terça-feira, 17 de janeiro de 2012



17 de janeiro de 2012 | N° 16950
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


A freira e o conde

Havia na cidade de Trier, em recuados tempos, cinco famílias que se orgulhavam de seus brasões. Quatro eram dotadas não só de títulos de nobreza, como apreciáveis bens de fortuna. A quinta se resumia a um derradeiro conde, que, embora pudesse traçar sua árvore genealógica até a época de Carlos Magno, era inteiramente desprovido de metal sonante.

Chamava-se Roderico e mantinha juntos corpo e alma graças a uns últimos servos fiéis, que cultivavam as terras restantes de seu arruinado palácio.

Sucedeu no entanto que Roderico enfermou-se de invencível paixão por uma mulher proibida. Sóror Kathleen tenha sido aprisionada num mosteiro por seu severo pai, pelas razões de ser impenitente leitora de obras profanas e recusar meia dúzia de ricos pretendentes. Ora, em certa ocasião de reforma no mosteiro, as freiras foram obrigadas a assistir a missa na catedral. Foi onde Roderico a descobriu, caindo de amores por ela.

Engenhou um modo de atraí-la. Informado de sua perigosa queda pelos livros, começou a postar-se no adro da Sé, mergulhado em grossos volumes, que constavam no índex da Santa Madre. Kathleen a princípio fitou-o dissimulada, logo com curiosidade. Ao fim de um mês já não escondia seu aberto interesse.

Roderico optou por uma silenciosa estratégia. Instruiu seu valete a entregar em surdina a Kathleen uma brevíssima mensagem: “O esplendor das termas é magnífico na penumbra da madrugada”.

A partir dali o conde e a freira passaram a se encontrar, por volta da uma da matina, nas ruínas romanas. Não se sabe se debateram sobre os censuráveis filósofos gregos ou os versos de Ovídio. Parece razoável porém supor que se entregaram a dulcíssimos diálogos de entrega e posse, indo um pouco além da mera teoria.

Fugiram num amanhecer de dezembro. Kathleen despachou seu zeloso pai ao paraíso.

Dizem que hoje é venerada em Trier como a precursora das feministas.

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