que estou perdendo cabelos.

– E daí? Cabelo demais é desperdício. Os fios que ficam são os melhores.

– Será?

– As rugas realçarão seu caráter. E se um queixo já enfatiza sua masculinidade, imagine dois.

– Patrícia. Cabelos grisalhos, rugas, queixo duplo... Você quer me dizer que eu estou ficando... Velho?

– Maduro.

Ou então você deveria poder mergulhar de ponta-cabeça no espelho para descobrir como seria sua vida do outro lado dos 50 (ou 60, ou, meu Deus, 70). E se consolar com o fato de que ela não será muito diferente da vida que você leva hoje – com alguns reajustes. Você terá que evitar carnes brancas, morenas e mulatas, principalmente depois das refeições. E deixar de frequentar motéis com escadaria. Fora isso... Que venham as rugas!

31 de março de 2014 | N° 17749
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Tantas eternidades

Passou o aniversário de uma linda senhora e eu não a cumprimentei. Porto Alegre completou 242 outonos e não a abracei, talvez preocupado com os tropeços do país.

Cheguei a esta cidade com seis anos, a bordo de um avião da Varig e de 38 graus de febre. Tenho a vaga ideia de haver avistado nesse primeiro encontro a grande enseada que se abria ao sul, surrealmente de um azul turquesa, mais a escadaria da Rua João Manoel, mas pode ser que fosse a gripe.

Passei a primeira semana recolhido ao leito, como se dizia então. Minhas irmãs me noticiavam que, na sacada dos fundos do apartamento, ancoravam imensos navios, e eu acreditei nelas piamente. Foi o que fiz logo que me deram alta: correr à tal sacada dos fundos. Com a permissão de Machado, minha alma caiu ao chão. Havia, sim, navios, bordô e prata, mas passavam a centenas de metros dali, para além da chaminé do Gasômetro.

Sobravam, no entanto, outras razões de encantamento. Quando pude afinal sair à rua, meu pai me apresentou ao bonde Duque. Era algo que suplantava minha imaginação, pois nos surgiu brilhando em meio à neblina. Descemos na Rua da Praia, esquina com a Marechal Floriano, bem onde ficava a Casa Masson. Suas vitrines cintilavam como joias na manhã fria.

Dali caminhamos até a Galeria Chaves, onde me surpreendeu o vitral do forro, cuja imagem nunca esqueci. Meu pai comprou um presente para minha mãe, na Joalheria Ibañez, uma Casa Masson em porte menor, mas igualmente sofisticada. Voltamos a caminhar e, na esquina com a Avenida Borges, fiquei admirando a troca de luzes da sinaleira, manejadas por um guarda no alto de uma guarita.

Eu olhava espantado para as alturas do Sulacap e do Vera Cruz: nunca imaginara que houvesse edifícios tão altos.

– Mora gente lá em cima? – perguntei a meu pai.

– Mora, sim – disse ele. – Mas alguns andares são de escritórios. Já te mostro.

E levou-me pela mão até a entrada de um deles, onde me apresentou a outro fenômeno: o elevador.

A quota de surpresas do dia ainda não estava completa. Seguimos em direção à Praça da Alfândega, onde ainda tremeluziam um ou dois anúncios de néon. Paramos diante de um prédio também alto, mas antigo, que ficava além de uns quantos cinemas.

– Olha ali – falou meu pai. – E eu tive o contato inaugural com a porta giratória do Grande Hotel.


Na esquina entramos na Livraria W. M. Jackson, onde ele ficou namorando as lombadas das obras completas do já dito Machado. Um dia elas seriam nossas. São essas mesmas que me acompanham, tantas eternidades depois, nesta biblioteca em que teço esta crônica de saudade.


31 de março de 2014 | N° 17749
ARTIGOS - Paulo Brossard*

PeTerização da Petrobras

Há uma variedade de aspectos relacionados com a aquisição da Refinaria de Pasadena pela Petrobras, que tem feito correr rios de tinta e ainda fará correr outros. A respeito deste assunto, espero aqui dar apenas uma ideia breve e clara. Em 2005, empresa belga adquiriu a refinaria em causa por US$ 42,5 milhões. Em 2006, a Petrobras veio a adquirir 50% das ações, por US$ 360 milhões. Depois de vários insucessos forenses, à Petrobras foi determinado comprasse os restantes 50%, o que ocorreu incluindo honorários e outros benefícios mediante pagamento de US$ 820,5 milhões. Ao cabo, a Petrobras desembolsou mais de US$ 1 bilhão, cerca de US$ 1,2 bilhão.

Este é o caso que deixou na sombra acontecimentos nacionais e internacionais relevantes, como a mudança de fronteiras pela Rússia e a redução da credibilidade do Brasil. Esse o resumo do resumo de uma refinaria obsoleta, que nunca chegara a funcionar, a história de uma entidade que haveria de transformar-se em monumental e malcheiroso elefante branco.

Isto posto, dizendo o que é notório, estava armado com pompa e circunstância o maior dos escândalos administrativos e políticos da empresa que, em ordem de grandeza, chegou a ser a 12ª em termos mundiais, caindo para o 120º lugar em cinco anos, segundo o jornal Financial Times. Esse dado completa de uma forma visível o perfil daquilo que se poderia chamar de forma melíflua uma insensatez; em verdade, talvez não fosse o maior escândalo, mas adquiriu tais dimensões, que, certa ou erradamente, veio a ser proclamado como o maior. Nem foi apenas uma sandice.

Esses números, desidratados, mas objetivos, são de tal significação, que não é necessário ser douto para compreender a enormidade do que foi sendo feito com a Petrobras.

Se eu tivesse de definir o quadro instaurado, poderia dizer que o chão está resvaladio, mas prefiro dizer movediço. Basta registrar que a senhora presidente da República, que é candidata à reeleição, em dias, caiu sete pontos em sua popularidade. Fato a assinalar, se não estou em erro, resulta na progressiva inserção do partido na administração, não apenas em sua vida administrativa, mas em suas entranhas, com a tendência de chegar à intimidade da mancebia; o fenômeno não é bom, nem para a administração nem para o partido.

Talvez seja por tratar-se de uma sociedade anônima, ela vem sendo a presa mais cobiçada do apetite dos amigos do governo e dos que o governo quer fazer amigos. A evolução natural no plano dos partidos sempre foi em outro sentido. A verdade é que, hoje, a questão da refinaria se confunde com a Petrobras, e a Petrobras se confunde com a refinaria. Aliás, esse dado não é de ser estranhado, uma vez que a refinaria desde seu nascimento está ligada à pessoa, nem mais nem menos, que exerce a presidência da República, sem ela a refinaria não teria nascido, sem ela não teria continuado a viver, ainda que viver morrendo e, sem ela, talvez a Petrobras pudesse continuar a ser a 12ª empresa no âmbito mundial.

No período eleitoral, a então candidata ameaçava que seu adversário iria privatizar a Petrobras. Seus companheiros de partido, alguns dos quais hoje estão na penitenciária, criaram o pejorativo de privatização na palavra privataria.

Pois bem, o que o partido da presidente está fazendo na Petrobras enseja a criação de outro neologismo: a PeTerização da empresa, que já foi orgulho nacional.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

domingo, 30 de março de 2014

Buenas E M'Espalho - Guri De Campo

Cristiano Quevedo  - Bem Na Porteira

 


Cristiano Quevedo  - Contraponto

Folha

Profissionais se calam ao ver infrações éticas graves, aponta estudo

Quase 80% das pessoas não denunciam desvio de dinheiro e assédio nas empresas

Funcionários brasileiros relutam a delatar companheiros de trabalho flagrados em violações éticas. Uma pesquisa da consultoria de RH VitalSmarts indica que 78% dos profissionais ficam calados ao ver infrações graves como desvio de dinheiro, punições injustas e assédio sexual.

O levantamento foi feito pela internet com 926 pessoas. Segundo Rodrigo Lolato, diretor da VitalSmarts, a chave da questão está na cultura empresarial. A empresa precisa estimular o comportamento ético e fazer com que os profissionais se responsabilizem uns pelos outros.

"Com isso, o fato de reportar uma violação deixa de ser uma denúncia para se transformar em uma preocupação [com a companhia]", diz.

Para Renato Santos, gerente-executivo da consultoria de negócios ICTS, as pessoas se omitem nesses casos ou por encarar o ato de denunciar como antiético ou porque a empresa não dá as ferramentas adequadas para isso.

Segundo a pesquisa, 44% dos profissionais dizem não ser socialmente apoiados por colegas, chefes ou RH para denunciar falhas graves.

Susana Falchi, presidente-executiva da consultoria HSD, afirma que a Lei Anticorrupção, que entrou em vigor em janeiro e endurece a punição de empresas envolvidas em atos contra a administração pública, tem feito com que muitas empresas adotem canais de denúncia confidenciais, principalmente para violações graves.

EFEITO MANADA

O levantamento mostra que violações éticas acontecem com muita frequência nas companhias: um terço dos entrevistados afirmou ter visto pequenas infrações, como tomar crédito pelo trabalho dos outros, na semana anterior ao questionamento.

Existe também um certo "efeito manada" entre as pessoas. Em um levantamento da ICTS feito em 2012, 69% dos funcionários se enquadraram em um quadro de "ética flexível". "Eles dançam conforme a música. Se todo mundo comete infrações, eles também", explica Santos.

Para ele, é possível mudar esse comportamento. "Ética não se aprende no berço. As organizações têm influência nisso, não são só vítimas."

Colaborou BÁRBARA LIBÓRIO, de São Paulo
JOSÉ SIMÃO

Petrobras! CPI no Posto Ipiranga!

E eu sou contra a CPI porque só fazem perguntas imbecis! CPI quer dizer Coma a Pizza Inteira!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Petrobras Urgente! A PEROBA É NOSSA! Piada Pronta: "Dilma aprovou compra de refinaria japonesa Nansei". NANSEI DE NADA! "A refinaria foi superfaturada?". "Nansei". "O ex-diretor levou propina?". "Nansei". Nansei de nada! É melhor perguntar no Posto Ipiranga.

A CPI da Petrobras vai ser no Posto Ipiranga! Qualquer pergunta, a resposta vai ser: "Pergunta lá no Posto Ipiranga". E a CPI da Petrobras devia ter patrocínio da Petrobras! A Petrobras não patrocina filme, peça, show? Então, tem que patrocinar a CPI. CPI da Petrobras! Patrocínio Petrobras! Rarará!

E a situação tá feia na Petrobras: Graça Foster, ministro Lobão e Cerveró. CPI do Trem Fantasma. CPI do Fim do Mundo! A Graça Foster é clone do Ozzy Osbourne. Ela come morcego. E ela não é feia. Como se diz no Ceará, ela é desabonitada. Tem um design desarranjado.

O ministro Lobão tem cara de porteiro de necrotério. E o Cerveró tem um olho pra cada lado. Um olho no gato e outro na sardinha! E acho que o alfaiate dele também é vesgo: uma gola pra cada lado. Rarará!

E por causa da Petrobras, fomos rebaixados para o nível "BBB". E vamos ser eliminados pelo Bial: "Vem Petrobras! Vem comprar refinaria aqui fora". Só falta a gente ser rebaixado de "BBB" para "A Fazenda"! Rarará. Éramos Globo e viramos Record!

E a manchete do Piauí Herald: "Petrobras compra refinaria de óleo de peroba em Pasadena". A Peroba é Nossa!

E um leitor me disse que agora existe o verbo petrobrar: 1) se você pagou uma empresa dez vezes mais, você petrobrou! 2) se você fez sociedade com gringo, levou calote e perdoou a dívida, você petrobrou. 3) se você assinou um contrato sem ler, você petrobrou! A Dilma petrobrou. Petrobrou na Petrobras! Isso não é um verbo, é um trava-língua!

E a Dilma, a Granda Chefa Toura Sentada? A Dilma tá bebendo gasolina. Direto da bomba! Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

E eu sou contra a CPI porque só fazem perguntas imbecis! Comissão de Perguntas Imbecis! CPI quer dizer Coma a Pizza Inteira! E eu sou contra a CPI porque vai ser um festival de cabelo tingido. Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã


Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
VINICIUS TORRES FREIRE

'Um urubu pousou na minha sorte'

Urubus do poeta Augusto dos Anjos bicam os erros insepultos do governo Dilma

O QUE PODE fazer Dilma Rousseff a fim de espantar os urubus que pousaram em sua sorte?

Nada. A presidente na verdade cevou os bichos durante anos. Alimentou a lambança da Petrobras, da inflação incômoda e do risco de falta de luz. Os urubus não vão arredar o pé tão cedo.

A alternativa presidencial pode ser a tentativa de alegrar o ambiente, disfarçar que há bichos na sala. E agourar a oposição. O projeto de criar CPIs de revanche, que biquem o PSDB de Aécio Neves e o PSB de Eduardo Campos, é um exemplo da estratégia.

Não seria um espetáculo bonito. De um lado, o dilmismo por ora incapaz de levar o lixo para fora, de resolver problemas que criou para si mesmo, acuado, mas agressivo. De outro, a oposição magríssima de votos reanimada com a carniça exposta dos erros do governo.

Mesmo em uma CPI da Petrobras entrevada, Dilma Rousseff não terá como escapar pelo menos do fato de que seu governo e a empresa, sob sua influência direta, fizeram-se de mortos por seis anos sobre o negócio ruinoso da compra da refinaria.

Não se trata do preço do negócio em 2006, que pode ser justificado com um malabarismo matemático-financeiro até discreto. A mumunha está na operação de compra da outra metade da refinaria, negociada por uma exorbitância entre o final de 2007 e o início de 2008, como se escrevia nestas colunas no domingo passado.

Sim, Dilma de fato matou o negócio quando soube da extravagância. Matou e deixou a coisa apodrecer, insepulta, sem atestado de óbito, perícia, necropsia nem exame de corpo de possível delito. Vieram os urubus.

Daqui até a metade de abril, PSB e depois PSDB vão levar esse filme de horrores para os seus programas políticos na TV. Mais tarde, se vier a CPI, haverá escândalos extras, de fantasia ou não, suspeitas de superfaturamentos, doleiros, propinas, "hotéis de luxo", aquelas histórias de primo do irmão da tia da secretária que viu tudo, o de costume.

Muito menos escandaloso, quase surdo, mas mais irritante do que se imaginava, é o ruído baixo da inflação, que apareceu na pesquisa CNI/Ibope como um motivo de mau humor popular crescente com o governo. A inflação crescerá ainda um tico até a eleição. A taxa de 2014 deve ser maior ou pelo menos igual à do ano passado e a de 2010, pouco antes de Dilma assumir (5,9%). A taxa de juros básica será maior (para o consumidor, a taxa média talvez seja um tico menor). A inflação é obra da política econômica de Dilma.

O risco de falta de energia é ainda uma abstração para a maioria do eleitorado e uma incógnita para os especialistas. Mas outra vez o governo expõe sua sorte aos urubus. Conta com as águas de abril, pois as de março não vieram, assim como não apareceu uma campanha prudente de poupança de eletricidade, a qual o governo julga tecnicamente desnecessária.

Pode ser. Mas, se faltar um watt para acender uma lanterna, o desastre será potente. Além de ter desarranjado o mercado de energia com repressão de preços, o governo terá então sido irresponsável a fim de esconder a própria incúria.


("Ah! Um urubu pousou na minha sorte" é cortesia do poeta esdrúxulo Augusto dos Anjos, que será um defunto centenário neste ano de 1914).

ELIANE CANTANHÊDE

Desastres nada naturais

BRASÍLIA - Para a presidente e candidata Dilma Rousseff, a semana passada foi um desastre na política e na economia. E nada indica que vá melhorar nesta e nas próximas.

Começou com o rebaixamento da nota do Brasil, que a Fazenda, zangada, desdenhou como "inconsistente". Os resultados da economia no resto da semana, porém, confirmaram que a agência de classificação de risco Standard & Poor's não estava chutando.

Primeiro, veio o rombo das contas do Tesouro em fevereiro, com os gastos federais superando a arrecadação em mais de R$ 3 bilhões e ameaçando o compromisso do governo com um superávit primário robusto neste ano. Depois, veio o IGP-M batendo em 7,3% em 12 meses, reforçando o que o mercado vem dizendo: a inflação pode ultrapassar o teto da meta em 2014.

Na política, a compra esquisita da refinaria de Pasadena, nos EUA, jogou luzes sobre a bagunça, o desmando, a perda de valor e o aparelhamento da Petrobras desde o governo Lula e, de quebra, queimou a imagem de "gerentona" de Dilma.

Mas o pior é que Pasadena catalisou a insatisfação crescente do Congresso. Como as oposições conseguiram assinaturas suficientes para a CPI, se a presidente tem a maior base aliada das galáxias?

Todo esse caldo de erros na economia, na política e na gestão acabaria, mais cedo ou mais tarde, entornando nas pesquisas. Pois a CNI/Ibope apontou que a percepção popular sobre o governo desandou em todos os itens e áreas e que a popularidade de Dilma caiu 7 pontos.

A semana fechou com o ministro Edison Lobão, que está rouco de tanto negar o racionamento, falando em economia de energia para não faltar luz na Copa. Não é demais?


Entretanto, o desemprego continua baixo e em queda e as ações da Petrobras dispararam, a Bolsa subiu e o dólar caiu, apesar de todos os desastres. Ou seria justamente por causa deles e do que projetam? Isso dá uma boa reflexão.

sábado, 29 de março de 2014


30 de março de 2014 | N° 17748
#100HAPPYDAYS

Por uma centena de dias felizes

Você conseguiria ficar feliz por cem dias seguidos? Este é o desafio lançado em um site por meio de uma hashtag nas redes sociais
Desafiados pela hashtag #100happydays, milhares de internautas ao redor do mundo estão tentando mostrar que conseguem ser felizes por cem dias consecutivos. A proposta consiste em postar uma foto por dia na rede social de sua preferência, valorizando um momento feliz. Dê uma olhada na timeline mais próxima e você vai encontrar alguém que aderiu à campanha.

“A capacidade de apreciar o momento é a base para uma ponte em direção à felicidade de longo prazo”, propagandeia o texto de convocação do site 100happydays.com – traduzido para 22 idiomas. Mas 71% dos que entraram no desafio não conseguiram chegar até o final. O motivo? “Essas pessoas simplesmente não tinham tempo para serem felizes”, diz o texto.

Com essa convocação, o site já conseguiu o cadastro de mais de 350 mil internautas. Quem estaria por trás da iniciativa é um suíço de 27 anos chamado Dmitry Golubnichy, conforme apurou o canal HLN, que pertence ao grupo CNN e se propõe a dissecar as histórias mais vistas e mais compartilhadas das redes sociais. Golubnichy teria proposto um autodesafio em novembro do ano passado e começou a postar fotos felizes no Instagram.

Em dezembro, resolveu compartilhar o desafio com o mundo e criou o site, que logo se tornou um viral. Centenas de blogs passaram a comentar o desafio, e a cada postagem surgem novos adeptos em um país diferente. Foi assim com Thais Amaral, 25 anos. A advogada de Porto Alegre leu uma notícia sobre o desafio e gostou da proposta porque “o pessoal usa muito as redes sociais para reclamar”. De fato, pesquisadores da Universidade da Califórnia já haviam chamado a atenção para o potencial de internautas reclamões deixarem seus seguidores de mau humor com seus posts. A tag dos cem dias inverte essa lógica.

– A gente acaba se dando conta de que acontecem muito mais coisas legais durante o dia, não é um momento só, mas temos o costume de focar mais nos problemas – conta a advogada.

A primeira foto foi no aeroporto, onde recepcionou o namorado. O brinde do casal, o passeio do fim de semana, o almoço com a amiga e até o céu azul de Porto Alegre foram outros momentos que valeram o dia para Thais. De tag em tag, outras amigas começaram a postar.

– A lógica de uma hashtag que se torna viral é sempre a mesma: quanto mais pessoas usarem, mais pessoas vão usar – explica a professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Gabriela Zago, pesquisadora de redes sociais na internet.

Para ela, o fato de não haver uma marca envolvida gera empatia nos internautas, além de ser uma ação positiva. O site tem ainda uma boa estratégia de linguagem visual e textual.

tais.seibt@zerohora.com.br

30 de março de 2014 | N° 17748
MARTHA MEDEIROS

Mulheres cabeludas

Deixe os pelos do corpo crescerem e aparecerem, e ao inferno com o que os outros pensam. Esse é o slogan do movimento Hairy Awarey, que aqui no Brasil ganhou o nome de Peludas Conscientes. Mulheres no mundo todo estão lutando pelo direito de deixarem as axilas cabeludas, assim como as pernas e provavelmente o bigode, por que não? Madonna semana passada postou numa rede social uma foto com o braço levantado mostrando que é adepta.

“Lutar pelo direito” é força de expressão, pois esse direito existe, ninguém vai presa por não se depilar. Mas lá se vai uma das poucas diferenças que ainda tínhamos com os homens.

Eu sei, eu sei que depilação com cera é uma tortura. Mas se a mulher não tem tempo, dinheiro ou vontade de ir a um salão periodicamente para se submeter ao procedimento, então que use uma lâmina de barbear durante o banho e zás! Elimine os pelinhos das pernocas e das axilas. Todo dia, da mesma forma que usamos xampu e sabonete. Depois é só enxugar, passar um hidratante e fim de drama. Ou então busque outra solução: há tantos cremes depilatórios vendidos em farmácias e supermercados. Sem falar na revolucionária pinça.

Eu sei, eu sei que a mídia é a culpada de tudo que nos acontece. É culpada de não mergulharmos num tonel de chocolate como gostaríamos, é culpada de fazer a gente acordar cedo para praticar exercícios, é culpada das centenas de escovas para alisamento, é culpada até de termos nascido, se bobear. Mas devagar com a carruagem, princesas.

Se por um lado é realmente esquizofrênica essa busca pelo padrão de beleza photoshop, há que se concordar que o estímulo à vaidade nem sempre é predador. Buscar a feminilidade não nos torna submissas, escravas, reféns, nem nada que faça retroceder as conquistas estimuladas por Simone de Beauvoir e turma. Ser feminina é um prazer. Não precisamos nos igualar aos homens em todos os quesitos. Ando por aqui com essa história de igualdade, igualdade, igualdade. Quando começa a virar fanatismo, boa coisa não vem.

Aproveitando a deixa: meninos, vocês sim, mantenham-se peludos, por favor. Nadadores se depilam porque precisam eliminar décimos de segundos de seus recordes, mas vocês não irão competir por uma medalha de ouro nas próximas Olimpíadas, até onde sei. Então sosseguem. Esse sofrimento é nosso, vocês têm o de vocês: queda de cabelo, exame de próstata, expectativa de vida menor. Cada um com a sua dor.


Eu sei, eu sei que a liberdade da mulher é um valor a ser defendido com unhas e dentes. Mas com unhas feitas e dentes escovados, de preferência, e sem pelos distribuídos pelo corpo. Ninguém disse que para sermos livres teríamos que voltar para a selva.

30 de março de 2014 | N° 17748
FABRÍCIO CARPINEJAR

Chore por mim Argentina!

Tinha esquecido o que é pisar em cocô de cachorro até visitar Buenos Aires.

Era atalhar a praça: pisava na m. Era descer do carro: pisava na m. Era atravessar a rua: pisava na m.

Quando vi placa de não pise na grama entendi como ironia. Não pise no cocô da grama. A grama é a última visita dos meus calçados.

Passei noites escovando meus tênis em baldes, enfrentando a repulsa de tirar a porcaria dos frisos.

Ninguém merece lavar as solas no tanque. Uma escovinha jamais resolve, é preciso partir um prendedor e cavar os resquícios em linhas horizontais e verticais. Serve faquinha velha, desde que não reponha na gaveta.

É o equivalente a jogar um cubo mágico com a nojeira. Mexer o quadrado de um lado e de outro. O nariz desaparece para não influenciar a boca.

Fui figura desagradável em vários momentos portenhos. Entrava em espaços fechados (teatro, livraria e cinema) e alguém gentilmente me informava que não cheirava bem.

Abortei sessões pela metade, frustrei passeios, incomodei a família com desengonçado tango.

Estava desacostumado. Foi quando percebi o quanto Porto Alegre evoluiu nos hábitos.

Recebi aquela saudade boa, que vem do orgulho.

Eu não mais atolo meu pé em nenhum cocô de cachorro na minha cidade. Faz muito tempo. Quase uma eternidade.

Na minha infância, ir para a escola consistia num caminho com obstáculos. Não havia chance aos distraídos. Observava a lua se despedindo do céu e já pagava o pedágio do chão.

Derrapava em dois cocôs por semana. No mínimo. E muitas vezes de chinelo, com a matéria gosmenta e viscosa atingindo os pés. Outras vezes, encardia o cadarço, spaghetti al sugo.

Nada disso mais acontece. Os donos dos cães porto-alegrenses modificaram radicalmente sua conduta. Civilizaram as calçadas. Recolhem as necessidades de seus cachorros no ato. Todos passeiam com uma sacolinha plástica. Quem esquece é malvisto pelo bairro, banido moralmente das redondezas. Existe uma fiscalização sutil, uma educação de respeitar o próximo, de poder sonhar livremente com poemas e suspiros sem se importar em tropeçar nos contratempos mundanos.


Minha mãe sempre me consolava dizendo que pisar em cocô de cachorro significava sorte. Prefiro ser azarado a ser argentino.

30 de março de 2014 | N° 17748
PAULO SANT’ANA

Um cálculo infame

Recebi do leitor Sérgio Deluca (fone 8105-4410) uma reclamação veemente contra o preço cobrado pelo café da manhã nas lancherias e bares de POA por uma média de café com leite, pão e margarina.

Eis parte da mensagem do leitor:

“Não me ocorre outra pessoa mais qualificada para denunciar a extorsão de que somos vítimas ao ter que pagar R$ 5 por uma xícara de café com leite e pão com margarina.

O preço dessa gostosa e tradicional iguaria vem sendo praticado no comércio há muito tempo e sem protesto por parte de ninguém, parece já ter-se incorporado aos nossos usos e costumes. É grande o número de pessoas que costumam tomar o café da manhã em bares ou lancherias por hábito ou necessidade. O valor de R$ 5 pode não ser elevado, mas R$ 130 ao final do mês (26 x 5) pesa no bolso do assalariado. Com se vê, quem ganha salário mínimo não tem condição para tomar o café da manhã, diariamente, fora de casa. Entendo que ser elevado ou não, não é a questão: o preço tem é que ser justo.

Considerando que uma média é constituída de metade de uma xícara de leite e outra metade de café preto, podemos efetuar os seguintes cálculos” (e o leitor passa a enumerar item por item os ingredientes e a calcular seus custos, deixo de arrolá-los porque se tornaria exaustivo para os leitores).

O leitor termina com uma profunda queixa: “Que país é este, que coisa absurda e ninguém protesta? Estão extrapolando todos os limites de tolerância. A majoração é escandalosa. Só mesmo parodiando o Boris Casoy: ISTO É UMA VERGONHA. Obrigado pela atenção e um abraço. (ass.) Sérgio Deluca”.

Pois, desta vez, além de publicar a carta do leitor, vou responder a ele. Explico que telefonei para o leitor antes de copiar parcialmente sua carta.

E fazendo com ele os cálculos sobre os insumos da taça de café com leite, pão e margarina, cheguei à conclusão de que eles custam aos comerciantes, no total, R$ 3,50. Só que o leitor em nenhum momento se lembrou de que o comerciante tem de acrescentar no preço o custo da água, da luz, do aluguel do prédio que ocupa, dos empregados, dos impostos.

Sendo assim, considero esse preço cobrado em Porto Alegre muito justo, não é espoliativo como tenta denunciar o leitor.

Além de todos esses custos, esqueci-me de dizer que não arrolei o lucro que o comerciante tem o direito de ter depois de toda essa mão de obra para servir café da manhã aos seus clientes.

Portanto, como o leitor me considerou a pessoa qualificada para julgar a sua denúncia, declaro, sob as penas da lei e em razão dos valores da razão e da justiça, que o preço cobrado pelo café da manhã em Porto Alegre é justo, humano, equilibrado e em nada exagerado. E, portanto, a reclamação veemente do leitor não tem fundamento.


Assino e dou fé.

30 de março de 2014 | N° 17748
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

Deu prá ti anos 70

Eu vi a prisão do Marcos Klassmann. Ele era barbudo e cabeludo como um urso, e seus captores carregavam-no por braços e pernas, e ele se debatia com fúria de fera.

Cena forte.

Agora me ocorre: será que foi assim mesmo? Será que foi exatamente como lembro? Faz tanto tempo, eu era um guri e a memória nos engana. A memória é um prédio erguido depois do fato ocorrido, e sua matéria-prima são sentimentos e ressentimentos, crenças e ilusões. Já vi mulheres que amei me transformando em um edifício torto na memória delas. Não sou tão ruim assim, queria gritar, e parar a construção. Não adiantava, os tijolos de desprezo já estavam sendo cimentados.

E eu, eu fiz de algumas mulheres rainhas, semideusas do amor e, mais tarde, quando o tempo me afastou delas e delas só restou a imagem, as reencontrei e percebi, com desalento, que aquele monumento ao ser humano só existia dentro de mim, que ali, na minha frente, havia só uma mulher... igual a todas as outras. Triste. Um homem precisa acreditar que a vida pode ser especial.

Então, não sei se foi bem da forma como contei que se deu a detenção do Marcos Klassmann pelos esbirros da repressão. O que tenho certeza foi do que pensamos sobre os alegados motivos para que o arrastassem de seu apartamento no IAPI: sua agressiva campanha a vereador de Porto Alegre. Imagine que o slogan do Marcos Klassmann era o seguinte:

“Vote contra o governo”.

Quer dizer: Marcos Klassmann estava sugerindo que as pessoas deviam ser contra o governo. Uma afronta. Todos sabiam, nos anos 70, que ninguém podia ser contra o governo, que ser contra o governo era ser contra o Estado, contra o país. Vote contra o governo, no raciocínio de quem estava no governo, equivalia a dizer: vote contra o Brasil. Traição, traição. Ame-o ou deixe-o.

Vote contra o governo. Tão revolucionário na época, tão pueril hoje. A vida se sofisticou, desde então.

Em 79, uma pichação se espalhou por muros e paredes de Porto Alegre:

“Deu pra ti, anos 70”.

No ano seguinte, o Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti lançaram um filme com esse título, mas tenho quase certeza de que as pichações não eram marketing, não antecipavam o filme. Aquilo era de fato a expressão de quem tinha sofrido nos anos 70, como o Marcos Klassmann.

Nós, não. Nós não tínhamos sofrido. Éramos guris, e só o que queríamos era correr atrás da bola durante o dia e das meninas durante a noite. Quando o Marcos Klassmann foi arrancado de casa e levado para algum calabouço sombrio do regime, nenhum de nós ficou escandalizado. Assustados, sim; penalizados, certamente; escandalizados, não. Aquilo era normal. Para nós, funcionava assim mesmo. Nós só conhecíamos a ditadura.

Para nós, não havia nada de estranho, por exemplo, na figura do “pistolão”. O pistolão era um protetor, um homem que gozava de algum poder ou de alguma influência e que, graças a isso, resolvia os eventuais problemas que você poderia enfrentar no trato com o Estado, que, afinal, era quase absoluto. O Estado mandava em tudo e em tudo se infiltrava. O Estado, durante a ditadura militar, era muitíssimo parecido com um Estado comunista, o regime que os militares queriam desesperadamente evitar. O pistolão era o agente oficioso do Estado. Oficioso, sim; jamais clandestino. As pessoas se orgulhavam de contar com a bênção de um pistolão forte. Eram apontadas com inveja na rua:

– O pistolão daquele lá é um general.

Essa era a vida. Ninguém nunca tinha nos dito que poderia ser de outra maneira. Mas os anos 70 passaram e com eles passou o nosso tempo de guris, e começamos a ver que o mundo não precisava ser como estava posto, que havia um tipo de vida diferente em lugares diferentes. Mesmo que as coisas tivessem sido sempre daquela forma, não queria dizer que deveriam continuar a ser daquela forma.

Faz 50 anos que aquele regime foi implantado e 25 que deixou de existir. Hoje, uma geração inteira, como aquela nossa, não sabe o que é viver sob uma ditadura. Não sabe que, numa ditadura, um homem pode ser tirado à força de sua casa e atirado numa prisão só porque disse ser contra o governo. E os que sabem que isso aconteceu, mas que ainda assim se dizem saudosos daquele regime, esses são vítimas dos tais truques da memória. O velho regime, para eles, é como a minha antiga rainha, a semideusa que um dia amei: só existe na memória. Porque, na realidade, uma ditadura é... igual a todas as outras.


Um mês de tantas flores

Elvis morreu nos anos 70.

Elvis, the pelvis.

Mas Elvis não era mais dos anos 70, nos anos 70 ele estava gordo, suado e usando aquelas roupas estranhas, brilhantes, com golas imensas. Os anos 70 começaram com Beatles, seguiram sendo Rolling Stones, que os Stones são intermináveis, estremeceram com os punks dos Sex Pistols, mas foram mesmo, mesmo, da Discoteque. Pelo menos para quem era guri na Zona Norte profunda de Porto Alegre.

John Travolta! As minas queriam que você dançasse como o John Travolta. Mas eu, que não sou de danças, o que poderia fazer diante daqueles concorrentes com cintura de borracha?

Poesia. Não minha, dos outros.

Foi aí que aprendi uns poeminhas para impressionar na noite. Chegava um momento em que o som baixava e eu atacava:

“Quando nasci, num mês de tantas flores,

Todas murcharam, tristes, langorosas,

Tristes fanaram redolentes rosas,

Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existência nos verdores

Da infância nunca tive as venturosas

Alegrias que passam bonançosas,

Oh, minha infância nunca teve flores!”


Augusto dos Anjos. Se você é duro para dançar, apele para o Augusto dos Anjos.

30 de março de 2014 | N° 17748
CARTA DO EDITOR | NILSON VARGAS

O golpe revisitado

Viva a democracia! Ela está permitindo, sem amarras, que o Brasil revisite um dos episódios mais marcantes de sua história: o golpe militar de 1964 e seus desdobramentos em 21 anos de ditadura. E a imprensa – nunca é demais lembrar que sem ela não há democracia – cumpre um papel relevante neste processo.

Zero Hora não esperou o 31 de março para tratar dos 50 anos do golpe. Nas últimas semanas, em vários espaços, tem publicado reportagens, análises, resgates históricos e revelações que ajudam a mergulhar no tema. Confira ao lado parte do nosso cardápio de conteúdos e acesse todos eles em zhora.co/50anosdogolpe ou usando o código abaixo.

A MÃO CIVIL

Grupos de empresários e estudantes, setores da imprensa e da Igreja Católica e figuras como o político Carlos Lacerda estão entre os representantes civis que chancelaram a derrubada do presidente João Goulart e a ascensão dos militares ao poder. O papel dos civis é analisado em caderno especial nesta edição. Na versão digital, o caderno é enriquecido com conteúdos como a música do cantor Teixeirinha em homenagem ao então presidente Médici, evidenciando a simpatia dos tradicionalistas com os militares.

A RESISTÊNCIA

Documentário já disponível em zerohora.com reconstitui duas passagens do que grupos de esquerda batizaram como resistência armada: o assalto a uma agência do Banco do Brasil em Viamão, em março de 1970, e, dias depois, a tentativa de sequestro do cônsul dos Estados Unidos em Porto Alegre. Duas ações frustradas que acabaram levando guerrilheiros a prisão e torturas.

CULTURA GOLPEADA

Em quatro edições de março, o caderno Cultura mostrou os impactos da ditadura sobre a música, o cinema, o teatro e as artes visuais, ressaltando alguns dos mais nefastos traços do regime militar, que impôs censura, repressão e perseguições para sufocar a oposição.

HERANÇA ECONÔMICA

Publicada em 23 de março, uma reportagem do caderno Dinheiro percorreu os feitos dos governos militares na economia. Mostrou avanços em áreas como infraestrutura e sublinhou o legado negativo, que incluiu dívida externa, favelização, desemprego e inflação.

USTRA FALA

O coronel Brilhante Ustra, primeiro militar apontado pela Justiça como torturador, tentou negar esta condição em entrevista publicada domingo passado. Mas não resistiu às perguntas da repórter Cleidi Pereira e acabou reconhecendo o uso de técnicas como o interrogatório contínuo, além de dar detalhes de métodos repressivos.

O TORTURADOR

Na sexta-feira, ZH revelou que Paulo Malhães, coronel que torturava e matava no Rio de Janeiro, esteve no RS em 1970 com uma missão sinistra: ensinar e requintar métodos de tortura.

RECONTANDO A HISTÓRIA


Em novembro de 2012, quando não se falava de 50 anos do golpe, ZH desfez uma farsa. Com base em documentos guardados por um militar morto em Porto Alegre, provou que o ex-deputado Rubens Paiva dera entrada em uma unidade da repressão no Rio antes de desaparecer, algo que o regime militar negava. A revelação fez avançar a investigação sobre o assassinato do político, um dos episódios mais simbólicos dos anos de chumbo.
RUTH DE AQUINO
28/03/2014 22h31 - Atualizado em 28/03/2014 22h37


Ela estava pedindo

Para 65%, a vítima é culpada pelo estupro se usar short, decote ou saia curta

Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas. É uma afirmação forte. Leia novamente, por outro ângulo. Homens que atacam mulheres com shorts, saias curtas ou decotes reveladores não têm culpa nenhuma. Eles não são agressores, apenas respondem a seu instinto humano e animal.

O homem, ao atacar, exerce o direito masculino de se apossar daqueles nacos de carne exibidos. Coxas, umbigo, linha dos seios, costas. Se ela mostrou na rua, em público, estava pedindo, não é mesmo? Nesse caso, se existe algum culpado de ataque sexual, claro, é ela. A fêmea que provoca o desejo do macho.

Se você acha que enlouqueci, saiba que faz parte de uma minoria no Brasil. Também sou minoria. Mesmo ciente do preconceito e do machismo entranhados em nossa sociedade, fiquei escandalizada com o resultado de uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizada entre maio e junho do ano passado, com 3.810 pessoas em todo o país.

A culpa é delas. É o que pensam os brasileiros sobre a violência contra a mulher

Segundo o levantamento, 65% dos entrevistados concordam parcial (22,4%)  ou totalmente (42,7%) com a afirmação “mulher que mostra o corpo merece ser atacada”. Não é só homem que acha isso. Muita mulher moralista, hipócrita e ciumenta acha o mesmo. Que queimem no inferno as mulheres fáceis e libertinas...ou apenas sensuais, bonitas e desejáveis que economizam no tecido.

Quinhentas e vinte e sete mil mulheres, adolescentes e crianças são estupradas por ano no Brasil. Isso significa que, a cada dia, ocorrem 1.443 estupros de seres do sexo feminino. São 60 estupros por hora. Um estupro por minuto. Não sei quanto tempo você leva para ler esta coluna. Marque no relógio e, no ponto final, saberá quantas mulheres, adolescentes e crianças terão sido atacadas sexualmente enquanto você pensa se faz parte dos 65% de brasileiros que culpam a vítima.

“Mulher ainda é vista como propriedade no país. Homem pode fazer o que quiser do corpo feminino.” Essa é a visão da socióloga Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Está no senso comum que a mulher provoca e, por isso, é estuprada, que ela apanha porque o marido estava nervoso, que ela deve tolerar as agressões para manter o núcleo familiar”, disse Samira ao jornal O Globo.

A pesquisa do Ipea revela um poço de preconceitos. Dá arrepio na alma. Mas prefiro me concentrar na parte mais atroz e cruel: a inversão da culpa nos ataques sexuais. Que explica também por que 58% dos entrevistados acham que, “se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros”. Eles culpam Eva e seus atributos físicos.

As famílias ajudam a perpetuar o preconceito. Pais e mães que se orgulham do filho “garanhão” e “comedor” e castigam a filha “namoradeira” e sexualmente livre contribuem para visões distorcidas dos gêneros. Ambas as atitudes – o orgulho e a rejeição – são equivocadas.

Escrevi uma coluna, “Os pegadores e as vagabundas”, que descreve exatamente essa dupla moral. O número alto ou baixo de parceiros sexuais não determina o caráter ou o real prazer de ninguém. A rotatividade na cama não deveria ser tachada de devassidão. Não sempre. A busca talvez? Mas o homem pode buscar, e a mulher não... ainda hoje, no ano 2014, ela é malvista.

Em cidades litorâneas e quentes onde se anda semidespido, como o Rio de Janeiro, fica claro, nos calçadões, o código do figurino diferenciado. Homens de todas as idades e corpos caminham de sunga, mas praticamente só as gringas caminham de biquíni, sem nada por cima. As cariocas têm receio de ser atacadas verbalmente ou fisicamente se andarem na calçada de biquíni.
>> Você é contra ou a favor de vagões só para mulheres?

Em São Paulo, passar a mão dentro do metrô e dos trens virou esporte de macho mal resolvido, que quer extravasar as frustrações. Homens foram presos em flagrante, sob acusação de abuso de passageiras jovens e bonitas. Alguns desses abusadores se gabam na internet de usar o transporte público para molestar as mulheres. Há os que se masturbam, que se encostam, que filmam as moças. Uma passageira disse ao Fantástico que anda no metrô com uma chave de fenda, por defesa pessoal. Outra pediu que a sociedade pare de julgar as mulheres pelas roupas. Mas esse dia parece estar longe. Sempre esteve.

Quando eu, garota de praia, estava perto de completar 11 anos, meu pai me proibiu de usar biquíni, porque tinha ficado “mocinha” – eufemismo para a primeira menstruação. Nem “duas peças” podia. Precisava ser maiô inteiro. Era uma ordem. Me senti confusa e humilhada, não protegida. Meu pai também destruiu uma minissaia a tesouradas, para eu não mostrar as coxas. Dizia que era para meu bem. Foi mesmo, porque ali, naquele apartamento de Copacabana, comecei a me rebelar.



29 de março de 2014 | N° 1774
EDITORIAIS ZH

Visão preocupante

São chocantes as conclusões de estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelando que os brasileiros ainda mantêm uma visão retrógrada e machista em relação ao papel da mulher na sociedade. Nada menos do que 65% das 3.810 pessoas de ambos os sexos entrevistadas em 212 municípios disseram concordar com a afirmação de que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.

A conclusão, somada a outras igualmente inconcebíveis como a de que 58,5% justificam estupros pelo comportamento das mulheres , demonstra o quanto o país ainda precisa evoluir na área social, para assegurar mais igualdade de gênero, com efetivo respeito mútuo. Os avanços dependem de campanhas institucionais eficientes e de caráter permanente, além de uma aposta firme na área educacional.

Um dos aspectos promissores do levantamento é o de revelar que, embora a visão dos brasileiros seja marcada, de maneira geral, pela ambiguidade, é nas faixas de menor nível educacional que a intolerância costuma ser maior. Ainda assim, e embora essa realidade seja reproduzida de forma massificada e até mesmo celebrada em manifestações culturais como músicas e danças, são perturbadoras as conclusões do estudo, agora respaldadas em números.

O que fica evidente é uma cultura marcada pela superioridade masculina, reforçada pela tendência à desqualificação do sexo feminino. Enquanto se mantiver preso a preconceitos e a concepções socioculturais deturpadas, o país não conseguirá resolver algumas de suas mazelas mais perturbadoras, a começar pela violência.

Conscientes do problema escancarado pelo levantamento, a sociedade e o poder público já vêm promovendo avanços de ordem legal que hoje estão na vanguarda da assistência a pessoas mais vulneráveis, como crianças, adolescentes, idosos e mulheres. Ainda assim, essa rede de proteção se choca com concepções pessoais largamente majoritárias, apesar de equivocadas.

Uma delas é a de que, embora a violência física contra a mulher seja rechaçada e punida, uma imensa maioria ainda acredita que “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. E mais: que “roupa suja se lava em casa”. Esse olhar deformado para o problema ajuda a explicar tantos casos de violência doméstica e sexual, entre os quais o estupro, em grande parte cometidos, tolerados e acobertados no âmbito familiar.


Diante dos resultados, a presidente Dilma Rousseff advertiu ontem que “governo e sociedade devem trabalhar juntos para atacar a violência, dentro e fora dos lares”. O Brasil só será um país mais justo quando seus cidadãos conseguirem encarar-se uns aos outros com mais respeito, acima de quaisquer diferenças, o que depende sobretudo de um consistente avanço educacional e cultural.

29 de março de 2014 | N° 17747
NÍLSON SOUZA

A última notícia

Jornalista perde o amigo, mas não perde a oportunidade de dar uma notícia.

Outro dia, um colega de trabalho ficou doente e passou alguns dias hospitalizado. Lá pelas tantas, recebeu o telefonema amável de outro companheiro de redação que parecia sinceramente interessado na sua saúde. Queria saber como foi a cirurgia, se ele sentia alguma dor, se a família estava bem, até que de repente perguntou:

– Tu nasceste em Rosário ou em Uruguaiana?

O doente saltou na sua cama de manivela:

– Tá fazendo o meu obituário, filho da mãe!

Os dois, felizmente, continuam firmes e fortes por aqui, rindo do episódio. Gente do meu ofício, que não é melhor nem pior do que integrantes de outras tribos profissionais, carrega no sangue esse compromisso irrenunciável com a notícia e uma verdadeira obsessão pela antecipação de fatos. Se sabemos que vai acontecer, por que não deixar o relato pronto? Às vezes, nos quebramos, como no caso de jogos de futebol disputados na hora do fechamento e que têm o resultado alterado nos acréscimos. Já vi muito colega torcendo contra o time de sua predileção para não ter que mudar o texto.

A questão do obituário é mais curiosa. Nada é tão certo como a morte. Então... É raro, mas de vez em quando a imprensa mata alguém que continua vivo. É célebre a história do escritor Mark Twain, que acabou virando referência para casos semelhantes. Ao ler uma notícia sobre seu próprio óbito, ele reagiu com ironia:

– Parece-me que as notícias sobre minha morte são ligeiramente exageradas.

Pois ocorrências desse tipo, que não são incomuns no ambiente jornalístico, estão ameaçadas pela nova tendência europeia do “selfie obituary”, pela qual o próprio morto deixa redigida a sua derradeira notícia. É um desafio e tanto isso de escrever o que desejamos que outras pessoas leiam sobre nós quando não estivermos mais aqui. Como manter a equidistância? Nada mais pernóstico do que um autoelogio póstumo. Nada mais falso do que uma autocrítica sem o risco de vermos sinais de assentimento no rosto dos leitores.

Se tivesse que me submeter a um exercício surrealista desses, apelaria para a objetividade característica da minha profissão:

– Deixou-nos ontem, aos 113 anos, o jornalista...


Pensando bem, é melhor aguardar o telefonema do colega solidário.