terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Em 2008, seja do Marte do bem



15 de janeiro de 2008
N° 15480 - Moacyr Scliar


As lições da febre amarela

O surgimento de casos de febre amarela é, claro, uma notícia ruim.

Mas dentro dessa notícia ruim há alguns aspectos positivos. Um deles, muito importante: o fato de que a população em áreas vulneráveis está acorrendo em massa aos postos de vacinação.

É uma mudança significativa, e não apenas da saúde pública, é uma mudança do Brasil.

A febre amarela aqui chegou no século 17. Navios que vinham das Antilhas traziam o mosquito, e com ele a doença, que gerou epidemias, desapareceu e foi reintroduzida em 1849, quando um navio (norte-americano: Chávez gostaria disso) chegou a Salvador.

A febre amarela se disseminou pelo litoral brasileiro; no Rio, então capital, tornou-se um flagelo, a tal ponto, que os navios estrangeiros se recusavam a ali aportar, o que estava detonando a economia do país, baseada na exportação de café.

É então que assume a Diretoria de Saúde Pública esse grande brasileiro que foi Oswaldo Cruz, com a missão específica de controlar a febre amarela.

Missão quase impossível: a vacina não existia e, pior, o mecanismo de transmissão da febre amarela era objeto de controvérsia.

Em Cuba (Chávez gostaria disso), o médico Carlos Finlay, com apoio de médicos norte-americanos (Chávez não gostaria disso) tinha evidenciado o papel do mosquito, mas muitos médicos brasileiros não acreditavam em suas idéias:

achavam que a doença era transmitida pelo solo ou pelo alimento. Oswaldo Cruz, que enxergava muito adiante de seu tempo, seguiu as idéias de Finlay e desencadeou o combate ao mosquito. Foi execrado, foi ridicularizado, mas venceu a batalha.

No Brasil, a febre amarela é hoje uma doença silvestre, acometendo principalmente macacos; casos humanos podem surgir (e surgem).

A vacina é, contudo, uma proteção muitíssimo eficaz. Exemplo dramático: o de Drauzio Varella, que, indo para a Amazônia, não se revacinou e contraiu a doença que quase o matou, experiência por ele narrada no livro O Médico Doente.

Que um médico famoso admita publicamente seu erro e o transforme num ensinamento (o contrário da arrogância dos doutores à época de Oswaldo Cruz) também é um sinal de que o país mudou. Se a vacina está indicada para vocês, não hesitem: vacinem-se. Protege a saúde e melhora o Brasil.

Nada como leitores informados e cultos. A propósito de uma coluna que escrevi no caderno Vida, mencionando o norte-americano Graham Bell como inventor do telefone, diz o Leonardo Mario Ferraro que, na verdade, a invenção da telefonia foi obra do imigrante italiano Antonio Meucci (1808-1889), residente em Nova York:

"É muito semelhante ao que fazem com Santos Dumont, principalmente nos EUA, afirmando que não foi ele o inventor do avião e, sim, os irmãos Wright".

Uma rápida pesquisa mostrou-me que o assunto é mesmo controverso. Além de Meucci e Graham Bell, outros nomes são apontados: Johann Philipp Reis, Elisha Gray, Thomas Edison. Talvez todos tenham descoberto o telefone ao mesmo tempo...

O Nelson Lersch queixa-se de que, nas minhas caminhadas pela Protásio, às vezes passo por ele e não cumprimento.

Se te consola, Nelson, não és o único: outras pessoas já me puxaram as orelhas pelo mesmo motivo (haja orelha). A única escusa que tenho é que, nas caminhadas, fico pensando no que vou escrever aqui.

E, na mais recente dessas caminhadas, concluí que tenho de pedir desculpa a ti e a todos os outros que, nas caminhadas, não cumprimentei. Ficam, pois, as minhas escusas.

scliar@zerohora.com.br

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