sábado, 21 de janeiro de 2012



21 de janeiro de 2012 | N° 16954
DAVID COIMBRA


O primeiro dos últimos dias

Hoje é o começo do fim.

O fechamento de um ciclo.

O primeiro jogo do último ano do Estádio Olímpico.

Que oportunidade formidável se oferece ao Grêmio e aos gremistas: o desfecho de uma era está com data agendada, e com boa antecipação. Há quase todo um ano para marcar esse momento e para relembrar, cultivar e, se conveniente, dourar os momentos que se foram.

A vida é mesmo ponteada de ciclos. A própria vida é um grande ciclo. Tudo tem começo, amadurecimento, auge, decadência e fim. Só que, na maioria dos ciclos, quem os vive não sabe quando o fim chegará. O que é uma pena. Gostaria que alguém tivesse me dito no passado:

– Esta será a última bala gasosa que você comerá na vida. Depois desta, nunca mais você nem sequer verá uma bala gasosa.

Eu ainda me lembraria da minha última gasosa, se me tivessem feito essa advertência.

Ou então:

– Você só tem mais cinco jogos de futebol com seus amigos de infância.

Que atuações eu teria! Que lançamentos de 60 metros estilo Roberto Rivellino! Que dribles da levantadinha!

Ou ainda:

– Olhe bem para essa vista do Guaíba: em alguns meses eles vão levantar uma torre bem ali e essa vista deixará de existir.

Ou:

– Olhe bem para a sua avó fazendo alquimias à beira do fogão. Chegará um tempo em que as avós não cozinharão mais para os netos.

Quem sabe o fim de um casamento? Afinal, você pode marcar o dia do divórcio, mas dificilmente o fará com grande antecipação:

– Daqui a um ano, vamos nos separar.

Fosse assim, os dois relaxariam de pronto. Não fariam mais cobranças mútuas, não se irritariam mais com as pequenas manias de um e de outro, não ficariam amargos com eventuais desatenções.

Tentariam apenas aproveitar os últimos dias de convivência, lembrariam às gargalhadas das vicissitudes dos primeiros tempos, reservariam os melhores restaurantes para seus jantares derradeiros e até fariam amor com ânsia renovada, já que seria o amor do fim do amor. Talvez descobrissem que deveriam ter vivido sempre assim. Talvez se reconciliassem.

Pensando bem, em certos casos é melhor não saber o final com antecipação.

O beija-flor

Agora mesmo um colibri parou em meio ao voo bem diante da minha janela. Ficou como que flutuando, parecia me observar. Lembrei-me do Dario, que dizia que era como o beija-flor e parava no ar a fim de cabecear a bola.

Isso me deixou perplexo comigo mesmo. Fosse o Assis Brasil que deparasse com aquele beija-flor, lhe assaltaria um pensamento lírico, ele teceria um poema, uma ode à natureza. Eu, não. Eu pensei num centroavante dos anos 70. Para ver como a chamada “cultura futebolística” faz mal.

Na faixa de segurança

Uma medida bem intencionada não é necessariamente uma medida eficaz. A ideia de introduzir a cultura da “mãozinha” na faixa de segurança, aquilo de o pedestre estender a mão quando quiser atravessar a rua, fazendo sinal para que o motorista pare o carro, eis uma ideia recheada de boas intenções, mas com maus resultados.

Às vezes o pedestre estica a mão e irrompe pela faixa de segurança debaixo de um semáforo que está fechado para ele; às vezes o motorista para o carro no semáforo aberto e oferece passagem ao pedestre, trancando o trânsito de uma avenida movimentada; às vezes um motorista detém o carro numa faixa sem semáforo, o pedestre avança, mas o carro na pista ao lado segue em frente. Essa história da mãozinha tornou inseguras as faixas de segurança.

Assim é o estatuto do torcedor. O futebol brasileiro era uma bagunça, aí o Estado resolver intervir. Tudo bem quando se trata de respeito ao consumidor, acomodações confortáveis nos estádios etc., mas por que o Estado tem de se meter em regulamento de campeonato? Quem faz o futebol que aprenda a fazê-lo sozinho.

Do que sei

Quantas informações inúteis acumulei sobre o futebol na minha vida... Sei a escalação do América de 74. Sei que o Palhinha, que jogava com Joãozinho, Nelinho e Jairzinho no Cruzeiro, calçava trinta e sete e meio, e por isso suas chuteiras vinham da Europa. Sei que Ortiz, goleiro do Atlético-MG, calçava 48.

Que o Urruzmendi, que jogou no Inter, fazia balãozinho com tampa de garrafa. Que Luiz Luz, por algum motivo, era chamado de “O Fantasma da Área”. Que Falcão e Batista disputavam quem tinha o melhor cabelo nos tempos em que jogavam juntos. Nada disso serve para nada, mas tudo isso sei. E, agora, você também.

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