Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
FERREIRA GULLAR
Pega mal
Como convencer-se de que o que disse naquele discurso era verdade, se já sabe que não era?
COMO PODE uma senhora de mais de 60 anos -que em breve será avó- dizer mentiras? E em público, para a nação inteira, sabendo que as pessoas honestas e informadas do país saberão que ela está dizendo mentiras e, ainda assim, o faz em altos brados, para que todos ouçam! Pergunto, sem maldade: pode alguém confiar numa senhora que mente?
E ela mesma, esta senhora que mente, terminado o ato público, a solenidade ou o comício, ao voltar para casa e deitar a cabeça no travesseiro, que dirá a si mesma?
Imaginemos a cena: ela sozinha no quarto, troca de roupas, deita-se na cama e apaga a luz. Foi um dia agitado, passou a noite a ouvir discursos no congresso de seu partido, à espera do momento em que faria seu próprio discurso, por todos esperado. Dali a alguns momentos, ela seria aclamada candidata à Presidência da República e, então, faria seu pronunciamento à nação.
E, nesse pronunciamento, iria mentir, iria afirmar coisas que sabia não serem verdadeiras, com o propósito de desacreditar os adversários políticos e futuramente derrotá-los nas urnas.
E então mentiu, mentiu diante de seus companheiros de partido, que sabiam que ela mentia; mentiu perante o presidente da República, o inventor de sua candidatura, que ali estava a exaltar-lhe os méritos e sabia que ela mentia. E, agora, sozinha, no silêncio do quarto, que diria a si mesma?
Não pode dizer a si mesma que não mentira. Isso o mentiroso poderá dizer a alguém que o acuse de ter mentido: finge estar ofendido, faz-se de indignado e chega até a insultar quem o acusou de mentir. É parte do papel do mentiroso. Mas consigo mesmo, não consegue fazê-lo. Enganar os outros é possível, ou pelo menos ele acredita que consegue, mas enganar a si mesmo é bem mais difícil, se não impossível.
Como convencer-se de que o que disse naquele discurso era verdade, se sabe que não era? Com a cabeça no travesseiro, sozinha consigo mesma, será que lhe vem à mente a confissão dolorosa?
Será que, contra sua vontade, uma voz interior, que só ela ouve, lhe dirá: "Como teve a coragem de dizer esta noite, para o país inteiro ouvir, tantas inverdades? Acha certo enganar as pessoas? E pior ainda, enganá-las ao mesmo tempo em que se propõe governar o país?".
Não posso garantir que isso tenha ocorrido, pois há casos de pessoas mentirosas que terminam acreditando nas próprias mentiras. Se bem que esses que acreditam no que inventam são outro tipo de mentirosos, que necessitam, sobretudo, enganar-se a si mesmos, mais do que enganar os outros.
Esse gênero de mentira é diferente da mentira política, quando o cara afirma coisas que não aconteceram, que todas as pessoas informadas sabem que não aconteceram e, mais que todos, o próprio mentiroso o sabe e sabe que todos o sabem.
Pelo que li nos jornais e vi na TV, no 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores, o que não faltou foi mentira. Creio que a ministra Dilma Rousseff é essencialmente honesta, tanto que sempre que afirma certas coisas, percebe-se hesitação em sua voz. Não se sente à vontade, como Lula, que, ali mesmo, afirmou ter sido o mensalão uma conspiração contra seu governo.
Uma conspiração da qual deve ter participado o procurador-geral da República, uma vez que, em sua denúncia, falou de "uma quadrilha", chefiada pelo chefe da Casa Civil do Lula.
No segundo turno das eleições de 2006, o PT inventou que Geraldo Alckmin, se eleito, privatizaria a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Isso nunca havia sido dito nem cogitado pelo PSDB, nem por seu candidato nem por ninguém. Uma pura e simples calúnia, com o objetivo de minar a candidatura adversária.
O primeiro a dizer isso foi Lula, num debate na televisão. Alckmin o desmentiu, no mesmo instante. Lula se calou, mas, já no dia seguinte, a propaganda do PT insistia na mentira, que enganou muita gente e garantiu a vitória de Lula. Agora, mal começa a campanha, Dilma retoma a afirmação mentirosa, deixando claro qual será o nível em que o PT pretende conduzir a disputa.
Na verdade, durante o governo FHC, foram feitas várias privatizações, com resultado altamente positivo para o país, a começar pela telefônica, cuja privatização tornou o celular um bem comum a qualquer brasileiro; a CSN, privatizada, passou a dar lucro em vez de prejuízo aos cofres públicos; e a Vale do Rio Doce se tornou uma das maiores empresas do mundo.
Dilma cala sobre essas privatizações que deram certo e mente sobre as "privatizações" que nunca ninguém pensou fazer. Para uma senhora já de certa idade, ainda que petista, pega mal.
DANUZA LEÃO
O melhor dos mundos
Os namorados vão passar o dia inteiro rindo e brincando, e esses namoros serão muito felizes, enquanto durarem
TUDO MUDA: as modas vão e voltam, e basta ter paciência e esperar para que várias coisas do passado voltem ou que novidades surjam -e uma novidade é sempre um acontecimento.
Vai ser manchete a notícia de que um grande sábio descobriu que exercícios físicos fazem mal à saúde; a ginástica passará a ser proibida e passível de castigo; talvez até, às duras penas da lei. E alguém vai decretar que o trabalho não enobrece, e que para uma vida feliz é fundamental o ócio total. De que as pessoas vão viver? Ah, estamos apenas divagando, não falando sério -aliás, nesse mundo vai ser proibido falar a sério.
Será capa das revistas que cuidam da saúde que o sol faz bem e que passar o dia inteiro na praia passando óleo no corpo é a melhor receita para uma pele bonita, sedosa e sem manchas.
Além disso, todos serão obrigados a tomar uma caipirinha a cada hora e meia, para que a humanidade paire, permanentemente, 50 centímetros acima do nível do mar; o suco de açaí com cenoura e beterraba será terminantemente proibido, os padrões de beleza vão mudar, e quando você aparecer com oito quilos a mais, o comentário geral será: "Mas como está linda, com o rosto mais cheinho" (em Milão já é assim).
A praxe será acordar e ficar na cama até a hora que quiser -lendo os jornais, vendo desenho animado na televisão (sem som) e comendo chocolate. Mas não pense que tudo vai ser permitido, pois algumas coisas serão rigorosamente proibidas. Exemplo?
Legumes em geral, brócolis e couve-flor em particular. As fibras serão consideradas veneno; em compensação, as gorduras estarão não só liberadas como serão aconselháveis, para melhorar o colesterol e evitar o infarto.
Será obrigatório namorar muito; os namorados vão passar o dia inteiro rindo e brincando, e esses namoros serão muito felizes, enquanto durarem. Existe também um pré-namoro que pode e deve acontecer sempre; é um tipo de sedução inocente que pode ser feita com homens, mulheres e crianças, sem compromisso algum, mas que pode ser exercida na hora de comprar o jornal, o pão, ou de perguntar que horas são.
Nesse admirável mundo novo não haverá ciúmes, nem ambição, nem competitividade, pois ninguém vai acreditar num absurdo desses: que só porque alguém tem uns papéis datilografados dentro de uns envelopes é dono de carros, casas, ilhas e empresas.
A moeda de todos os países será igual, para não se ter que fazer muita conta, e como a educação, a saúde e a velhice serão de responsabilidade do Estado, vamos poder viver sem essas preocupações, que são nossas maiores.
Os amigos não nos darão, jamais, o menor trabalho; nunca nos obrigarão a ir a seus aniversários, e nunca nos sentiremos culpados se não formos.
O Natal será um momento de paz e sorrisos entre os homens, exatamente como dizem que é, só que será mesmo, e bastará uma grande travessa de rabanadas e um copo de vinho para inundar de alegria nossos corações.
Pequenas coisinhas: os cachorros serão proibidos de latir, os ônibus de turistas de circular, a temperatura nunca passará dos 22 graus, nunca mais vai ser preciso entrar em nenhuma fila, e quando você andar na rua vai sentir que todo mundo sorri, deixando claro que é um grande prazer e uma grande alegria sua aparição, pois todos gostam muito, muito de você. Não vai ser bom?
danuza.leao@uol.com.br
ELIANE CANTANHÊDE
Ou vai ou racha
BRASÍLIA - O Datafolha de hoje confirma a previsão do Planalto e não deixa alternativa para os tucanos: agora, ou vai ou racha.
Significa que o tempo de hibernação de José Serra se esgotou e que ele tem de se lançar já à Presidência, antes que seja tarde. Como significa que a eleição atingiu o ponto ideal para a definição de Aécio Neves: sempre se soube, mas nunca tinha ficado tão evidente o quanto sua candidatura a vice é fundamental para a oposição.
Quanto mais Dilma é identificada como candidata de Lula, mais ela cresce, e estava escrito nas estrelas do PT que aquele aguaceiro em São Paulo, os dissabores de Gilberto Kassab na prefeitura e a debacle do DEM no DF iriam afetar Serra.
Ainda não tecnicamente, mas na prática a pesquisa registra um empate, com duas más notícias para Serra: Dilma Rousseff sobe consistentemente, e ele, que se mantinha sólida e estavelmente no topo, passou a cair. O cruzamento desses dois movimentos é fatal para o tucano, a não ser que seja contido. Como? Só ele, seus aliados e estrategistas podem saber, mas Aécio já era importante e passou a ser vital.
Em todos cenários -com ou sem Ciro, no primeiro ou segundo turno-, Dilma ganhou pontos, Serra perdeu. E em igual proporção, como os 5 a mais de uma e os 5 a menos do outro com Ciro na disputa.
O dado mais poderoso, porém, é a perda de três pontos de Serra no Sudeste, que tem 42% do eleitorado. Para subir a rampa, Serra tem não só de ganhar bem nessa região como compensar aí o que certamente Lula dará a mais para Dilma no Norte e no Nordeste. Com Aécio é possível. Sem ele...
No discurso serrista, tudo isso é porque "a campanha nem começou". Só que, quando começar, Dilma vai continuar como hoje, com muito mais tempo de exposição positiva na TV, sem contestação.
Voltando à vaca fria, a oposição ou vai de Serra e Aécio ou racha. Na política, rachar é sinônimo de perder.
elianec@uol.com.br
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Sorte madrasta
Trinta e oito gaúchos acertaram na Mega-Sena, mas não ganharam nada. A lotérica não registrou a aposta
Igor Paulin - Miro de Souza/Ag. RBS/Ag. O Globo
AZAR NO JOGO
Apostadores protestam na lotérica Esquina da Sorte. Parte deles irá à Justiça para receber o prêmio
Trinta e oito moradores de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, dedicaram a comemorações a noite do sábado 20 de fevereiro. Eles haviam comprado cotas de um bolão feito pela lotérica Esquina da Sorte para a Mega-Sena – e acertaram as dezenas sorteadas.
Depois de conferir o resultado, Roberto Hoffman, um corretor de seguros de 52 anos, beijou a mulher, prometeu dar um imóvel a cada um de seus cinco filhos, quitar sua casa e comprar um carro com ar-condicionado. Como o prêmio total chegava a 53 milhões de reais, Hoffman calculou que receberia 1,3 milhão de reais.
Mesmo com uma aposta alta, de 440 reais, como a feita no bolão, a chance de acerto na Mega-Sena é ínfima: 1 em 758 000. "Acordei milionário no domingo", lembra Hoffman.
Mas então Eliana, sua mulher, resolveu visitar o site da Caixa Econômica Federal. Percebeu que havia algo errado ao constatar que o banco não assinalara acertadores e que o prêmio havia acumulado.
"Fui à lotérica reclamar e encontrei uma cambada de gente na minha situação", disse o corretor. A Esquina da Sorte não havia registrado os bilhetes. O dono do estabelecimento, José Paulo Abend, tornou-se suspeito de estelionato.
Ag. RBS/Ag. O Globo
ESQUINA DA URUCA
O dono da lotérica, José Paulo Abend, comprou três cotas, perdeu o prêmio e é suspeito
de estelionato
A polícia investiga se ele vendia bolões sem inscrevê-los nos computadores da Caixa, para embolsar o dinheiro dos fregueses. Abend diz ter comprado três das cotas do bolão e que, portanto, foi o maior prejudicado. O empresário atribui o erro a sua funcionária Diane Samar da Silva, que teria se esquecido de registrar os bilhetes.
Para provar sua versão, ele entregou à polícia um vídeo feito pela câmera de segurança da loja. O filme mostra Diane, que também entrou no bolão, indo à casa lotérica para conferir o jogo logo depois da realização do sorteio. Lá, ela constatou seu descuido.
Uma parte dos lesados exige que a Caixa lhes pague o prêmio. "Vou à Justiça", avisa Josmari Peixoto, que advoga para 22 apostadores. Ela argumenta que as lotéricas funcionam como extensões do banco, já que nelas é possível fazer operações como depósitos, saques e pagamentos de contas.
Em sua defesa, a Caixa afirma que as lotéricas não estão autorizadas a vender bolões, ainda que essa seja uma prática disseminada. Três dias depois da confusão, a sorte voltou a Novo Hamburgo.
Na quarta-feira, um apostador acertou cinco das seis dezenas da Mega-Sena e recebeu 21 000 reais. Ele comprou o bilhete em outra lotérica. A Esquina da Sorte foi fechada pela Caixa.
Lya Luft
Alegres e ignorantes
"Estar informado e atento é o melhor jeito de ajudar a construir a sociedade que queremos, ainda que sem ações espetaculares"
Ilustração Atômica Studio
Há fases em que, inquieta, eu talvez aponte mais o lado preocupante da vida. Mas jamais esqueço a importância do bom humor, que na verdade me caracteriza no cotidiano, mais do que a melancolia. Meu amado amigo Erico Verissimo certa vez me disse: "Há momentos em que o humor é até mais importante do que o amor".
Eu era muito jovem, na hora não entendi direito, mas a vida me ensinou: nem o amor resiste à eterna insatisfação, à tromba assumida, às reclamações constantes, à insatisfação sem tréguas. Bom humor zero. Desperdício de vida: acredito que, junto com dinheiro, sexo e amor, é a alegria que move o mundo para o lado positivo. Ódio, indignação fácil, rancores e inveja – e nossa natureza predadora – promovem mediocridade e atos cruéis.
Quando, seja na vida pessoal, seja como cidadãos ou habitantes deste planeta, a descrença e o desalento rosnam como animais no escuro no meio do mato, uma faísca de bom humor clareia a paisagem. Mas há coisas que nem todo o bom humor do mundo resolveria num riso forçado. Como senti ao ler, numa dessas pesquisas entre esclarecedoras e assustadoras (quando vêm de fonte confiável), que mais de 30% da nossa chamada elite é de uma desinformação avassaladora.
Aqui o termo "elite" não tem a ver com aristocracia, roupa de grife, apartamento em Paris ou décima recostura do rosto, mas com a gente pensante. A que usa a cabeça para algo além de separar orelhas. Pois, segundo a pesquisa, entre nós a imensa maioria dos ditos pensantes não consegue dizer o nome de um só ministro desta nossa República. Senadores, nem falar.
A turma que completa o 2º grau, que faz faculdade, que tem salário razoável, conta no banco, deveria ser a informada. Essa que não precisa comprar carro em noventa meses e deixar de pagar depois de quatro. A elite que consegue viajar conhece até algo do mundo, e poderia ter uma pequena biblioteca em casa.
Em geral, não tem. Com sorte, lê jornal, assiste a boas entrevistas e noticiosos daqui e de fora, enfim, é gente do seu tempo. Para isso não se precisa de muita grana, acreditem. Mesmo assim, essa elite é pouco interessada numa realidade que afinal é dela.
Resolvi testar a mim mesma: nomes de ministros atuais desta nossa República. Cheguei a meia dúzia. São quase quarenta. Então começo a bater no peito, em público, aliás. Num país onde mais da metade dos habitantes são analfabetos, pois os que assinam o nome não conseguem ler o que estão assinando, ou vivem como analfabetos, pois não leem nem o jornal largado na praça, os que sabem ler deveriam ser duplamente ativos, informados e participantes. Não somos.
Nossos meninos raramente sabem o título de seus livros escolares ou o nome dos professores (sabem o dos jogadores de futebol, dos cantores de bandas, das atrizezinhas semieróticas). Agimos como se nada fora do nosso pequeno círculo pessoal nos atingisse.
Além das desgraças longe e perto, vindas da natureza ou do homem, estamos num ano eleitoral. Inaugurado o circo de manobras, mentiras e traições escrachadas ou subliminares que conhecemos. Precisamos de claridade nas ideias, coragem nos desafios, informação e vontade, e do alimento dos afetos bons.
Num livro interessante (não importa o assunto) alguém verbaliza velhas coisas que a gente só adivinhava; um filme pode nos lembrar a generosidade humana; uma conversa pode nos tirar escamas dos olhos. Estar informado e atento é o melhor jeito de ajudar a construir a sociedade que queremos, ainda que sem ações espetaculares.
Mas, se somos desinformados, somos vulneráveis; se continuarmos alienados, bancaremos os tolos; sendo fúteis, cavamos a própria cova; alegremente ignorantes, podemos estar assinando nossa sentença de atraso, vestindo a mordaça, assumindo a camisa de força que, informados, não aceitaríamos.
Alegria, espírito aberto, curiosidade, coisas boas desta vida, todos as merecemos. Mas me poupem do risinho tolo da burrice ou da desinformação: o vazio por trás dele não promete nada de bom.
Lya Luft é escrito
Chico Xavier e a alma do Brasil
Oito anos depois de sua morte, o mito do médium mineiro está vivo, forte e será renovado por uma onda de filmes que celebram o centenário de seu nascimento. O que explica essa popularidade?
Martha Mendonça, de Pedro Leopoldo e Uberaba. Com Leopoldo Mateus, Mauricio Meireles
Ique Esteves - PSICOGRAFIA
O ator Nelson Xavier como Chico, em cena do filme que será lançado no mês que vem. O espiritismo ganha as telas
Como se explica que um homem pobre, doente e semi-instruído, nascido mulato no início do século passado, em um rincão distante de Minas Gerais, viesse a se tornar, ao longo de seus 92 anos de vida, e sobretudo depois dela, uma espécie de mito brasileiro – um nome capaz de emocionar, motivar e organizar as pessoas em torno de uma fé e do trabalho filantrópico que ela inspira?
O que havia na personalidade e nas ideias daquele homem careca, estrábico, sempre de peruca e óculos escuros, que se expressava com a fala pausada e amanteigada dos mineiros, capaz de sobreviver a sua morte em 2002 e transformá-lo em objeto de culto, de estudo e de interesse crescente dos meios de comunicação?
Por que o celibatário ao mesmo tempo doce e obstinado, que se dizia capaz de conversar com os mortos e foi perseguido e ridicularizado por isso, conseguiu expressar tão bem a alma brasileira a ponto de tornar-se, ele mesmo, um ícone popular e uma figura respeitada mesmo entre aqueles que não compartilham de suas polêmicas convicções?
As respostas a essas perguntas, se elas existirem, talvez surjam no decorrer deste ano, quando se celebra, com uma onda de filmes, o centenário de nascimento de Chico Xavier, o médium mais conhecido do mundo e uma das personalidades mais queridas dos brasileiros.
No dia 2 de abril, data de seu nascimento em 1910, estreará Chico Xavier – O filme. Baseado no best-seller de Marcel Souto Maior, As vidas de Chico Xavier, e dirigido pelo blockbuster Daniel Filho, o longa-metragem vai ocupar 300 salas, promete lotar os cinemas e apresentar ao grande público (sobretudo aos jovens)uma história que, se fosse roteiro de ficção, seria classificada de inverossímil.
Ou, no mínimo, exagerada. Garoto pobre do interior perde a mãe aos 5 anos, é maltratado na infância e começa a ver espíritos; escreve livros que seriam ditados por grandes nomes da literatura já mortos e ganha projeção nacional ao psicografar mensagens de pessoas que já morreram para parentes inconsoláveis.
Lança mais de 400 obras literárias, que vendem 50 milhões de exemplares – mas doa tudo para a caridade. Sem boa saúde, trabalha sem parar e vive de seu salário do Ministério da Agricultura até morrer. Sem ser católico, vira quase um santo.
27 de fevereiro de 2010 | N° 16259
CLÁUDIA LAITANO
Carta aberta ao futuro governador
Caro futuro governante. Antes de mais nada, parabéns pela eleição. Seja quem for o senhor (ou a senhora), desejo sinceramente que encontre entre seus adversários políticos boa vontade e “fair play” suficientes para que possa trabalhar da melhor forma possível nos próximos quatro anos. Por ter recebido o voto de confiança da maioria dos eleitores gaúchos, saiba que conta desde já com o meu respeito.
Imagino que sua agenda esteja cheia de compromissos nesses primeiros dias depois da eleição – e que os assuntos mais urgentes envolvam questões administrativas e financeiras, além de conversas com os partidos que o apoiaram para decidir quem vai comandar esta ou aquela secretaria estratégica. Percebo que, na prática, nem sempre a pessoa que mais entende de uma determinada área é aquela que acaba sendo nomeada para ocupar o cargo de secretário de Estado.
Há casos em que, dentro de uma mesma equipe de governo, uma pessoa cheia de qualificações em uma determinada área é deslocada para outra, considerada mais importante, porque os arranjos políticos assim o determinam, o que é uma pena.
Esta cartinha antecipada de boas-vindas inclui um único e singelo pedido: em meio às muitas negociações para decidir quem será o secretário do Planejamento, da Segurança Pública ou da Educação, tire alguns minutos para pensar com carinho na escolha do próximo secretário de Cultura do Rio Grande do Sul.
Você (me perdoe a informalidade, mas, fazer o que, nasci nos anos 60...) pode não dizer em voz alta, mas talvez pense que a Secretaria de Cultura não é prioridade em um Estado tão cheio de problemas como o nosso.
Em um raciocínio mais pragmático ainda, pode calcular que, mesmo diante dos cenários mais desoladores na área cultural, dificilmente se verá uma passeata pela Borges de Medeiros ou uma concentração na Praça da Matriz exigindo uma política mais eficiente na área (ou “alguma” política que seja, algum ensaio de reflexão interna sobre o papel do Estado na Cultura, concordemos ou não com essa visão).
Essa apatia não é culpa sua ou dos governadores que o precederam, mas da sociedade gaúcha como um todo, que foi se acostumando com um cenário cultural cada vez mais minguado até chegar ao ponto em que nem sequer mais sabemos o que perdemos – olhe para os outros Estados, os ricos e os nem tanto, e vai perceber o quanto estamos em defasagem.
Seja quem for, o futuro secretário estadual de Cultura vai encontrar um orçamento limitado para trabalhar, é verdade. Mas é exatamente quando falta o dinheiro que mais se sente falta de um líder, alguém com habilidade para eleger prioridades e investir nelas, buscando apoio na sociedade civil e na iniciativa privada para desenvolver os projetos que o Estado não tem condições de bancar sozinho.
O secretário de Cultura, como o de qualquer outra área, deve ser um gestor competente, mas não basta nomear um sujeito com PhD em administração se ele não souber a diferença entre o Iberê Camargo e um certo Zezé com o mesmo sobrenome.
O secretário de Cultura deve gostar de ler bons livros, de ir ao teatro, de frequentar museus – e não por “exigências do cargo” mas por uma necessidade visceral de alimentar o espírito com algo além dos balancetes ou da seção de Política do jornal. Na Cultura, mais do que em qualquer outra área, deve valer a velha máxima do Barão de Itararé: de onde nada se espera, daí é que não sai nada.
Você tem a chance de ser lembrado no futuro como o governador que ajudou a reerguer a autoestima intelectual e cultural do Rio Grande do Sul. Não esqueça disso, e os seus eleitores também não vão esquecer.
27 de fevereiro de 2010 | N° 16259
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES
A mais difícil Cavalgada Internacional
Nestes 20 anos de atividade, os Cavaleiros da Paz, que já cavalgaram até em Portugal, enfrentaram muitas dificuldades: seca, no nordeste brasileiro, inundação na Argentina e no Paraguai, chuva, vento e frio, perda de cavalo motivada por descarga elétrica, perda de cavalo por atropelamento, perna de cavaleiro quebrada em tombo. Mas esta Cavalgada do Fim do Mundo realizada na Patagônia foi para mim a mais difícil.
O desafio mais bruto. Talvez por isso mesmo o que mais me encheu de orgulho. Em caminhos que tínhamos que abrir ex novo a pata de cavalo, com os loros esticados para frente como cordas de violão na descida de abismos. Várias vezes, tive vontade de me atirar no chão e dizer: deixem-me aqui para a carniça dos condores.
Eu não aguento mais! Mas aí batia a vergonha na cara ao ver os outros 22 cavaleiros alegres e rindo e algo touro, algo que nasce da coragem que existe nos gaúchos me fazia continuar.
Os companheiros, que sabem dos meus 75 anos e das sequelas do AVC olhavam: “Aí, Nico velho, esse não se entrega nunca!”. Não se entrega: eu estava louco para me entregar, não me entregava por causa deles.
A cavalgada teve duas partes: na primeira delas, fomos de El Calafate, na fronteira com o Chile, recebendo na cara o vento frio que nos crestava o rosto e nos rachava os lábios. Elton Saldanha e Fabian Fortes disputaram uma carreira no meio da neve. Quem não levava luva não sentia as mãos.
A descida foi pior. Como disse Mermoz, quando desceu os Andes conforme a descrição de Saint Exupéry: “O que eu fiz, palavra que nenhum bicho, só um homem poderia ter feito”!
Percorremos lugares sem estradas, quase sempre com matas espinhentas de calafates e lengas, sem luz, sem celular, sem apoio, passando frio, e muitos dormindo ao relento. Também, acho que esgotamos o estoque do delicioso vinho argentino por muito tempo!
A segunda etapa foi mais curta, mas não menos dramática, desde Ushuaia até o Canal de Beagle. Eu tinha que “armar” sete novos companheiros que já reuniam condições para alcançar o título de Cavaleiro da Paz, uma cerimônia emocionante.
Cheguei aos pedaços até a beira do Canal de Beagle, amparado pelo grande Elton Saldanha, consegui abençoar, com a adaga flamejante, Caé Braga, Helder Menezes, Maurício Junqueira, Pedro Magalhães, Fabian Fortes, Aquiles Pes e Antonio Junqueira.
Eles podem se assentar conosco em pé de igualdade no círculo místico da nossa távola redonda, e já temos reconhecidos como aspirantes a serem armados cavaleiros no futuro Eduardo Fleck, Natal Seadi, João Porto, João Osório e José Giordani.
Condores com asas de poncho, os Cavaleiros da Paz foram em busca do sol nos píncaros da Cordilheira dos Andes.
Os cavalos do mar
27 de fevereiro de 2010 | N° 16259
NILSON SOUZA
A maior crueldade que já cometi com um animal foi ter obrigado uma égua a atravessar uma pinguela tão estreita que até o equilibrista do Cirque du Soleil hesitaria antes de dar o primeiro passo.
Não alego inocência, mas tenho atenuante: eu era menos que adolescente e fui intimado por um tio a buscar o bicho no campo. Parecia fácil, a égua era mansinha, mas estava do outro lado da sanga. E o único caminho que eu conhecia passava pela prancha que servia de ponte entre as duas margens.
Não tive dúvidas: passei primeiro e puxei com força a corda que prendia o pescoço da cavalgadura até que ela deixou de resistir e veio ao meu encontro, cruzando as patas como uma top model na passarela. Passou. Mas com tanto medo que quase me atropelou do outro lado. Foi aí que percebi que eu é que tinha sido a verdadeira cavalgadura por não ter procurado um local mais apropriado e seguro para a travessia.
A inteligência humana – que nem sempre funciona de forma satisfatória, como se vê no caso que acabei de relatar – nos faz senhores dos demais animais do planeta.
Éramos na pré-história da humanidade talvez o mais frágil deles, não tínhamos os dentes do tigre, nem as garras da águia ou as presas do mamute. Mas um dia acendeu-se uma luz no cérebro daquele serzinho que se esgueirava pelas sombras e se escondia nas cavernas.
E ele passou a desenvolver estratégias para dominar os grandes animais, para abatê-los e para submetê-los à sua vontade e aos seus interesses. Talvez esta luz seja, na verdade, apenas o dedo oponente, que nos permite empunhar armas, manejar cordas e construir armadilhas, mas preferimos ainda hoje acreditar que somos o gênio da lâmpada, mesmo nesta era digital em que os dedos parecem ter mais importância do que os neurônios.
A verdade é que dominamos e domesticamos a bicharada. Somos capazes de montar touros bravios e de fazer gato e sapato com os cavalos, que se tornaram verdadeiros escravos dos homens nesta parte do planeta.
Em outras paragens, camelos e elefantes também são usados como meios de transporte ou como máquinas de carga. Usamos e abusamos da paciência destes bichões, que parecem desconhecer a força que têm.
Acabei de ler A Viagem do Elefante, do português José Saramago, que relata a travessia de meia Europa por um paquiderme presenteado pelo rei de Portugal ao arquiduque da Áustria.
Mas a história mais interessante do livro é o causo de uma vaca que se perdeu no campo com sua cria e foi atacada por uma matilha de lobos. Durante 12 dias, conta o contador, ela enfrentou bravamente os agressores com chifradas e patadas, protegendo o filhote, até que conseguiu escapar.
Quando os homens a encontraram e a levaram para a aldeia, continuou bravia, não deixava ninguém se aproximar. E seus donos, não entendendo que ela aprendera a lutar por sua vida e por seu destino, mataram-na em dois dias.
Já os cavalos do mar estão morrendo de mansidão. Dá para entender o bicho homem?
27 de fevereiro de 2010 | N° 16259
PAULO SANT’ANA
E os lotéricos honestos?
Eu me preocupo com esta enchente de notícias no caso do bolão de Novo Hamburgo por um aspecto: o que devem estar sentindo, sofrendo e pensando os donos de agências lotéricas honestos, que cumprem suas obrigações e que até podem organizar bolões, mas o fazem de forma correta, registrando-os no terminal da Caixa Econômica e atendendo solícita, idônea e prestimosamente seus clientes?
Como estão essas pessoas? A imprensa tem uma força muito grande, mas muitas vezes não se sensibiliza com todo o campo que atinge. Para os proprietários decentes de lotéricas, a notícia foi um desastre.
Tentando atenuar esse drama é que publico hoje uma carta que me foi enviada por um dono de lotérica:
“Bom dia, Paulo Sant’Ana. Eu também, como milhares de gaúchos, sou leitor assíduo de tua coluna há vários anos, e como este assunto é de meu interesse particular, pelo fato de ser proprietário de uma agência lotérica em Porto Alegre, resolvi te escrever.
Sou revendedor lotérico desde maio de 1989, portanto há mais de 20 anos, sempre na Avenida Wenceslau Escobar, no bairro Tristeza, na zona sul de Porto Alegre.
Tenho, por isso, plena consciência para opinar sobre o assunto: os bolões de qualquer jogo realizados em nossos estabelecimentos são desde o início das atividades de revenda de jogos oficiais praticados e de grande procura e solicitação dos clientes. É uma modalidade que permite a pessoas de poder aquisitivo menor participar de jogos com maior quantidade de números, que lhes darão maiores chances ou possibilidades de ganhar com um investimento pequeno, dentro de suas posses.
Outros casos também existem, de pessoas com poder aquisitivo grande que se unem e procuram uma lotérica, investindo altas somas quando os acumulados são de grande monta. Portanto, é uma prática usual e amplamente aceita entre os apostadores, o que diferencia é a maneira como esses bolões são montados.
Eu, na minha experiência, desde que houve a troca de sistema de apostas pela Caixa Federal, que permitiu que um jogo de grande quantidade de números pudesse ser feito em somente um comprovante de aposta, passei a anexar este recibo em forma de cópia xerox junto com o comprovante que é entregue para cada cliente e nunca fiz esses bolões para mais de 10 participantes.
E mais: eu mesmo, como proprietário e responsável pelo negócio lotérico, é que cuido, confiro e guardo no cofre o recibo original junto com a relação dos compradores, todos com telefone para posterior identificação.
Portanto Sant’Ana, após ler esta semana em tua coluna a carta de nosso revendedor lotérico mais antigo tanto em idade quanto em tempo prestado, me senti também no dever de externar minha tristeza por este momento em que toda a nossa classe está sendo julgada por um fato tão lamentável que ocorreu infelizmente com um representante de nossa categoria entre mais de 10 mil existentes em todo o país.
Já na carta do senhor Genarino, em tua coluna desta semana, ele salienta o grande trabalho social que exercemos hoje para a população brasileira.
Hoje somos uma extensão de nossa parceira Caixa Federal, não somente para jogos, atendemos a classe mais sofrida deste Brasil pagando todos os benefícios e aposentados do INSS, prestamos serviços bancários de toda ordem, recebemos contas tanto de empresas prestadoras de serviços (luz, telefonia, saneamento e outros) quanto boletos bancários.
Enfim, tudo o que um banco faz, nós, hoje, além das apostas, também fazemos, e com um agravante Sant’Ana: com funcionários na sua maioria de pouca instrução, sem nenhuma experiência e treinamento (toda a responsabilidade de transmitir algum conhecimento recai sobre o proprietário), sem traquejo bancário e com salários baixos, que é o que dentro da lucratividade podemos pagar, trabalhando das 8h às 19h.
Meu registro para finalizar é de que a imprensa em geral tente separar o fato grave ocorrido de toda uma classe que representa hoje para nosso país uma importância imensurável, o fato é lamentável, é triste mas é uma situação isolada, nossa categoria continua trabalhando com honestidade e presteza para a população brasileira. (as.) João Cezar Aguiar Borowski, Galeria da Sorte”.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
Eleições 2010
Dizem que em casa de político sem mandato só o vento bate na porta. Um grandão da política, já falecido, em determinado momento de fim de carreira e sem poder, disse que político sem mandato é como prostituta sem cama.
Em hora de eleição a gente nota, mais do que nunca, a fome pelos cargos, os acordos inexplicáveis, os fisiologismos, a propaganda enganosa, aquela coisa toda e tal.
Definitivamente, no Brasil, ainda temos história partidária escassa, rala e personalismos bem exagerados. Ainda pensamos em salvadores da pátria. Devemos pensar que nós todos é que somos os tais salvadores. Democracias verdadeiras precisam de ideias, conceitos, partidos e práticas duradouras, consistentes. Isso é mais velho que Sócrates.
Marketing é moderno, inevitável, funciona, mas o eleitor tem de prestar mais atenção na mercadoria em si e não só na forma como ela está sendo vendida. Embalagem e estratégia de venda é uma coisa, conteúdo, outra. Comparar o passado FHC com o quase passado Lula é bom, necessário, tudo bem, mas acho que numa campanha política presidencial a prioridade pode e deve ser outra.
Até por que os governos FHC-Lula formam certa continuidade, especialmente no aspecto econômico. Melhor é pensar no futuro, como vamos pagar as contas do bolsa-família e outros débitos, como podemos pensar em projetos nacionais, de verdadeiro interesse público.
Precisamos ver dados e números concretos, gastar bem o dinheiro público e discutir amplamente o melhor para todos, em termos de médio e longo prazo. Segurança, educação, saúde, por aí.
Essas discussões e decisões devem ficar, ao máximo, muito acima de interesses e vaidades pessoais e partidários que duram o tempo de uma vida humana, ou menos do que isso. Os seres humanos brasileiros não desgostam de agressões pessoais, palavras cabeludas e ataques abaixo da linha da cintura, mas, no fundo, eles sabem que interessa mais a conversa e o plano que coloque o presente e o futuro com mais clareza, felicidade e segurança, para eles, filhos e netos.
Papo de boteco e cerveja são ótimos, mas tem sempre a hora de ir para a casa e para o trabalho, pensar e falar sério. Especialmente depois do Carnaval e da Páscoa. Fala, Brasil!
Jaime Cimenti - Uma linda sexta-feira e um gostoso fim de semana
Histórias de terror para os leitores se assustarem e se identificarem
O grande livro das histórias de fantasmas, um projeto concebido pela Virago Press, conhecida editora inglesa dedicada exclusivamente a livros escritos por mulheres, com organização de Richard Dalby, pesquisador literário, apresenta trinta e quatro histórias, com perspectivas das mais variadas. Dalby é apaixonado pelo gênero, especialista e já compilou vários volumes do gênero.
O volume acaba de ser publicado no Brasil e tem tudo para se tornar um clássico moderno no gênero, diante dos nomes das escritoras, dos temas tratados, das formas literárias e dos cuidados editoriais adotados. Autoras como Charlotte Brontë, May Sinclair, Edith Wharton, Ruth Rendell e Angela Carter comparecem com narrativas tradicionais, estudos psicológicos modernos, clássicos contos de casas mal-assombradas e fábulas de mistério de teor feminista.
Algumas histórias são inquietantes, outras estranhas, outras são francamente assustadoras, mas todas são antológicas e que investigam como as mulheres lidam com paixão, angústia e raiva, entre outros sentimentos fortes. Não é à toa que quase sempre as histórias de mistério, fantasmas e terror trazem como ponto central uma mulher tão brava quanto apavorada, quase sempre às voltas com acontecimentos inexplicáveis e horripilantes.
Ou então, uma figura feminina atormentada que causa eventos assustadores. As trinta e uma autoras britânicas reunidas no livro estão entre as mais importantes dos séculos XIX a XXI e lançam suas percepções e talentos sobre noites enevoadas, governantas solitárias e amantes que voltam do túmulo para se vingar.
A perda de um filho, a separação de uma irmão, a partida de um amante e outros temas capazes de provocar calafrios e fazerem leitores dormirem de luz acesa também estão no volume, que mostra o sobrenatural em textos de alta qualidade.
Pela amplitude formal e temática, o livro se destina a mulheres fãs de contos de horror e a todos, vivos ou mortos, que apreciem textos saborosos, assustadores e personagens de complexidade aterradora.
Como se vê, o gênero de terror, clássico na literatura, segue encantando e assustando muita gente, passando bem pelos julgamentos do tempo e dos leitores.
Tradução de Cristina Cupertino, 456 páginas, R$ 56,90, Suma de Letras/ Editora Objetiva, www.objetiva.com.br.
26 de fevereiro de 2010 | N° 16258
Paulo Santana
O azar dos azares
Tenho um amigo que é a pessoa mais azarada que conheço. Tudo dá errado para ele. Se investe na bolsa de valores, no dia seguinte quebra o mercado de capitais da Islândia, derrubando as bolsas de todo o mundo.
Se compra um imóvel, em poucos dias o prédio desmorona. Se adquire um carro, a revenda chama-o para diversos recalls, tudo está estragado no veículo.
Não pode ter ninguém mais azarado do que ele. Ontem, encontrei-o e ele foi logo me dizendo: “Quando vi essa história do bolão da Mega Sena em Novo Hamburgo, fui logo vasculhar na minha casa onde estava o meu comprovante desse bolão. Não o encontrei, mas vou procurar de novo. Foi tanto o azar dos apostadores desse bolão, que eu devo ser um deles. É certo que eu comprei esse bolão”.
Dezenas de leitores me mandaram e-mails sobre isto: a pretensa aposta do bolão de NH seria de R$ 132. Com 40 cotas a R$ 11, que é o preço por que foram vendidas, a soma é de R$ 440.
O lucro, portanto, da lotérica seria de R$ 308, um lucro sobre todos os títulos excessivo, mais de 200% do valor da real aposta.
Esse negócio dos bolões é bilionário, movimenta grandes quantias.
E, ainda por cima, quando os apostadores acertam, não recebem.
Assisti ontem ao vídeo entregue pelo proprietário da lotérica à polícia, no qual se vê a funcionária encarregada do bolão chegando às pressas à lotérica, depois do sorteio, sábado à noite: nervosa, fica procurando supostamente o talão premiado. Não o encontrando na gaveta, leva as mãos à cabeça e parece começar a chorar.
Toda a aparência do vídeo é revestida de autenticidade.
Resta saber por que, em matéria tão importante e lucrativa como essa do bolão, o proprietário da agência não toma para si a conferência dos jogos, averiguando se eles foram feitos ou não. Por que deixar a cargo de uma funcionária uma missão tão especial e delicada como essa?
Acho que muitos leitores não leram ou não entenderam a coluna em que escrevi que a agência lotérica tem o dever de antes registrar a aposta e só depois proceder ao bolão.
Isso foi praticamente o que primeiro escrevi, mas tantos leitores me mandam dizer esta mesma coisa que penso ser útil a repetição.
Na ocasião escrevi mais: não só fazer primeiro a aposta, antes da venda do bolão, é obrigação da lotérica, como, também, cada volante vendido de bolão tem de ser acompanhado de uma fotocópia da aposta real feita.
Fora disso, é tudo confusão. E incerteza. E locupletação dos bolonistas que organizam os jogos e que porventura sejam desonestos.
Chega um elogio justo ao SUS: “Boa tarde! Prezado Sant’Ana. Vimos por meio de sua coluna agradecer à doutora Manoela Jorge Coelho e sua equipe, que fazem parte do Programa de Assistência Domiciliar (PAD) do Grupo Hospitalar Conceição.
Minha mãe tem 82 anos, apresenta quadro delicado de saúde e está sendo acompanhada pelo PAD desde que recebeu alta hospitalar. Além da visita semanal, nos é fornecido material p/curativos em úlcera de pressão, medicamentos p/hipertensão e diabetes, atendimento via telefone quando temos alguma dúvida, além do carinho inenarrável que minha mãe está recebendo desses profissionais da saúde. Os filhos agradecem com carinho.
Gostaria que publicasse este agradecimento, até mesmo para mostrar que o atendimento do SUS não é tão ruim como muitos falam. Grata. (as.) Susana Minussi, (smminussi@uol.com.br)”.
26 de fevereiro de 2010 | N° 16258
DAVID COIMBRA
Pela extinção da EPTC
Nada pessoal. Penso que a EPTC deva ser extinta, mas não sou contra a empresa, nem desgosto dos azuizinhos, embora conheça gente com ganas de um dia transformar um azulzinho numa pasta de carne e sangue rojada ao meio-fio. Eu não.
Sempre fui bem tratado por azuizinhos nos raros contatos que tive com eles. Até esbarrei em alguns tolerantes – a tolerância, você sabe, é a virtude dos sensatos, dos bem-humorados. Em outra palavra, dos inteligentes.
Logo, os tolerantes azuizinhos com que deparei devem ser bem fornidos desses predicados, o que talvez até seja fruto de algum incentivo oficial da empresa, curso, recomendação, sei lá.
Ponto para a empresa.
Mas ela deveria ser extinta.
Ou muito reduzida.
Uma das razões é o fato de a EPTC ser uma experiência frustrada. Poderia ter dado certo, não deu. Porque o porto-alegrense não gosta da atuação da EPTC. Claro, haverá quem goste: os milhares de funcionários da empresa, seus amigos, seus parentes, talvez até um ou outro cidadão isento.
Mas, pela minha avaliação empírica, epidérmica, subjetiva e eminentemente pessoal, a maioria da população não gosta. Ao menos não gostam as pessoas com quem falo, que nem são tão poucas.
Só que, como disse, trata-se de uma avaliação empírica, epidérmica, subjetiva e eminentemente pessoal. Nenhum desses adjetivos se aplica ao segundo motivo pelo qual a EPTC deve ser extinta como fosse o pássaro dodô. Um motivo relevante.
A segurança pública.
Antes de 1998, não havia EPTC. A fiscalização do trânsito cabia à Brigada Militar. Óbvio: a EPTC tem outras funções, mas elas podem ser exercidas por uma secretaria. Atenho-me à fiscalização.
A Brigada Militar não queria exercer esse trabalho. Quando lhe foi suprimido, a Brigada festejou: em tese, restaria mais tempo e mais pessoal para as atividades de segurança pública propriamente ditas: a repressão, o combate ao crime.
Não foi o que aconteceu. Sem a exigência de controlar o trânsito, a presença da Brigada nas ruas tornou-se rarefeita. Sente ao volante do seu carro e saia pela cidade. Você vai cruzar por viaturas de azuizinhos em ruas vicinais e avenidas, vai se espantar com azuizinhos de campana atrás de árvores e debaixo dos viadutos, vai ver azuizinhos espreitando carros estacionados sem permissão na área azul. Todos esses azuizinhos você encontrará; não encontrará nenhum brigadiano.
Imagine agora que, em vez de mil azuizinhos, Porto Alegre dispusesse de mil brigadianos controlando o trânsito. Que, em vez das viaturas da EPTC, rodassem pela cidade viaturas da Brigada.
É a segurança ostensiva, tanto reivindicada pela população.
E que funciona, está provado.
Por que não repassar os recursos da EPTC à Brigada, num convênio entre a prefeitura e o Estado? Por que não treinar os brigadianos para o controle do trânsito? Sob o ponto de vista legal, é possível. Sob o ponto de vista da funcionalidade, factível. Sob o ponto de vista da sensatez, recomendável.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
JOSÉ SIMÃO
Sapatinha posa pro SAPARAZZO!
A eliminada teve mais votos que a Marina Silva e o Dourado teve mais votos que o Lula
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! A Terra do "Rebolation" e do "Big Brother"!
E o "BBB"? A sapinha eliminada vai fazer um ensaio sensual pro Paparazzo, SAPARAZZO.
E eu vou aderir ao movimento Fora Dourado! Você acha que um machão homofóbico pode se chamar Dourado? Aliás, acho que inventaram esse personagem: machão, homofóbico, gaúcho e Dourado. Tosco demais. É muita tosquera! E gaúcho homofóbico é aquele que tem medo da concorrência! Rarará!
E me responda rápido: quem é o governador do Detrito Federal HOJE? Tá tendo rodízio de governador! Três em um mês. Quem quer ser o próximo? Eles oferecem passagem e hospedagem. E o Eramos6 diz que aquele que passar em frente ao palácio de calça e camisa vira vice.
E aquele que passar de cueca e meia vira governador. Se você passar de cueca e meia em frente ao palácio, eles gritam: "Ei! Quer ser governador?". E eu sei quem vai ser o interventor do Detrito Federal. O MALUF! Rarará!
E o DEM agora se chama DEMOLIDO! Rarará! Deu Em Merda. Deram Elza no Mandato! E o chargista Dalcio diz que governador do Detrito Federal tem que assumir com carta-renúncia no bolso! "Aqui é o seu gabinete, ali é o banheiro e na gaveta tem três modelos de carta-renúncia." Rarará!
Paredão Olímpico! Sapinha de Bigode x Machão Homofóbico! Morango x Dourado. Ou como diz a dlag: "Mogango e Dogado". Setenta e sete milhões de votos. OU seja, a eliminada teve mais votos que a Marina Silva e o Dourado teve mais voto que o Lula. E ele fala que hétero não pega Aids.
E o povo acredita. Brasileiro acredita em tudo que escuta na Globo! E aquele Eliezer é engenheiro agrônomo e fala "ni mim e nivocê". E uma amiga disse que assiste ao "BBB" por higiene mental. E uma outra chama o "BBB" de deserto mental. É mole? É mole, mas sobe! Ou como disse o outro: "É mole, mas trisca pra ver o que acontece".
Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha Morte ao Tucanês. É que em Congonhal, Minas, tem um inferninho chamado Chuta a Caçapa. Ueba! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. O Orélio do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Porco chauvinista": torcedor do Palmeiras e admirador do Hugo Chávez. Rarará! O lulês é mais fácil que o ingrêis. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.
simao@uol.com.br
CLÓVIS ROSSI
Serra, Dilma e o marechal Lott
SÃO PAULO - Termina nesta semana a novela (ou a agonia) José Serra, jura a cúpula do PSDB. O governador paulista será candidato.
O fim da agonia não será festejado com fogos de artifício. Haverá apenas sinais de fumaça para que o mundinho político, em especial o tucanato e seus aliados, definidos e potenciais, saiba que saiu fumaça branca das chaminés do Palácio dos Bandeirantes.
Só mais tarde é que se fará algo mais festivo para carimbar a pré-candidatura, esse rótulo grotesco que a grotesca legislação brasileira exige que se use embora todo o mundo saiba que Dilma Rousseff, Marina Silva e, agora, Serra são candidatos, não pré-candidatos.
A candidatura tucana nasce sem vice. Não há um nome no DEM de que se fale mais. Nem houve desistência definitiva de ter Aécio Neves na chamada chapa puro-sangue. O governador mineiro decidirá segundo seu tempo, diz-se na cúpula do PSDB. E tempo de político mineiro é certamente diferente de tempo de político paulista.
O tucanato não acredita em candidatura Ciro Gomes, por mais que haja gente no partido que diga que Ciro anda com mais raiva do PT e do PMDB do que de Serra, seu arqui-inimigo. Ciro pode até querer disputar a Presidência, mas o partido está louco para correr para os braços de Dilma, o que o deixaria pendurado na brocha sem escada.
Dá para ganhar de um Lula com a corda toda, ainda que ele seja candidato apenas pela interposta pessoa de Dilma?
Não imaginava outra resposta que um "sim", mas ele vem acompanhado da observação de que Dilma tende a ser o marechal Lott de 2010. O marechal Henrique Lott (1894-1984) foi o candidato do governo (Juscelino Kubitschek) na eleição de 1960 e perdeu para Janio Quadros. OK, mas não convém esquecer que JK não tinha, então, o prestígio que Lula tem hoje nem Serra tem o apelo que Janio tinha.
crossi@uol.com.br
ELIANE CANTANHÊDE
É para rir ou para chorar?
BRASÍLIA - A crise política -ou policial?- da capital da República evolui de tragédia para um pastelão de matar qualquer um de "indignação e vergonha", até Joaquim Roriz, que se disse escandalizado na TV.
Logo ele, a origem de tudo e candidatíssimo a um quinto mandato ao governo. É muita cara de pau.
Além dessa, outras cenas chocantes são a falsa arguição de suspeição sendo protocolada no Supremo contra Marco Aurélio de Mello no caso Arruda e o novo governador, Wilson Lima, se aboletando no "Buritinga", mistura de Buriti (árvore do cerrado que dá nome à sede do governo, em reforma) com Taguatinga (centro industrial do DF, se é que se pode chamar assim).
Deputado distrital e empresário, Lima registra uma invejável versatilidade no seu currículo de "vendedor de picolé, frentista, mecânico, lanterneiro, pintor, balconista e cobrador de ônibus".
Substitui Paulo Octávio, que não precisou desarrumar as gavetas, porque nem tivera tempo de arrumá-las, e José Roberto Arruda, que vai ficando na cadeia. Passou o Carnaval, já estamos entrando em março e lá está ele, enfim um troféu para a Justiça, cansada de só perder a corrida para a opinião pública.
O habeas corpus de Arruda é uma história paralela no pastelão. Um dos advogados tinha certeza de que o ministro Fernando Gonçalves (STJ) não iria mandar prender o governador. O outro, de que Marco Aurélio, o acatador-mor de habeas corpus, não iria negar justamente o de Arruda. Erraram feio. E ficaram mais desconfiados e racharam.
Daí o pedido de adiamento da votação de hoje do HC. Sabiam ou intuíam que Arruda iria perder mais essa e, perdido por um, perdido por mil. Melhor ganhar tempo para encorpar os argumentos jurídicos e diminuir os holofotes políticos.
Arruda na cadeia por mais uma semana no mínimo, Paulo Octávio expelido, o tal Wilson se empavonando, Roriz voltando. A crise não só continua. Piora a olhos vistos.
elianec@uol.com.br
É para rir ou para chorar?
BRASÍLIA - A crise política -ou policial?- da capital da República evolui de tragédia para um pastelão de matar qualquer um de "indignação e vergonha", até Joaquim Roriz, que se disse escandalizado na TV.
Logo ele, a origem de tudo e candidatíssimo a um quinto mandato ao governo. É muita cara de pau.
Além dessa, outras cenas chocantes são a falsa arguição de suspeição sendo protocolada no Supremo contra Marco Aurélio de Mello no caso Arruda e o novo governador, Wilson Lima, se aboletando no "Buritinga", mistura de Buriti (árvore do cerrado que dá nome à sede do governo, em reforma) com Taguatinga (centro industrial do DF, se é que se pode chamar assim).
Deputado distrital e empresário, Lima registra uma invejável versatilidade no seu currículo de "vendedor de picolé, frentista, mecânico, lanterneiro, pintor, balconista e cobrador de ônibus".
Substitui Paulo Octávio, que não precisou desarrumar as gavetas, porque nem tivera tempo de arrumá-las, e José Roberto Arruda, que vai ficando na cadeia. Passou o Carnaval, já estamos entrando em março e lá está ele, enfim um troféu para a Justiça, cansada de só perder a corrida para a opinião pública.
O habeas corpus de Arruda é uma história paralela no pastelão. Um dos advogados tinha certeza de que o ministro Fernando Gonçalves (STJ) não iria mandar prender o governador. O outro, de que Marco Aurélio, o acatador-mor de habeas corpus, não iria negar justamente o de Arruda. Erraram feio. E ficaram mais desconfiados e racharam.
Daí o pedido de adiamento da votação de hoje do HC. Sabiam ou intuíam que Arruda iria perder mais essa e, perdido por um, perdido por mil. Melhor ganhar tempo para encorpar os argumentos jurídicos e diminuir os holofotes políticos.
Arruda na cadeia por mais uma semana no mínimo, Paulo Octávio expelido, o tal Wilson se empavonando, Roriz voltando. A crise não só continua. Piora a olhos vistos.
elianec@uol.com.br
Projeto limita o cadastro reserva nos concursos
Proposta aprovada em comissão do Senado prevê que número de vagas seja especificado no edital
Com o objetivo de tentar diminuir a incerteza sobre a convocação, uma das maiores angústias dos candidatos em concursos públicos, um projeto de lei de autoria do senador Expedito Júnior (PR-RO) proíbe a realização de seleções exclusivamente para a formação de cadastro reserva.
A proposta foi aprovada ontem pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, mas já causa controvérsia antes mesmo de ser examinada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Segundo o relator da matéria na CAS, senador Efraim Morais (DEM-PB), não faz sentido a realização de processos seletivos para provimento de cargos para os quais não existem vagas. Ele ressalta que, nesses casos, há um desembolso de dinheiro público para a realização desses processos, e nem sempre ocorre o retorno esperado aos cofres, na forma da contratação de funcionários habilitados.
– A nossa ideia é coibir concursos que desrespeitam o cidadão e não cumprem com o seu papel. Por isso, o projeto permite manter em cadastro reserva os candidatos aprovados que excederem o número de vagas a serem preenchidas – resume Morais.
Com a mesma opinião, Maria Thereza Sombra, diretora executiva da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), acredita que a lei proposta protegerá os candidatos. Na avaliação dela, concursos de cadastro reserva significam risco para quem concorre, pois existem casos em que ninguém é convocado:
– Como não existe uma lei específica que regulamente esses processos de seleção, nada obriga os órgãos a dar posse a todos os aprovados – diz.
Embora muitas instituições tradicionais recorram ao cadastro reserva para preencher postos – caso da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal –, Maria Thereza teme que alguns processos sejam usados apenas como “caça-níqueis”.
A favor do cadastro reserva, William Douglas, juiz federal especialista em concursos, argumenta que essas oportunidades são um instrumento útil para evitar a descontinuidade no serviço público. Ou seja, impedem que uma vaga disponível fique aberta até que se faça um novo concurso.
– O cadastro reserva é uma prática tolerável e até benéfica, o problema é que tem acontecido a realização de concursos desse tipo como o objetivo de não tornar obrigatória a convocação dos classificados.
A única razão legítima para a realização de um concurso é a necessidade, atual ou iminente, de preencher vagas em cargo ou emprego público – avalia Douglas.
maria.amelia@zerohora.com.br
Um lindo dia pra você
25 de fevereiro de 2010 | N° 16257
PAULO SANT’ANA
Bolão na credenciada
Mais esta sobre o Bolão da Desgraça na lotérica de Novo Hamburgo: o proprietário da agência lotérica declarou que uma das 40 quotas dos apostadores era sua, ele resolveu ficar com ela para concorrer junto com as outras 39.
Desculpem os leitores que eu insista neste assunto do bolão, mas é que ontem, no fumódromo aqui da RBS, era só o que se falava, e as discussões se tornaram acesas, veementes, é um daqueles assuntos que pegam e não querem largar mais.
Esta aposta de Novo Hamburgo foi a mais azarada da história:
1) Foi azarada porque deram os números, se não tivessem dado, os papéis iriam para o lixo, ninguém se importaria com isso, tudo bem, vem aí outro sorteio e vamos jogar nele.
2) Foi azarada esta aposta porque o dono da agência lotérica não teve como pagar os acertos, é muito dinheiro, o proprietário da agência entrou em desgraça, seja por sua falta de idoneidade, seja por seu azar.
3) E foi azarada ainda a aposta porque agora o proprietário da agência está declarando que tinha uma quota do bolão, ele também foi prejudicado ao não poder cobrar R$ 1,3 milhão pelo suposto acerto.
Nunca vi tanto azar em dezenas paradoxalmente sorteadas.
Mas a discussão no fumódromo e em toda a parte está enfezada num ponto: a Caixa Econômica Federal tem ou não tem responsabilidade solidária com o dono da agência no caso dos bolões?
Cá para nós, se as agências são credenciadas pela Caixa para recolherem as apostas, justo seria que a Caixa inspecionasse as agências e verificasse da idoneidade dos bolões.
Se um apostador vai fazer uma aposta em bolão numa agência credenciada pela Caixa, é sinal de que ele confia na Caixa.
Ninguém quer que a Caixa pague por aposta que não foi feita, mas todos têm o direito de exigir que a Caixa se interesse pela conduta das lotéricas no caso dos bolões, que ela averigue se os bolões estão sendo feitos corretamente e estão sendo recolhidas as suas apostas para o terminal da Caixa.
Quem está apostando num bolão não o está fazendo numa espelunca qualquer, está realizando a aposta numa agência lotérica credenciada pela Caixa, há nitidamente uma relação de confiança entre o apostador e a Caixa. Então, a Caixa tem ou não tem responsabilidade solidária sobre a aposta?
Então a Caixa que proíba os seus agentes lotéricos credenciados que façam bolões, mas se eles os fazem, é evidente que a Caixa, ao permitir que eles os façam, está transmitindo ao agente lotérico um múnus de confiança.
E se há esta confiança, a Caixa é solidária na responsabilidade.
Porque não foi num botequim que os apostadores ergueram o seu bolão, foi numa agência lotérica submetida ao controle e à fiscalização da Caixa. Logo, a Caixa vai encontrar dificuldade para eximir-se de responsabilidade nesta ação que vai parar na Justiça.
O assunto é encrencado, o problema está criado, mas só há duas saídas para a Caixa: ou ela administra os bolões, disciplinando-os junto às agências ou ela proíbe os bolões.
E não é difícil para a Caixa proibir os bolões, basta que ela descredencie as agências lotéricas que os realizem.
Assim como está é que não pode ficar. Dá margem aos espertalhões, que sugam a economia popular com seus truques de bancar jogos que tinham de ir para o terminal e não vão.
Para mim, os bolões ficam por isso com seus dias contados junto às lotéricas.
Eles vão continuar a ser feitos, mas não pela agências. Por terceiros interessados saídos da população. Neste caso, sim, a Caixa não teria responsabilidade.
Mas com bolão feito em agência, tem responsabilidade.
E, se tem responsabilidade, pode vir a ter de pagar os R$ 53 milhões aqueles.
25 de fevereiro de 2010 | N° 16257
RICARDO SILVESTRIN
Longevidade
O que você pretende fazer dos sessenta aos 84, quase 85? Carlos Drummond de Andrade escreveu e publicou alguns dos seus melhores livros. Por exemplo, Boitempo, poemas memorialistas editados quando ele tinha 66.
O poeta passa a limpo sua vida, sua infância em Minas, o difícil aprendizado do amor e do sexo num mundo marcado pela culpa, pelo pecado. Versos surpreendentes e irônicos como este: “O sentido das coisas mora longe.”. Publica ainda mais dois volumes do Boitempo anos depois.
Mas a vida dele se prolonga. Drummond volta então a olhar para o presente. Como escreveu aos 38: “O presente é tão grande/ não nos afastemos” . Em 1973, com setenta e um anos, lança o genial As Impurezas do Branco. Só o título já vale o livro. Não contente, a obra é recheada de textos com apurado senso de invenção formal.
Aos 68, A Paixão Medida. O poema que dá nome ao livro fala desse discurso amoroso criado pela poesia ao longo dos séculos, a partir da métrica e dos elementos da arte poética.
Tudo isso com muito humor: “Teus iambos aos meus com força entrelacei./ Em dia alcmânico, o instinto ropálico rompeu,/ leonino, a porta pentâmetra”. Iambos, alcmânico, ropálico, leonino, pentâmetra são termos da versificação clássica que ganham sentidos eróticos no poema.
Aos 82 anos, Corpo: “Este pintor/ sabe o corpo feminino e seus possíveis(...)/ do signos e das curvas que dão vontade de morrer/ de santo orgasmo e de beleza”. Entre outras criações, deixa um livro de poemas eróticos que só saiu após sua morte:
O Amor Natural. O erotismo na história da poesia não é coisa recente. Em torno do início da era Cristã, os poetas latinos tratavam do corpo com a maior naturalidade.
Drummond, um homem que sempre buscou a liberdade criativa e de pensamento, chega ao final da vida resgatando seu corpo. Esse texto-corpo cheio de palavras proibidas. Vi uma reportagem sobre saúde pública que apontava o crescimento do número de casos de aids depois dos 60 anos.
Com a popularização de remédios que ativam a sexualidade, há uma nova faixa etária em plena atividade. E é difícil para essas pessoas passarem a ter o hábito de usar camisinha. É urgente que as campanhas de prevenção atinjam também esse público.
Nei Lisboa cantava: “Oh, mana/ eu quero morrer/ bem velhinho/ assim, sozinho/ ali, bebendo um vinho/ e olhando a bunda de alguém”. Agora, a medicina parece estar prevendo um futuro ainda mais divertido do que pensava o Nei para a sua velhice.
25 de fevereiro de 2010 | N° 16257
L. F. VERISSIMO
Aqui, ó
Tem aquela piada do juiz italiano que ameaça mandar algemar o réu para ele parar de falar. O italiano talvez seja o único povo que tenha uma sintaxe gestual própria, um repertório de gestos típicos que permite identificar a sua nacionalidade de longe.
Brasileiro também gesticula muito, mas – fora uma ou outra representação de infortúnio, como o lado de um punho batendo contra a palma da outra mão, acompanhado de um “Ó”, quase sempre significando o que o governo está fazendo com a gente – nada que nos denuncie à distância. Mesmo estes gestos nacionais de longa tradição estão caindo em desuso.
Como a nossa língua, também a nossa mímica está sendo colonizada. Antigamente ninguém fazia o sinal de “OK” em filme americano sem que o cinema viesse abaixo no Brasil. Hoje um expressivo “O” feito com o pai de todos e seu vizinho na frente do peito, com os outros dedos estendidos, só causa perplexidade. Não ofende mais ninguém, não quer dizer mais nada.
Ou quer dizer “OK” de cabeça para baixo. Sua versão moderna é a mão no ar com o dedo do meio proctologicamente em pé, uma importação dos Estados Unidos. Não sobrou nem o jeito de insultar que a gente tinha.
Alguns gestos persistem mesmo depois de obsoletos. Pode-se imaginar um balê nostálgico de gestos que perderam a referência, flutuando no ar como balões sem dono. O gesto de acionar uma descarga de privada, por exemplo.
Ainda se puxa uma corrente imaginária, o mesmo gesto usado para puxar a corda de um apito de trem. Hoje a mímica correta para “puxar a descarga” – e, pensando bem, para fazer um trem apitar – seria a de empurrar um botão.
Mas quem a entenderia? O sinal internacional de “a conta, por favor” – uma caneta invisível escrevendo num papel subentendido – continuará a ser usado quando todas as contas saírem prontas do mesmo computador em que o garçom digitou o seu pedido e aproveitou para botar um couvert a mais.
Alguns gestos seguem o desenvolvimento da técnica. Ninguém mais “disca” no ar com um dedo para representar um telefonema – embora ainda deva existir uns dois ou três que giram uma manivela saudosa junto ao ouvido.
A simulação atual de telefone é o polegar e o midinho estendidos ao lado do rosto, um gesto óbvio só agora adotado, pois levou quase tanto tempo para se desenvolver entre os homens quanto o dedão opositor entre os macacos.
Ainda se rodeia o dedo perto da têmpora para significar loucura embora o conceito de que loucura seja um redemoinho na mente esteja ultrapassado. Como dizer que alguém não é exatamente esquizofrênico, mas paranoico com um forte componente depressivo de fundo neurossomático usando apenas um dedo?
Melhor fazer como no pedido da conta: manter o gesto impreciso mas tradicional, que dispensa especificações. Mesmo quando escrever a mão for tão desconhecido como, sei lá, puxar a descarga, os garçons o entenderão.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
24 de fevereiro de 2010 | N° 16256
MILHÕES EM JOGO
Acertadores receberão prêmio da Mega Sena?
Os 40 gaúchos que acertaram os números da Mega Sena por meio de um bolão não registrado podem continuar sonhando com cifrões milionários.
Apesar de a Caixa afirmar que seu contrato com a lotérica a exime de responsabilidade no caso de Novo Hamburgo, especialistas em Direito do Consumidor estão convencidos de que a legislação está do lado dos apostadores.
A Caixa atribui a culpa à agência Esquina da Sorte, que teria oferecido uma modalidade de jogo não autorizada e falhado em garantir o registro da aposta que não foi feita.
Mas especialistas afirmam que o lotérico é apenas um concessionário e que o Código de Defesa do Consumidor garante que o poder concedente é responsável pelas falhas de quem credencia para representá-lo – independentemente do que disser o contrato entre as partes.
– Se fosse na Europa ou nos Estados Unidos, eu diria que a chance de os apostadores ganharem o prêmio na Justiça seria de 100%. Aqui, a chance é de 99,9%.
O Supremo Tribunal Federal tem decidido que, no entrechoque entre legislações de mesma hierarquia, o que vale é o Código de Defesa do Consumidor, por ser um direito garantido na Constituição – diz o procurador de Justiça aposentado Cláudio Bonatto, professor de Direito do Consumidor em três instituições.
Ontem à tarde, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) realizou uma reunião sobre o tema em São Paulo e chegou a conclusão similar. Segundo a advogada do órgão, Daniela Treppel, o código é claro ao determinar que quem fornece um serviço é responsável pelos atos de seus representantes.
– Se uma lotérica não age de acordo, a Caixa não tem como se eximir de responsabilidade, porque foi ela quem escolheu e deu permissão para o lotérico. Por isso, uma reparação dos danos materiais faz todo o sentido – diz.
Os advogados dos apostadores planejam entrar com uma ação judicial contra a Caixa. Pela legislação, o consumidor pode escolher acionar tanto o concessionário quanto o concedente. Mesmo que a lotérica tenha cometido um crime e seja responsabilizada penalmente, observa Bonatto, a Caixa não se exime de responsabilidade civil.
– Os apostadores agem corretamente em buscar indenização junto à Caixa, porque uma concessionário não tem capital para isso – observa Bonatto.
Além de argumentar que seu contrato a exime de penalização, a Caixa sustenta que não permite bolões. A coordenadora substituta do Procon-RS, Loriley Pilla Domingues, reconhece que a questão é controversa e pode depender do que consta do contrato entre a instituição federal e seus concessionários, mas ressalta que, se os bolões não fossem permitidos, os consumidores deveriam ser alertados a esse respeito pela Caixa.
– Para o consumidor, o bolão faz parte do jogo e é permitido. Quando ele entra em uma lotérica, está tranquilo e tem uma relação de confiança, porque acredita que a Caixa está por trás. Imagina que os serviços oferecidos ali são legais – diz.
Mesmo em meio à polêmica, a Caixa afirmou ontem que o prêmio de R$ 53 milhões reivindicado pelos apostadores entrará no bolo da próxima extração da Mega Sena, que será sorteada hoje. Episódios semelhantes indicam que a disputa milionária pode se arrastar por muitos anos.
Em setembro de 2006, a Justiça deu a um aposentado o prêmio da Loteria Esportiva depois de 29 anos. Ele havia acertado os números, mas a lotérica não encaminhara a aposta.
O mais difícil os 40 apostadores de Novo Hamburgo já fizeram: acertar as dezenas da Mega Sena.elas são perigosas. O que elas pretendem é a vigilância solerte dos últimos resquícios de um mundo que não existe mais. O mundo livre dos neanderthais.
Uma linda quarta-feira para você. Aproveite o dia
24 de fevereiro de 2010 | N° 16256
PAULO SANT’ANA
Prosseguem os bolões?
E agora como é que fica? Foi tão grande a repercussão do caso da Mega Sena de Novo Hamburgo que é de se indagar se prosseguem os bolões.
Quando seria tão simples resolver o caso. Bastava que a cada recibo de aposta em bolão fosse juntada uma fotocópia do comprovante da aposta oficial.
Ou seja, o jogo teria de ser feito antes da venda das cautelas dos bolões. Os adquirentes teriam a certeza, pelo comprovante da aposta feita, que estavam concorrendo de verdade.
Assim como está ninguém tem certeza de nada. E se o agente lotérico for desonesto e resolver bancar o jogo, sem recolher a aposta para os cofres da Caixa? Basta contar com a sorte o desonesto, ele tem quase certeza que ninguém acertará.
E se por acaso o apostador acertar uma quadra, o agente lotérico manda pagar o valor irrisório, mesmo sem ter feito o jogo, para manter o cliente e não dar encrenca com a Caixa.
Mas entre as razões levantadas pelo agente lotérico de Novo Hamburgo há uma de dar risadas: “Pode ter sido um erro da tipografia”.
Que é que tem a ver um provável erro tipográfico com o que aconteceu? Nada.
O fato é que a aposta não foi feita. E nada justifica que a aposta não tenha sido feita. Quando vende o bolão, o agente lotérico tem a obrigação moral e profissional de fazer o jogo.
E não foi feito o jogo. Justo agora que se especule abundantemente sobre desonestidade.
Ontem tive cuidado de ressaltar que muitos agentes lotéricos procedem corretamente com seus bolões.
Um deles me mandou ontem a seguinte mensagem: “Senhor Paulo Sant’Ana. Na qualidade de seu assíduo ouvinte e leitor, e como empresário lotérico, proprietário da Agência Fortuna, no centro de Porto Alegre, casa com 81 anos de atividades ininterruptas, venho tecer alguns comentários sobre a questão bolões em casas lotéricas.
1. É histórica a relação de confiança entre apostadores e lotéricas. Lembro, inclusive, que o senhor possuía assinatura de bilhete da Loteria Federal conosco à época de sua vereança em nosso município.
2. Pela nossa longa existência, muitos clientes/amigos mantêm suas assinatura de bilhetes e participam de nossos bolões (grupos que são formados para prêmios atrativos). Conforme orientação jurídica, temos um contrato de adesão para cada quota/participante e os jogos à disposição por até 90 dias após o sorteio.
Isso tudo passa por muita conferência: são 81 anos a zelar. Assumimos o risco de encalhes e pagamos impostos sobre eventual lucro: tudo para segurança nossa e de nossos clientes.
3. A rede de casas lotéricas presta grande serviço à coletividade seja no recebimento de contas, no pagamento de benefícios do governo federal ou até fomentando os sonhos das pessoas de melhorarem de vida.
Lutamos a duras penas para mantermos nossos negócios, muitas vezes com risco da própria vida ao assumirmos responsabilidade sobre dinheiro que não é nosso e que diariamente precisamos prestar contas. Vivemos de credibilidade.
4. Não é justo que por um problema que foge do normal do dia a dia de milhares de empresários, todos possamos vir a perder esse item importante de arrecadação. É um item que alavanca as vendas da loterias oficiais e cuja falta trará problemas de equilíbrio para muitos.
5. Entendo que a CAIXA nada tenha a ver com isso (ela é responsável pelo processamento dos jogos passados no seu equipamento), afinal é um contrato de confiança entre uma empresa lotérica e seus clientes, no nosso caso firmado com um contrato de adesão (referido anteriormente).
Coloco-me à sua disposição para quaisquer questionamentos que o senhor julgar oportuno e despeço-me com um fraternal abraço.
24 de fevereiro de 2010 | N° 16256
CÍNTIA MOSCOVICH
O tempo das coisas e das pessoas
Se fosse uma pessoa, a casa em que moro há 24 anos seria uma senhora com idade para ser avó. Ou bisavó. É da década de 30, o pai a comprou nos anos 70 e eu vim morar nela com meu marido na década de 80. É uma das poucas do Moinhos de Vento que resistem às ofertas das construtoras e à pressão das instituições vizinhas que derrubam árvores para estacionar carros.
Por 21 anos, minha casa foi um canteiro de obras: dá-lhe a trocar encanamento, fiação, escoras do telhado. Tratei dar novo viço a uma mangueira e a uma cerejeira-da-terra, árvores centenárias do terreno. Plantei jasmim, pés de laranja, limão, bergamota, jabuticaba – e dezenas de mudas exóticas e nativas.
Hoje em dia, a casa está pintada de azul-hortênsia. O telhado, antigo viveiro de musgos, ficou intocado. Um arquiteto sugeriu que lavássemos as telhas. Rechaçamos a ideia.
Sempre achei bonito o rastro de décadas de orvalho e de chuva, os fungos brotando entre as fendas das telhas: o tempo pintou nosso telhado com uma solenidade aconchegante e digna.
Estava pensando nisso, nas coisas, enquanto aguava as floreiras em frente da casa, no final da tarde, hora de raro sossego na redondeza. Foi quando apareceu essa senhora, que passeava com dois cachorrinhos. Os três, gente e bichinhos, pareciam ter muita idade e caminhavam devagar. A senhora era pura distinção: a golinha rendada e o cabelo branco de reflexos azulados davam-lhe um ar recatado, quase antigo. Ela falou:
– Adoro passar aqui. Como ficou bonita a rua depois da reforma de vocês.
Eu agradeci. Ela, no entanto, não se conteve:
– Só não entendi por que vocês não lavaram o telhado.
Eu pensei, pensei, pensei, porque queria que ela entendesse. Respondi:
– É que o telhado é a cabeleira da casa, que é uma senhora já de idade.
Ela fez cara de quem não entendeu. Eu esclareci:
– Acho que a gente deve respeitar os cabelos brancos de uma pessoa idosa, a senhora não acha?
Ela olhou para mim, olhou para o telhado, olhou para os bichinhos: refletia. Daí fez um ar sério, de quem conclui com grande seriedade:
– É.
E foi embora. Antes de dobrar a esquina, ela parou e olhou para trás, para o alto, para o telhado. Passou os dedos entre os cabelos, ajeitou um dos brincos. Falou uns mimos para os bichinhos. E tomou seu rumo, com uma dignidade de dar inveja.
A mim, só me restou enrolar a mangueira e concluir que as casas talvez pertençam às pessoas, mas o tempo nelas escrito é rigorosamente de todos.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
23 de fevereiro de 2010 | N° 16255AlertaVoltar para a edição de hoje
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA
O retrato perfeito
O outro dia contei aqui que volta e meia sou obrigado a submeter minha biblioteca a uma dieta, doando livros a escolas e instituições. Foi num desses regimes de emagrecimento literário que me desfiz, naturalmente sem querer, de O Apanhador no Campo de Centeio e Nove Estórias, duas obras-primas de J.D. Salinger.
Mas Deus ajuda os distraídos. Na Feira seguinte achei em um balaio, algo machucados, é verdade, os dois volumes. Arrematei na mesma hora. Tenho ambos agora à minha frente, devidamente restaurados, enquanto componho esta crônica. Já reli meus trechos preferidos: gosto de interromper ao perceber que, se não paro, acabo percorrendo cada vírgula, linha e parágrafo de tudo o que J.D. Salinger produziu.
Pois é essa sua grande singularidade. No zênite de seu poder criativo, aplaudido pela crítica, idolatrado por milhares e milhares de leitores, ele abandonou a sedutora agitação de Nova York para se refugiar entre os altos muros de uma mansão em Cornish, New Hampshire. Mais: limitou sua obra a quatro escassos livros.
Numa de suas raríssimas entrevistas – e também a última, concedida em 1974 – disse ao jornalista: “Há um enorme paz em não publicar. Publicar é uma terrível invasão de privacidade. Gosto de escrever. Mas escrevo para mim mesmo e para meu prazer”.
Ou seja: Salinger não deixou o ofício, que exerceu até morrer, há três semanas. Só não queria dividir seu poder de criação.
Nisso se parece com outro gigante da literatura. Stendhal confessou que escrevia apenas “para cem leitores, e desses seres infelizes, amáveis, encantadores, nada hipócritas, nada morais, aos quais gostaria de agradar, conheço apenas um ou dois.”
O autor de O Vermelho e o Negro e daquele inesquecível A Cartuxa de Parma não se preocupava também em dividir seus romances e ensaios, tanto que escrevia apenas para cem pessoas e não conhecia senão uma ou duas.
Morto depois de quase cinco décadas de solidão e de silêncio, é certo que Salinger deve ter deixado outros livros prontos, além do quarteto que lançou. Se apenas um deles tiver a densidade de O Apanhador no Campo de Centeio e a magnífica complexidade do personagem Holden Caulfield, estará enriquecida a ficção universal. Pois é esse o mais perfeito retrato que já se traçou de um adolescente.
Uma linda terça-feira ainda que com chuva conforme previsão do tempo
23 de fevereiro de 2010 | N° 16255
CLÁUDIO MORENO
Homens e mulheres
Embora eu saiba que o homem não foi feito para compreender a mulher, mas sim para viver tentando (o que, aliás, também vale para ela), recolho qualquer cena, qualquer frase que pareça acrescentar alguma pincelada neste quadro eternamente incompleto. Que o leitor tire suas conclusões dos três exemplos que seguem.
1) No seu tratado sobre a alma humana, Plutarco refere uma estranha e trágica epidemia que se abateu, certa feita, sobre as jovens de Mileto. Sem qualquer motivo aparente, impelidas por um instinto sombrio, todas elas começaram a atentar contra a própria vida.
Antes que as famílias percebessem o que estava ocorrendo e tomassem providências para impedi-las, muitas chegaram a se enforcar – essa era a forma que as mulheres de antigamente, em seu desespero, escolhiam para morrer.
Nem súplicas, nem promessas, nada conseguia convencê-las a desistir desta loucura. Bem ao contrário: dedicavam todo o seu tempo a procurar formas de burlar a vigilância constante dos familiares, a fim de tentar, outra vez, destruir a si mesmas na flor de sua juventude.
Mesmo os mais sábios habitantes de Mileto se declararam impotentes diante dessa doença funesta, inexplicável, talvez enviada por algum deus que a cidade tivesse ofendido sem querer.
O pesadelo só terminou quando uma mulher – e quem mais? – sugeriu uma lei, aprovada por unanimidade, determinando que toda jovem que se matasse teria seu corpo exibido em longo cortejo pelas ruas, completamente despido, arrastado pela própria corda que tinha usado para morrer. A partir daquele dia, diz Plutarco, tão misteriosamente como tinham começado, cessaram completamente os suicídios.
2) Afrodite, deusa do amor sensual, conhecia como ninguém o eterno poder da mulher. Sem saber por onde andava Pisquê, sua futura nora – com a qual, como toda sogra, tinha contas para acertar -, mandou anunciar que aquele que trouxesse alguma informação sobre o paradeiro da moça ganharia da deusa, como prêmio, “sete beijos na boca, e mais um, mais demorado, em que ela o deixaria provar o toque suave de sua linguinha travessa”. Essas palavras, diz Apuleio, deixaram os homens com olhos sonhadores – como deixam até hoje.
3) Em 1769, o ingênuo G. Lichtenberg, filósofo e matemático alemão, desabafa em seu diário: “Quando se anunciou que Vênus devia passar diante do Sol na tarde de 3 de junho, fizemos todos os preparativos necessários para observar o fenômeno, e, com efeito, vimos o planeta aparecer na hora exata; mas quando se anunciou que no dia 8 de julho a princesa da Prússia deveria passar diante de Gottingen, ficamos esperando até a meia-noite – e ela só foi chegar no dia seguinte, às dez horas da manhã!”.
23 de fevereiro de 2010 | N° 16255
PAULO SANT’ANA
O conto do bolão
Não pode ter nada pior do que isto: você acertar na Mega Sena, ir até a agência que lhe garante que lá foi feita aposta e lá não existe comprovante de nada, o gerente se explica sem explicar nada, uma tragédia.
Tal foi a sorte de 40 apostadores de Novo Hamburgo que marcaram entre as oito dezenas constantes de seu bolão as seis premiadas com R$ 52 milhões sábado passado.
Cada um dos “felizardos” teria direito a R$ 1,3 milhão. Mas quando foram ver o resultado ficaram assombrados: a Caixa Econômica Federal divulgou que não houve nenhum acertador.
Mas como não houve acertador, se nas cópias que lhes foram dadas pela agência lotérica estavam as seis dezenas ganhadoras?
Evidentemente que o jogo não tinha sido feito. Ou a agência lotérica havia embolsado o total gasto pelos 40 apostadores ou houve algum erro de digitação. Mas, se houve erro de digitação, então o proprietário da agência tem de apresentar o comprovante de que o jogo foi feito com outros números que não sejam aqueles premiados.
Esta história está muito mal contada. Ontem, dezenas de pessoas me falaram que têm a convicção que muitas agências lotéricas arrecadam apostas em bolão e não fazem o jogo, bancando-o: como é muito difícil acertar, estas agências se locupletam com arrecadações que não importam em qualquer aposta. Isto era o que se acreditava ontem no seio do povo.
Estes bolões movimentam uma fortuna no país. É hora de a Caixa Econômica proibi-los ou discipliná-los. Tem muita gente ganhando dinheiro com esse estelionato.
Se é verdade que a Caixa Econômica Federal não pode responsabilizar-se por apostas que não são feitas, também o é que quem administra estes bolões são agentes credenciados pela Caixa.
Ou seja, o público tem confiança nessas lotéricas credenciadas e aposta em bolões.
O certo seria que cada talão de bolão fosse acompanhado por uma fotocópia do comprovante oficial da aposta. Mas isso não é feito e nenhum apostador tem qualquer garantia de que o jogo foi feito: a manobra só é desmascarada quando acontece o que ocorreu agora: saem os números constantes do bolão e jogo nenhum foi feito. Só neste caso é que os apostadores vão reclamar, é lógico.
Mas e nos milhões de vezes que os apostadores não acertam nas dezenas sorteadas, quem é que garante que o jogo foi feito? Isso dá margem a uma tremenda maracutaia.
Mas a Caixa Federal se excusa de qualquer responsabilidade, é crível, pois só pode pagar prêmio por aposta que for feita.
No entanto, como os bolões são organizados por agências lotéricas credenciadas pela Caixa, cumpre que ela discipline a organização dos bolões ou então distribua por todo o país instruções proibitivas da realização desses bolões, o que não pode é essa arrecadação bilionária ficar à mercê de algumas pessoas que podem ser inescrupulosas e estarem a se locupletar com o expediente inidôneo.
Cobrar por aposta não feita é roubo. É assalto à economia popular. Como não há maneira de se fiscalizar se as apostas dos bolões foram realmente realizadas, é preciso tornar ilícita a realização desses bolões, sob pena não só de se repetir o que ocorreu em Novo Hamburgo como também de se canalizarem para mãos desonestas fortunas colossais através de um estelionato tanto deplorável quanto permanente.
Esse tipo de ocorrência acaba prejudicando as agencias lotéricas honestas que organizam seus bolões e fazem realmente as apostas correspendentes a eles.
23 de fevereiro de 2010 | N° 16255
MOACYR SCLIAR
Lição preciosa
Talvez Preciosa (Precious) não ganhe o Oscar de melhor filme. Afinal de contas é uma produção relativamente modesta (10 milhões de dólares, o que para Hollywood é nada), concorrendo com filmes espetaculares (ou espetaculosos) como é o caso de Avatar. Mas, se não ganhar, será uma pena.
Porque esse é um dos filmes mais importantes dos últimos tempos. E é, sob vários aspectos, um filme inusitado. Nasceu modesto, baseado em Push, de 1996, o único romance da poeta e artista performática (o que quer que isto seja) Ramona Lofton, que usa o pseudônimo Sapphire e que, por desinteresse das editoras americanas, teve de publicá-lo às suas custas. De início, a obra não teve repercussão alguma, mas uma hábil agente literária conseguiu transformá-lo em sucesso.
O filme também é de um iniciante, Lee Daniels, que também lutou com dificuldades e que também teve apoio, desta vez da apresentadora Oprah Winfrey, que, aliás, é mencionada nos diálogos.
O elenco igualmente surpreende. A personagem principal, Precious, é vivida por Gabourey Sidibe, filha de americana e de africano, estudante universitária sem qualquer experiência profissional como atriz. Monique Imes, ou Mo’nique, que faz o papel da mãe de Precious, também é mais conhecida como apresentadora. E para completar temos dois cantores no elenco, Maria Carey como uma assistente social, e Lenny Kravitz como enfermeiro.
Preciosa conta a história de uma adolescente negra e obesa, que vive no Harlem com sua tirânica e brutal mãe. Violentada pelo pai, ela engravida duas vezes (a primeira filha apresenta retardo mental) e torna-se HIV positiva – tudo isso em meio a uma sucessão de cenas violentas, mostradas em toda sua crueza.
“Para que tanto horror?”, chegou a perguntar o Independent, de Londres, e esta é realmente a grande questão. Mas o horror tem, sim, razão de ser.
Serve para mostrar que a problemática dos negros nos Estados Unidos está longe de ser resolvida; os problemas é que mudaram. A jovem já não passa fome, mas agora apresenta uma obesidade monstruosa (na vida real pesa 160 quilos), porque não falta dinheiro para a comida – ela e a mãe recebem ajuda do governo – mas, como acontece nesses casos, recorrem a alimentos baratos, altamente calóricos.
A adolescente já não é, como nos tempos da escravatura, violentada pelo patrão branco, e sim pelo próprio pai. Ou seja, parece que só mudaram as moscas; a matéria fecal continua a mesma. Situações assim levaram ao desespero intelectuais como Walter Benjamin, para quem progresso não existe, a trajetória humana traduzindo-se em um deprimente rastro de ruínas (verdade que Benjamin viveu sob o stalinismo e o nazismo).
O filme não esconde estes aspectos deprimentes; mostra, ao contrário, que a luta para melhorar a vida das pessoas, sobretudo aquelas marginalizadas, é uma coisa cotidiana, demandando persistência e uma crença que em alguns momentos pode parecer ingênua demais. Lá pelas tantas Precious diz à professora que sua vida está afundando num mar de problemas.
Resposta da mestra: “Escrever pode ser o barco que vai levar você para o outro lado.” Não é bem assim, claro, mas não há dúvida de que a educação é uma das poucas coisas, a única, talvez, capaz de mudar de forma consistente a situação de pobreza e de desigualdade. Lição preciosa.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
RUY CASTRO
Morando com mamãe
RIO DE JANEIRO - Custei a perceber que era uma tendência: a quantidade de rapazes de 30 anos ou mais, hoje em dia, ainda vivendo com os pais e sendo sustentados por eles -abdicando da liberdade pelos confortos e conveniências da cama, comida e roupa lavada. Foi para isso que os jovens dos anos 60 fizeram duas ou três revoluções?
Nenhum garoto de 1968 trocaria a canja de galinha do Beco da Fome, em Copacabana, às 4h, pelo toddy com biscoitos servido pela mãe às 21h, depois de "O Sheik de Agadir".
Ou a aventura de morar num apê tipo já-vi-tudo em Botafogo -o mobiliário consistindo de uma estante de tijolos com uma ripa de madeira por cima (roubados de alguma construção vizinha) e de uma esteira de praia à guisa de cama- pelo quarto acolhedor e quentinho que ocupava desde guri no vasto apartamento dos pais.
Quem chegasse à provecta idade de 20 anos e não tivesse endereço próprio era tido como anormal -a norma era entrar para a faculdade aos 18 ou 19, arranjar um emprego e ir à vida, como até as meninas estavam fazendo.
As vantagens de morar sozinho eram poder ir ao banheiro com a porta aberta, namorar a qualquer dia e hora e promover reuniões para derrubar a ditadura ou para escutar o disco novo da Nara, o que viesse primeiro.
Hoje, há marmanjos de até 40 anos morando com a mãe, na Europa, nos EUA e no Brasil. Na Itália são chamados de "mammoni" (filhinhos da mamãe); na Espanha, de "ni-ni" ("ni estudian, ni trabajan"); na Inglaterra, de "kidults" ("kids", crianças, com adultos).
Eles se defendem: formaram-se, gostariam de trabalhar, mas o mercado é cruel, não consegue assimilá-los, são desempregados crônicos e não têm como pagar aluguel, comprar um imóvel nem pensar.
E, além disso, ninguém cozinha como a mamãe.
Uma linda segunda-feira e uma gostosa semana
22 de fevereiro de 2010 | N° 16254
PAULO ROBERTO FALCÃO
Sem Gre-Nal
A decisão do primeiro turno do Gauchão será sem Gre-Nal e com uma grande ironia: entre duas equipes do Grupo A. Como se recorda, os integrantes deste grupo, com exceção do Grêmio, fizeram menos da metade dos pontos dos demais classificados no Grupo B. Ninguém deixou de notar a grande diferença técnica entre os dois grupos. Pois agora, na hora do mata-mata, deu o grupo mais fraco.
Pode-se descontar o fato de o Internacional ter optado por uma equipe B, para preservar os titulares que disputarão a Libertadores. Pagou o preço do desentrosamento. Mas jogou em casa e seu time de suplentes talvez seja até mais qualificado do que o Novo Hamburgo. Ontem, porém, não foi.
O Novo Hamburgo marcou bem e ousou mais. Fiquei com a impressão de que os jogadores do Inter achavam que iam ganhar ao natural, que o adversário ia se encolher diante do favoritismo e do fator local.
Mas o Novo Hamburgo não jogou na retranca. Mesmo tendo levado um gol no início do segundo tempo, não desistiu de buscar o resultado. Acabou empatando e, quando parecia que o jogo já estava se encaminhando para os pênaltis, Chicão acertou um chute raro, fora do alcance de Muriel. Acabou sendo um prêmio justo ao time que mais se empenhou pelo resultado.
Homenagem
Gilmar Iser fez uma bela homenagem a seu antecessor Leandro Machado, ao lembrar no final do jogo de ontem que a vitória sobre o Inter era resultado do trabalho feito desde o início da competição. Bonito. Mas Iser tem os seus méritos. O NH, sob o seu comando, tem sido uma equipe corajosa e ofensiva.
Goleada
O Grêmio saiu fortalecido da goleada de sábado sobre o Inter de Santa Maria. Não teve nenhum jogador suspenso ou lesionado, Silas poderá escalar o mesmo time na decisão. O mais importante, porém, foi ter recuperado a confiança da torcida. E ontem ainda contou com outro favor favorável: vai decidir no Olímpico.
Brasileiros
A dupla Cristiano Ronaldo/Kaká brilhou e o brasileiro fez dois gols na goleada do Real Madrid sobre Villareal, por 6 a 2, num jogo que os espanhóis consideraram o melhor da temporada. Nilmar e Marcos Senna, brasileiros também, marcaram os gols do time derrotado.
Na Itália, Ronaldinho deu passes precisos e Pato marcou um dos gols no 2 a 0 do Milan sobre o Bari, que deixa a equipe comandada por Leonardo em terceiro, mas ainda na briga pelo título. A brasileirada mandou bem no domingo europeu.
Ousadia
Antônio Carlos fez uma boa estreia como treinador do Palmeiras, saindo vitorioso do clássico com o São Paulo. Teve duas atitudes ousadas: pediu para comandar o time do banco apenas dois dias depois de ser contratado e tirou um dos volantes para enfrentar um adversário forte. A ousadia acabou sendo premiada.
22 de fevereiro de 2010 | N° 16254
PAULO SANT’ANA
Carne de gato
Em terremotos e outras situações extremas, admite-se que as pessoas comam ratos. Há até, como naquela célebre queda de avião nos Andes, notícias de pessoas que, arriscando morrer de fome, devoram carne humana.
Da minha parte, nunca fui dado a comer alimentos exóticos. Já me serviram escargô em culinária sofisticada, mas não pude engolir um grama da comida. Acho que meu preconceito era menos com o alimento do que com o nome popular que eu conhecia: lesma.
“Deus me livre de comer lesma”, pensei.
O máximo que me permiti foi certa vez comer rã assada ali no Recreio Avenida, um dos grandes restaurantes da Cidade, na antiga Avenida Eduardo, hoje Presidente Roosevelt, nos anos 50 e 60.
E olhem que gostei muito da carne de rã, que me pareceu mais saborosa que a de galinha.
Mas agora um apresentador de televisão escandalizou a Itália, país em que a cozinha costuma consumir com insistência coelhos, lebres, codornas, bois e cordeiros.
O apresentador Beppe Bigazzi, em seu programa de culinária na televisão, aconselhou os italianos a comer carne de gato, que ele já teria experimentado várias vezes.
As entidades de defesa dos animais reagiram violentamente: “Bigazzi é um cretino, na latitude em que vivemos, simplesmente não comemos os nossos melhores amigos.
Ué, como é que na França os cavalos são vendidos nos açougues!
A arte popular de versos brasileira se ocupa em várias obras do sacrifício de gatos para alimentação e outros fins.
Há um samba do saudoso Jorge Veiga que diz assim:
Me convidaram pra fazer um samba
Lá no Morro da Arrelia
Me apresentaram pra o dono da casa
Era um tal de Malaquia
Ele me disse em sua homenagem
Eu já mandei preparar o prato
Eu fiquei indignado
Quando me disseram que comi carne de gato.
Malandro não dá mancada
Vou pôr minhas mãos à obra
Vou convidá-lo para uma peixada
Vai ser carne de cobra.
Mas a utilidade mais proverbial do gato na poesia popular brasileira não é como alimento:
Aquele gato
Que não me deixava dormir
Aquele gato
Agora nos faz sorrir
Às vezes saía bem da minha pedrada
Pulava e dava risada
Vivia zombando de mim
Aquele gato não é mais gato
Hoje é tamborim.
Você, meu leitor ou leitora, seria capaz de comer carne de gato? Pois é, mas o Anonymus Gourmet da Itália está aconselhando seus telespectadores a comer carne de gato.
E dá os detalhes: o cadáver do gato tem de ficar três dias de molho em água corrente da torneira: até a carne ficar bem branquinha e virar numa iguaria, afirma ele.
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