sábado, 26 de janeiro de 2008



27 de janeiro de 2008
N° 15492 - David Coimbra


Uma história de traição

A namorada de um amigo meu, o pezinho dela é número 35. O que é uma sorte para ele, vocês sabem como são as mulheres que calçam 35, ah, claro que vocês sabem...

Trata-se de um homem bem-sucedido, o meu amigo. Ganha um bem fornido salário a cada dia 5, e sabe como usufruí-lo no restante do mês.

É dono de gosto requintado, aprecia vinhos finos, fuma charutos olorosos, dirige carros rápidos e mora numa suntuosa cobertura, com piscina, salão de jogos e tevezona de tela plana.

Ocorre que, não faz muito, ele resolveu reformar a cobertura. Em meio às obras, aconteceu de o meu amigo envolver-se com outra mulher que não sua namorada de pé 35.

O pudico leitor, nesse momento, deve estar escandalizado: "Um adúltero!" Sim, também me escandalizei, ao saber da história, e o admoestei severamente, mas, que fazer?, há pessoas assim no mundo...

Desta forma, mesmo sem minha aprovação, meu amigo conduziu a moça para sua cobertura e... oh!, fez amor com ela. Horas depois de o ato lascivo ter sido consumado, porém, a namorada traída foi visitá-lo.

A Outra já tinha ido embora, não restavam nem os eflúvios do pecado, meu amigo sentia-se seguro, ao recebê-la. No entanto, a namorada chegou, entrou na cobertura e, antes mesmo de dizer oi, benzinho, berrou:

- Mas o que é que é isso???

- Isso o quê? - quis saber meu amigo, já olhando para os lados, temendo ter deixado alguma prova à vista.

- Pegadas! - exclamou a namorada.

- Pegadas???

Pegadas, de fato. A Outra havia deixado pegadas no pó gerado pelas obras de reforma do apartamento e a namorada, uma autêntica discípula do detetive Columbo, descobriu. Meu amigo, aflito, tentou a saída clássica:

- Ora, Tiutiuquinha, essas pegadas são tuas!

Ao que ela lhe desferiu a estocada fatal:

- Não são! Essas pegadas são de alguém que tem o pé menor do que o meu!!!

E, realmente, a Outra tinha pé ainda menor do que o da namorada. A Outra, pequeninha, jeitosinha, de nádegas empinadinhas e seios... bem, o que interessa é que a Outra calçava 33.

Meu amigo alarmou-se ao constatar que a namorada estava com a razão, que as pegadas da Outra eram mesmo uma coisinha delicadinha e pequeninha e... enfim, ele ficou nervoso. Mas reagiu rapidamente.

A namorada já rosnava de fúria, já parecia pronta para tomar alguma atitude violenta, quando meu amigo, sem perder o sangue frio, fazendo luzir um sorriso plácido sob o nariz adunco, explicou:

- Aaaah, Tiutiuquinha, isso é coisa do anão.

A namorada piscou, perplexa: - Anão?

- É - confirmou ele. - Foi o anão. - Que anão???

- Simples, Tiutiuquinha, simples: é que a empresa que está fazendo essa reforma no meu apartamento é muito profissional...

- E o que é que tem isso???

- Já explico. Olha ali em cima. Aquele andaime.

Ela olhou.

- É preciso fazer obras naquele vão - prosseguiu meu imaginoso amigo. - E, como você está vendo, o espaço é muito pequeno! Então, eles têm um anão para fazer esse tipo de serviço. E foi isso: o anão veio aqui, subiu no andaime e fez o trabalho que só um anão poderia fazer!

A namorada ficou olhando-o, boquiaberta. E acreditou!

Eu cá tenho uma explicação para a credulidade dela. Deu-se graças à criatividade dele. Uma justificativa assim colorida comove o ouvinte, mesmo que seja inverossímil, ou até por isso. Ao contrário das justificativas dos treinadores para as más atuações dos seus times. Abel, por exemplo, atirou a responsabilidade pelo fraco desempenho do Inter contra o Veranópolis no vento.

Que desculpinha! Ninguém levou a sério. Melhor seria se Abel tivesse culpado o anão. Eu, a partir de agora, sempre vou colocar a culpa no anão!

As línguas de Guimarães

Uma vez, há muito, muito tempo, Guimarães Rosa foi dar uma entrevista e, ao discorrer sobre as línguas que dominava, disse:

"Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo. Leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado). Entendo alguns dialetos alemães.

Estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês. Bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal."

Um cara, para fazer tudo isso que Guimarães Rosa fazia, evidentemente não pode ver TV nem se dedicar muito às mulheres, que são atividades que demandam tempo. E, o mais importante, não haverá de depender só do esforço.

Não. Talento é indispensável. Vocação. Já contei, por exemplo, a história de uma senhora aqui de Porto Alegre mesmo, que, ao completar 60 anos de idade, suspirou:

- Como é bom completar sessenta anos! Agora não preciso mais fazer inglês nem sexo!

É que, realmente, para fazer inglês e sexo é necessário algum esforço, e essa senhora deve ser uma vítima da preguiça. E da genética. Sem propensão, qualquer atividade fica mais difícil.

É o que digo a respeito de atacantes. Só com esforço, atacante nenhum prospera. Há que se ter talento, nem que seja para empurrar a bola para baixo da trave, e nada mais. Prestem atenção, dirigentes: zagueiro se faz com treino e suor; atacante, não!

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