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sábado, 5 de janeiro de 2008
06 de janeiro de 2008
N° 15470 - Moacyr Scliar
A quem pertence o futuro?
O que está adiante depende de nossa história. Freud se deu conta disso quando determinou que os sonhos são extremamente reveladores dos conflitos pessoais
A mudança de ano é uma época de previsões, de adivinhações, de profecias. Diz-se que o futuro a Deus pertence, mas isso não impede os seres humanos de, ao menos ocasionalmente, dar uma de divindade, tentando descobrir o que lhes reserva o porvir. As pessoas recorrem para isso a meios variados: bola de cristal, tarô, astros.
O mundo está cheio de profetas amadores. E acertam? Às vezes sim, às vezes não. Às vezes a adivinhação ou a profecia depende mais da esperteza ou do bom senso do que qualquer outra coisa.
Tomem o sonho do faraó, que José interpretou. O soberano sonhou que sete vacas magras devoravam sete vacas gordas. Interpretação de José: as sete vacas gordas corresponderiam a sete anos de colheitas abundantes, ao cabo dos quais se seguiriam sete anos de carência.
Portanto, era bom guardar grãos para o período das vacas magras ( a expressão ficou consagrada). O faraó fez isso, evitou que os egípcios passassem fome e José foi promovido a ministro, com todas as mordomias do cargo.
Agora, queridos leitores, pensem um pouco. Será que esta previsão era tão difícil de fazer? Afinal, na natureza as coisas ocorrem por ciclos, chuva alternando com seca, boas colheitas alternando com más colheitas.
José sabia disso. O faraó também. E os temores do faraó se traduziram nas imagens oníricas que o rapaz interpretou.
Mas há uma situação ainda mais interessante. É aquilo que os americanos chamam de "self fulfilling prophecy" a profecia que se auto-cumpre.
O que é muito evidente na área da especulação financeira, uma área em que a esperteza compete com a superstição. O espírito de manada, como diz o pessoal da Bolsa, faz o resto e aí tudo pode acontecer.
Foi desta maneira que os Rotschilds, famosos financistas, enriqueceram. Um dos irmãos Rotschild operava na Bolsa de Londres. Num dia célebre estava em curso a batalha de Waterloo, cujo desfecho era aguardado com a maior expectativa.
Se os ingleses vencessem, as ações de companhias britânicas disparariam; se os franceses de Napoleão ganhassem, o contrário aconteceria. À época não havia e-mail, ou telefone, ou mesmo telégrafo, de modo que as notícias só poderiam chegar trazidas por mensageiros. E os Rotschilds, todos sabiam, tinham um ótimo serviço de mensageiros.
De repente entra na Bolsa um homem e entrega um papel ao Rotschild que lá estava. Era, claro, o anúncio do vencedor de Waterloo. Todo mundo ficou atento ao que o financista faria. E ele começou a vender papéis ingleses.
Conclusão: Napoleão tinha vencido, agora viria a derrocada inglesa. Foi uma corrida louca para vender, os preços simplesmente desabando. Poucos minutos antes de encerrar o pregão Rotschild comprou tudo, a preço de banana (mais barato que banana, aliás, que lá era uma fruta cara).
O futuro a Deus pertence? Sim, mas também pertence a nós. O nosso futuro depende de quem somos, de nossa história pessoal. Freud se deu conta disso quando concluiu que os sonhos são extremamente reveladores dos conflitos pessoais.
E os conflitos pessoais, por sua vez, condicionam o futuro. O escritor americano James Thurber disse, várias vezes, que morreria enquanto sua mulher estivesse no cabeleireiro.
Uma tarde em que ela estava arrumando o cabelo, ele, em casa, teve um ataque cardíaco e faleceu. Coincidência?
Ou o resultado de um impulso agressivo que, dirigido à mulher, acabou se voltando contra o próprio Thurber, sob forma de uma emoção violenta causando um enfarte?
Dá para preparar um futuro melhor para nós. Para isso, temos de entender quem somos, o que significa nosso passado. E temos de viver com equilíbrio e sabedoria o nosso presente.
Imprevistos à parte, o futuro será uma decorrência disso. A ele chegaremos tranqüilamente. Se não acelerarmos demais nas estradas, claro.
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