Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
03 de junho de 2009
N° 15989 - DAVID COIMBRA
Feijão, arroz e abacate
Os venezuelanos todos me diziam que eu tinha de comer o “Pavillon Criollo”, quando estava em Caracas, semana passada. Tiene que comer, porque tiene, porque tiene. Bom. Decidi acatar. Um lugar, a gente só o conhece se viver minimamente como vivem os locais.
Havia travado amizade com um motorista de táxi cheio de recursos, o Euclides. O Euclides sabia se movimentar desde os mistérios da informática até os meandros do curioso câmbio venezuelano. (Sobre o câmbio e outras questões da República Bolivariana, leia a reportagem especial que publicarei no domingo na Editoria de Mundo) Mas o Euclides. Reconfigurava laptops, obtinha salvos-condutos para circular pelos barrios mais temerários. Sabia das coisas. Por isso, pedi-lhe:
– Quero ir a um lugar onde sirvam um autêntico Pavillon Criollo, sim senhor!
Euclides levou-me à Casa del Llano. Lá me defrontei com o Pavillon. Foi assim:
De entrada, o garçom apresentou-me a indefectível arepa, um bolo de milho que, por si só, seria uma refeição. Mas é depois desse couvert tipicamente sul-americano que o Pavillon fez sua aparição estrondosa.
Lá veio ele, um prato único carregado com certa solenidade pelo garçom, montado da seguinte forma: a nossa conhecida dupla Arroz & Feijão, mais uma porção significativa de carne seca desfiada, farofa de milho, um naco de abacate (que deve ser comido com... sal!) e fatias de banana frita, isso tudo encimado por um ovo frito de aparência inocente.
Olhei para o prato e lembrei que ainda tinha muito trabalho pela frente. Sabia que a experiência poderia trazer consequências de alguma gravidade, mas estava sendo observado pelos venezuelanos. Então, em nome da boa convivência entre os povos sul-americanos, comi.
Concluída a tarefa, pensei: um povo que se alimenta de algo do gênero só pode ser um povo de bravos. Foi aí que me interessei por eles, os criadores do Pavillon. Los llaneros. Descobri fatos interessantes sobre eles. Ei-los.
Os llaneros eram antigos guerreiros meio selvagens, embrutecidos pela lida no campo. Combatiam vestidos com andrajos, portando lanças precárias. Quando até as lanças lhes faltavam, eles arrancavam os ferros que gradeavam as janelas das casas e os usavam como arma. Alimentavam-se basicamente de churrasco e, nos dias de fartura, do poderoso Pavillon.
Viviam livres em extensas planícies verdejantes, savanas em que o olhar se estendia sem esbarrar em uma única árvore até a linha do horizonte. Erravam de estância em estância, montados a cavalo – eram exímios cavaleiros. Porém, chegava o dia em que se aninhavam sob a proteção de um patrão, um estancieiro nababo que lhes dava pouso e trabalho. Então, tornavam-se leais até a morte, soldados bravos, quase invencíveis em seu meio.
Não parece a descrição dos velhos gaúchos peleadores que combateram correntinos, paraguaios e imperialistas? Parece. Mas não é. Os llaneros vivem nos “llanos”, no interior da Venezuela, e têm uma história gloriosa.
O mais famoso dos chefes llaneros foi Boves, homem implacável, não raro cruel, de participação importante na guerra pela independência da Venezuela. Só que do outro lado – Boves lutou em favor da Espanha. Simón Bolívar ansiava por cooptá-lo.
Sabia que seu trabalho pela liberdade da América do Sul seria em muito facilitado se contasse com a cavalaria invencível dos llaneros. E com a ferocidade de Boves. Uma vez, ao tomar uma cidade, Boves convocou todas as mulheres do lugar para um baile. Obrigou-as a dançar com os llaneros. Enquanto elas rodavam pelo salão, aos prantos, seus maridos eram executados em outro canto da cidade.
Boves prosseguiu lutando contra Bolívar até morrer. Seu sucessor, não. Seu sucessor enfim trocou de lado. Era um homem tão amado por seus comandados que eles o chamavam de “Tio Antônio”. Bolívar conseguiu submetê-lo ao seu comando, o que, como esperado, se converteu em grande trunfo na luta pela liberdade americana.
Há uma história que ilustra bem a bravura dos llaneros. Os soldados bolivarianos tinham de conseguir botes para descer um rio. Tio Antônio disse que os acharia. Chegaram à margem do rio e, surpresa!, os botes estavam do outro lado, em poder dos espanhóis. Um comandante da Venezuela perguntou a Antônio:
– E agora, onde vamos conseguir botes? Antônio respondeu, placidamente:
– Vamos lá buscá-los. A seguir, escolheu 50 guerreiros e gritou: – Venham com o Tio Antônio!
Os 50 prenderam as lanças entre os dentes, jogaram-se na água e, ante os olhares perplexos de espanhóis e venezuelanos, atravessaram o rio a nado. Em terra, atiraram-se como bichos à luta corporal e tomaram os botes.
Llaneros. O mesmo espírito dos antigos gaúchos peleadores. No entanto, consolidada a independência, Bolívar confessou que o barbarismo desses valentes aliados foi útil somente durante as batalhas.
No momento em que a coragem física tornou-se dispensável e, em seu lugar, o necessário era a administração cerebral, os velhos guerreiros se transformaram em estorvo.
– Por causa desses homens, temo mais o tempo de paz do que o tempo de guerra – suspirou um dia Bolívar, desanimado.
Em resumo, é o que se pode dizer do espírito guerreiro. Apenas ele não é suficiente. Só com espírito guerreiro não se chega a lugar nenhum. Nem que se esteja sustentado pelo Pavillon Criollo.
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