segunda-feira, 8 de junho de 2009



08 de junho de 2009
N° 15994 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Paranoia

Com repugnância e horror inteiramo-nos das violências sexuais praticadas dentro de casa contra menores. Não se trata de algo novo, pois aqui e ali tínhamos conhecimento desses crimes que, na maior parte dos casos, ficavam impunes. Seus autores, sob a invocação do pátrio poder, sentiam-se previamente perdoados ou, até, absolvidos. O corpo da criança era uma pertença e, como tal, passível de receber pancada ou outras e piores agressões.

A sociedade reagiu, e em bom momento providenciou-se legislação e jurisprudência categóricas. Ambas cumprem seus papéis, mandando para a cadeia os infratores – desde que cadeias existam, é claro. Tudo isso, infelizmente, faz parte de nossa vida – assim como o tráfico de drogas, a delinquência juvenil, a corrupção, a violência no trânsito – e devem ser urgente objeto de constante educação.

O que não precisa fazer parte de nossa vida, entretanto, é a paranoia – nitidamente importada – que ameaça invadir a sociedade brasileira. Como cultura dependente do modelo norte-americano, tudo que acontece lá acaba por acontecer aqui: os verbos da língua portuguesa abusar e molestar tiveram seu sentido alterado, assumindo uma canhestra adaptação semântica dos verbos to abuse e to molest.

Em lares pobres ou ricos instaura-se artificialmente uma desconfiança perversa, capaz de infectar e destruir a vida familiar. Em ações de divórcio, cônjuges estão a invocar a todo instante “abusos” contra os filhos por parte de seus parceiros.

Pais – e também avós – manifestam sua ternura através de palavras e demonstrações de afeição física, como o abraço carinhoso, a mão no ombro. Convenhamos: avós não desencaminham suas netas; pais não violam suas filhas.

Avós ensinam; pais protegem. Tudo isso faz parte do mecanismo secular de aproximação entre os seres humanos. No saudável modo brasileiro de entender a vida, externar o afeto é parte de nossa cultura. Afinal, somos cordiais [do latim cor, cordis = coração], como bem definiu Sérgio Buarque de Holanda, isto é, agimos com o coração.

Assim como coibimos o delito e educamos, devemos proteger o afeto entre familiares, este sim construtivo e gerador do bem e fator de segurança psíquica para os seres em formação. Uma coisa é o delito; outra coisa é a paranoia. Pensemos nisso, antes que não sejamos presos em flagrante por oferecermos um doce a uma criança.

Nenhum comentário: