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terça-feira, 2 de junho de 2009
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Apologia dos carecas
Foi preciso fazer TV semanalmente para que minha testa virasse assunto em Portugal
TENHO UMA testa excessivamente alta. Não vale a pena iludir. Verdade que amigos ou familiares já tinham feito referências ao fato. Mas foi preciso fazer televisão semanalmente para que minha testa virasse assunto em Portugal.
A minha testa é como os óculos de Woody Allen. Ou as orelhas de Dumbo. Uma imagem de marca. Com o tempo, habituei-me à ideia. Fui criando piadas a respeito, essa velha forma de aliviar o prejuízo.
Quando me sento na cadeira da maquiagem e as meninas vão passando o pó sobre a testa, usando várias embalagens de produto, pergunto sempre: isso vai durar quantas horas? Elas riem. Eu rio. Fazer o quê?
Precisamente: rezar. Rezar para que o cabelo não me abandone. Testa alta é uma coisa. Testa alta + calvície, enfim, é ter a pista de aterrissagem do aeroporto de Guarulhos plantada na minha própria cabeça.
Por isso estou vigilante. Todos os dias acordo e tenho o meu "momento do travesseiro". Homem que é homem sabe do que falo: o exercício consiste em olhar para o travesseiro e, com cuidado militar, contabilizar o número de soldados que tombaram durante a noite.
Depois, ao espelho, medimos o recuo do exército na presença do inimigo como quem olha para um mapa de estratégia. Alguns batalhões resistiram às investidas com bravura.
Mas existem baixas e deserções que é impossível não ver. Passo a escova e removo os últimos cadáveres. Sim, perco cabelo. Mas ainda é possível vencer a guerra.
Segundo notícias milagrosas, um grupo de investigadores japoneses descobriu que a ausência de um determinado gene (o Sox21) pode explicar os carecas deste mundo.
O objetivo dos nipônicos é desenvolver tratamentos que permitam aos carecas o regresso ao ciclo natural da queda-crescimento-queda. Careca não é aquele que perde cabelo. Todos perdemos. Careca é aquele a quem o cabelo não cresce mais.
Leio a notícia com um sorriso gentil. Finalmente, depois de séculos e séculos de vergonhas públicas e privadas, os carecas terão a sua vingança. Exagero? Não creio. Basta ler os clássicos, como Suetónio, que relata páginas e páginas de vexames imperiais.
Como o caso de Calígula, o demente e devasso Calígula, cujos complexos capilares obrigavam toda a sociedade da corte a passar regularmente pela tesoura. Mulheres inclusas.
E, por falar em mulheres, só Deus sabe como elas sofreram na França, ou até na Itália, depois da Segunda Guerra Mundial. Mulher que tivesse privado intimamente com os soldados nazistas era presa fácil para bandos de moralistas e patriotas, que puniam a traição com uma máquina para tosquiar animais.
A calvície como sinal de desonra. Perfeito. Engulo em seco. Engulo, sim, mas não deveria. Um mundo de cabeludos pode ser uma salvação para mim. Mas, pensando melhor, será uma salvação para o mundo?
Duvido. A perfeição estética sempre me provocou um arrepio de horror pela espinha abaixo. Não apenas pela ambição tirânica que ela encerra: pela forma como determina um ideal que exclui grande parte da humanidade em volta.
Mas porque um mundo de Gisele Bündchens e de Brad Pitts seria uma forma irremediável de empobrecer a diversidade de que somos feitos. Pior do que a calvície, só o tédio. Contra mim falo.
Imagino um cenário onde todos exibem testas baixas, baixinhas, dentro dos limites impostos pelos tratados internacionais, e sinto um amor irreprimível por minha própria testa, que cresce de ano para ano como o nariz de Pinóquio. Minto? Não minto. Mas ela cresce mesmo assim.
De igual forma, imagino um mundo onde todos exibem suas jubas leoninas e sinto imediatas saudades de um careca.
Não apenas do careca clássico, como Sean Connery, um homem que melhorou grandemente ao ser abandonado por seu cabelo provinciano de escocês rural; mas de todos os carecas envergonhados. Os carecas artísticos, que gostam de criar verdadeiras ogivas góticas de cabelo natural, capazes de cruzar a cabeça de um lado ao outro.
E os carecas teatrais, que seguem uma longa tradição literária e optam pela boa e velha peruca. Nossas vidas seriam bem mais tristes sem a visão ocasional e bondosa de um respeitável cavalheiro de peruca.
Tivessem os japoneses descoberto o elixir milagroso e nosso mundo seria hoje mais pobre: não teríamos Churchill, não teríamos Gandhi, não teríamos o meu querido Charlie Brown. E, além disso, não teríamos as virtudes que só os carecas possuem. Fala, Brasil: não é dos carecas que elas gostam mais?
jpcoutinho@folha.com.br
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