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sábado, 28 de janeiro de 2012
28 de janeiro de 2012 | N° 16961
CLÁUDIA LAITANO
Invisibilidade pública
“Se está no elevador, a pessoa te vê e não entra. Se está no refeitório, não senta na mesma mesa. Não chama pelo nome, não pede por favor.”
Parece África do Sul durante o apartheid, mas é Brasil, 2012. O depoimento é de uma mulher que trabalha na limpeza de um hospital na capital paulista. O simples gesto de colocar o uniforme, conta ela, já faz com que comece a ser vista de forma diferente – ou melhor, não vista.
Uma pesquisa divulgada esta semana pelo Dieese sobre trabalhadores de limpeza da cidade de São Paulo ouviu 1.851 coletores de lixo, varredores, auxiliares de limpeza e jardineiros.
De acordo com o levantamento, um em cada quatro entrevistados diz já ter sofrido discriminação relativa ao trabalho. A maior queixa: serem tratados como cidadãos de segunda categoria, indignos da cortesia mínima de um bom-dia, de um obrigado, de um por favor.
O estudo ratifica o que o psicólogo Fernando Braga da Costa já havia demonstrado no livro Homens Invisíveis, publicado em 2004, sobre sua experiência convivendo com os garis da USP. No livro, o psicólogo desenvolve a tese da “invisibilidade pública” de profissionais como faxineiros, ascensoristas, empacotadores, garis.
A invisibilidade dos trabalhadores da limpeza é talvez apenas a mais evidente em um país culturalmente habituado a naturalizar a desigualdade de tratamento – ajustado, em muitos casos, para operar conforme a classe social do interlocutor.
Ignorar o porteiro ou tratar a faxineira como se fosse um eletrodoméstico parece tão natural quanto rir da piada sem graça do chefe ou atender um cliente conforme a roupa que ele está usando.
É uma espécie de lei não escrita da selva social brasileira: para cima tudo, para baixo justiça. Se não dá para dizer que somos os únicos do mundo a agir assim, é preciso reconhecer que, em muitos países, o trabalho é respeitado como um valor em si, independentemente do tamanho do contracheque ou do status social da função.
Homens e mulheres invisíveis do Brasil dependem de ônibus, fazem fila no posto de saúde, estudam em escolas em que os professores fazem greve. Quando viram notícia – porque desabou a casa onde moravam ou invadiram o terreno onde construíram suas casas –, parecem personagens de uma tragédia que se desenrola em um país distante, onde a gente não vai nem a passeio.
A literatura, que poderia dar rosto e voz a esses personagens, tem se ocupado cada vez menos deles. São poucos os livros que nos levam a observar a paisagem brasileira desde uma outra perspectiva: do lado de dentro do ônibus lotado, do lado de cima da maca estacionada no corredor do hospital, do lado de quem nem sempre é brindado com a gentileza de um bom-dia quando está vestindo um uniforme ou fazendo um trabalho braçal.
Para quem sente falta deste ponto de vista, sugiro a leitura de Passageiro do Fim do Dia, do escritor Rubens Figueiredo. Um romance obrigatório, narrado desde a perspectiva da maioria invisível de um país que só enxerga o que quer ver.
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