Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 26 de janeiro de 2008
27 de janeiro de 2008
N° 15492 - Luis Fernando Verissimo
Ter e não ter idade
Não ter mais idade é ficar com esta impressão de que até um ato de revolta por tudo o que não fizemos quando não tínhamos idade não seria apropriado para a nossa idade
Eu sabia que esse negócio de fazer aniversário todos os anos não ia dar certo. A gente acaba envelhecendo. Às vezes, me pego pensando no que vou ser quando crescer e me dou conta de como minhas opções diminuíram.
Não tenho mais idade para ser nada. Só me animo quando vejo uma lista de prováveis candidatos a sucessor do papa. A idade média deles é 70. Ser papa é uma das poucas coisas a que eu ainda posso, realisticamente, aspirar. Mas minha única credencial para o cargo é a idade. Não sou cardeal, não sou nem praticante.
Devo ter deixado minha fé no bolso da fatiota azul, de calças curtas, com que fiz minha primeira comunhão. E a única coisa de que me lembro do evento, além da fatiota (e da gravata prateada!), não é a emoção de receber a hóstia e o rito eucarístico, são os doces que tinha em casa, depois.
Acho que foi ali que fiz a minha opção preferencial pela perdição. Invejo quem tem fé, mas não posso deixar de pensar que a minha religião particular, uma espécie de panteísmo urbano (devoção por pastéis de carne e boas livrarias e a crença de que há um deus, sim: o deus do oboé, que além de ser um instrumento divino é o que afina todos os outros), é a única sensata, em meio ao que não deixa de ser - se bem examinada - uma crise mundial do monoteísmo.
Bons tempos em que, em vez de não ter mais idade, nós ainda não tínhamos idade. E sonhávamos com tudo o que viria, quando tivéssemos. Entrar em filme proibido até 14 anos. Beber e fumar. (O importante não era a bebida e o cigarro, era a pose que se fazia bebendo e fumando. Ficar adulto era adquirir a pose.)
Beijar como beijavam nos filmes - principalmente os proibidos até 14, já que nos proibidos até 18 ninguém sabia o que acontecia. Ficar acordado até mais tarde. Ganhar a chave da casa. Dirigir carro.
Usar bigode. Ainda não ter idade era ficar pinoteando no partidor, indócil, como um cavalo esperando a largada. Não ter mais idade é ficar com esta impressão de que até um ato de revolta por tudo o que não fizemos quando tínhamos idade e agora não dá mais, não seria apropriado para a nossa idade.
Chama-se vida essa lenta transformação da frase, de ainda não ter idade para não ter mais idade. Ou de poder ser, teoricamente, tudo o que se sonhasse, a poder ser, teoricamente, só papa. E por pouco tempo.
ESPANTOS
Apesar de não ser religioso, sempre acreditei que jogar papel impresso fora é pecado. Já fui um fundamentalista, daqueles de guardar até volante de dedetizadora, mas minha mulher conseguiu, aos poucos, me trazer para a razão.
Hoje, já aceito que doar livro não é o mesmo que jogar no lixo e que o limite da existência de uma revista é exatamente o limite entre o papel e o farelo. Mas ainda sofro para me desfazer de suplementos guardados para ler depois que não leria nunca, pois não se distingue mais o texto do mofo.
E, por estes dias, tentando arrumar meus papéis e livros num daqueles periódicos surtos de virtude que nos acometem, e do qual nos arrependemos em seguida, dei com algumas cadernetinhas quase em decomposição e a revelação de que eu era muito mais organizado na adolescência.
Uma das cadernetas, por exemplo, é de telefones e endereços caprichosamente anotados e com lembretes crípticos, como "Ana Maria (a da pintinha)". Não tenho a menor idéia de quem era a Ana Maria, mas acho que me lembro da pintinha.
E em outra caderneta tentei manter um registro detalhado dos meus gastos em Nova York, quando morávamos em Washington e as minhas aventuras solitárias na cidade grande eram com orçamento apertadíssimo. Há alguns espantos nas anotações.
Passagem para NY (de ônibus): US$ 5. Almoço em NY: 90 centavos. Cinema: 70 centavos. Revista (provavelmente de sacanagem): 35 centavos. Subway: 15 centavos. Entrada para ouvir jazz no Birdland: US$ 1,25!
O ano era 1954. E o maior espanto de todos: eu tinha 18 anos!
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