quarta-feira, 3 de agosto de 2011



03 de agosto de 2011 | N° 16781
ARTIGOS - Adriana da Silva Ribeiro*


Presídios, hospitais, escolas

“Encontramos o sistema em situação caótica, quase trágica. A falta de investimentos ao longo dos anos fez com que as instalações físicas estivessem absolutamente precárias. Presos, inclusive tuberculosos, dormiam no chão, vazamentos e infiltrações de água, instalações elétricas em constantes panes, rachaduras nas paredes, cozinhas funcionando sem condições de higiene.

O próprio sistema de segurança estava vulnerável: grades corroídas, portas sem fechaduras. Túneis abertos, fugas constantes, presos com verdadeiros arsenais em seu poder. Hospitais e ambulatórios sem medicamentos. Situação precária também quanto a recursos humanos. Um guarda para cem presos. Faltando assistentes sociais, psicólogos, médicos etc.”

Parece a descrição das condições do Presídio Central de Porto Alegre? Mas não é. O relato acima consta do livro A Dona das Chaves, recentemente lançado pela socióloga Julita Lemgruber, referindo-se a um relatório sobre as condições das cadeias do Rio de Janeiro enviado pelo Dr. Avelino Moreira, promotor de Justiça, então no cargo de diretor do Desipe, no ano de 1984, ao seu chefe.

O sistema prisional do Rio Grande do Sul era diferente do sistema prisional do Rio de Janeiro? Não. Quem puxar pela memória lembrar-se-á dos constantes motins com reféns, mortes e fugas ocorridas tanto no Presídio Central de Porto Alegre quanto na Penitenciária Estadual do Jacuí nos anos que antecederam a entrega da administração à Brigada Militar e a inauguração da Pasc – Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas.

Melhoramos o sistema prisional desde então? Não. Ao contrário. Pioramos. A invisibilidade dos muros da prisão não permite que a população veja o que ocorre lá dentro, mas atualmente só não temos motins e reféns ou grandes fugas.

E por que não temos isto? Porque entregamos a administração dos presídios aos presos. Hoje, na falta de agentes penitenciários, recursos financeiros e vagas suficientes, o Estado só chega até o portão das galerias do Presídio Central e da PEJ.

Dali para dentro, quem manda é o “prefeito”. Sabiam que cada galeria tem um? E esse prefeito concede alvarás. Claro, exerce o seu cargo: determina quem vai receber o remédio, a comida, quem vai vender a droga, qual o doente que vai ser atendido pela guarda.

Recente relatório realizado pelo Conselho Nacional de Justiça ao final do mutirão carcerário mapeou as galerias do Presídio Central e das grandes penitenciárias moduladas da Região Metropolitana, relacionando-as às facções que dominam o mundo do crime dentro e fora das prisões. Assim como as cadeias estão loteadas pelas facções, Porto Alegre também está.

A sociedade, porém, enuncia que há impunidade. É um sentimento legítimo da vítima a pretensão de que seu algoz seja punido. Mas pergunto: encaminhar o criminoso para o sistema prisional que temos resolverá a sensação de impunidade da população?

É chegada a hora de a população cobrar do Estado que administra esse sistema prisional que seja cumprida a lei, no sentido exato de lhe devolver um preso melhor do que aquele que entrou no sistema. Assim como devemos exigir do Estado que nos devolva um doente curado ao sair do hospital ou um aluno que tenha aprendido os conceitos, no mínimo básicos, de português e matemática ao sair da escola.

*Juíza da Vara de Execuções Criminais

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