quarta-feira, 11 de janeiro de 2012



11 de janeiro de 2012 | N° 16944
JOSÉ PEDRO GOULART


A luta continua?

O cineasta Jonathan Demme costumava terminar seus filmes com uma frase sempre escrita em português: “A luta continua”. A convocação viria da Revolução dos Cravos de Portugal, por isso o idioma. Debruçado em 2012, penso no dístico. Ele faz algum sentido hoje em dia?

As tentativas de poder por parte da esquerda suportaram mal e mal algumas décadas. As que sobraram, ou definham (como Cuba) ou criaram um sistema transgênico que mistura ditadura, capitalismo dissimulado e socialismo conveniente (como a China).

Quanto à família e às religiões, nada abala seus pilares: os gays se unem no afã de se casar, e a Bíblia é praticamente distribuída nas igrejas com boleto bancário como marcador de páginas.

Da tríade da flâmula francesa, liberdade, igualdade, fraternidade, restou uma bandeira desbotada. Fraternidade só de resultados, ou irmandades por interesse, que cria ainda mais rivalidades. E se sobrou alguma certeza nesse século de divagações é a de que o ser humano quer ter liberdade para ser desigual.

A revista Time colocou “O Protestador” na capa. Mas o manifestante ao qual a revista se refere não é o ser consciente a la Jonathan Demme. O sem face da revista é o sem emprego da Europa, ou o sem democracia das nações árabes ou o sem direito junto ao capital financeiro desgovernado da América. Ou seja, o sujeito que luta por si. O indivíduo que se junta a outros indivíduos na busca de direitos... individuais. O que faz esse sujeito quando chega ao poder?

“Mais fortes são os poderes do povo” , bradou o capitão Corisco rodopiando para a morte defronte à câmera de Glauber. Era final dos 60, a década onde se imaginou que tudo “iria” acontecer. Porém, o sertão não virou mar, nem o mar, sertão.

A Terra Brasilis do sol, do Glauber, em parte empurrada pelo consumo da classe C, já é a sexta economia do mundo. O “povo” no poder, no entanto, não quer nada com filmes glauberianos, o povo é cortejado pela mídia com programas popularescos, com farta distribuição daquilo que ele presumivelmente deseja, BBBs, UFCs, CQCs, e uma quantidade paralisante de informação como que saída de uma loja de 1,99.

Adulada também pela publicidade, a classe C dita a nova ordem na música, no cinema, na TV, na estética urbana. O poder é de quem consome. Do outro lado da cena, imiscuída em salas VIPS administradas por bancos ou cartões de créditos, a antiga liderança cultural torce o nariz para a massa.

A juventude, com seu presumível combustível vital, talvez pudesse incendiar essa vida palha, mas de cabeça baixa, de olho no novo aplicativo do smartphone, é difícil mirar o horizonte.

“O horror é que, pela primeira vez, vivemos num mundo onde não conseguimos imaginar um mundo melhor.” A desconfiança é do filósofo alemão Theodor Adorno. E não é de hoje. Adorno morreu em 1969. Cinco anos antes de Jonathan Demme realizar seu primeiro filme.

De qualquer forma cabe a pergunta, restou alguma luta pela qual vale a pena continuar?

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