quarta-feira, 18 de janeiro de 2012



18 de janeiro de 2012 | N° 16951
PAULO SANT’ANA


A defesa do comandante

Assombram o mundo atualmente as circunstâncias do naufrágio do navio de cruzeiro Costa Concordia na costa da Itália, junto à ilha de Giglio.

O personagem central do desastre é o comandante do navio, Francesco Schettino, que, segundo o noticiário, abandonou a embarcação antes de todos os passageiros, descumprindo um adágio tradicional de que o último a deixar o navio obrigatoriamente tem de ser o capitão.

Eu não tenho como defender o comandante da acusação que lhe fazem de ter cometido barbeiragem ao costear a ilha. Dizem os noticiários que as rochas ali eram não só previsíveis como reais, parece indesculpável a posição do piloto.

Mas eu quero defender o comandante num aspecto em que, modéstia à parte, sou uma autoridade, tal o afinco com que tenho me dedicado nos últimos 40 anos a analisar as condutas humanas.

A última acusação que tem sofrido o comandante é a de que, para homenagear o seu chefe dos garçons no navio, que é natural da Ilha de Giglio, atreveu-se a aproximar o navio da ilha, um gesto nítido de sentimentalidade.

É aí que deixo uma pergunta: só os passageiros do navio tinham o direito de deliciar-se com seu percurso ou o comandante, por capricho e sponte próprios, também pode aproveitar o trajeto para maravilhar-se com detalhes da viagem? Sendo assim, o comandante deu-se ao luxo de desviar a rota do seu navio para honrar sua amizade com o chefe dos garçons e prestar-lhe aquele obsequioso e cordial tributo de camaradagem.

Não sei de onde tiraram esse mandamento ético de que o comandante de um navio é obrigado a ser o último a deixar a nave, só podendo abandonar o navio antes dos ratos, mas depois de todos os passageiros e tripulantes.

Deve ser da ideia de que, quando uma casa sofre um incêndio, o último a abandoná-la tem de ser o chefe de família, depois de todos os outros familiares e moradores.

Mas todos parecem esquecer os pensamentos que passaram pela cabeça do comandante quando o casco do navio bateu na rocha.

E eu eu vou arrolar abaixo alguns dos pensamentos que ocorreram ao comandante naquele instante, começando por um que é a bíblia de toda tragédia cercada de salvamentos: “Salve-se quem puder!”.

E os outros todos:

“Eu já vou!”

“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!”

“Isto não é hora para prioridades!”

“Cometi um desatino ao vir passear ao redor da ilha, se eu ficar aqui para só sair depois dos outros todos, quantos desatinos mais poderei cometer, chocado como estou? Eu vou me mandar!”

“Eu sou a caixa-preta deste navio, só eu poderei dizer à humanidade e às autoridades o que aconteceu. Pois então vou fugir depressa daqui e salvar pelo menos a caixa-preta!”

E, finalmente, o comandante cumpriu com um ensinamento bíblico ao bater rápido em retirada: “Os últimos serão os primeiros”.

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