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quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
23 de janeiro de 2008
N° 15488 - Paulo Sant'ana
A pressa moderna
O homem primitivo, o das cavernas e o das tribos, com o advento agora das grandes cidades e até das megalópoles, era muito mais social e afetivo com seus circunstantes do que o homem moderno.
O homem moderno não tem tempo para os amigos. O homem primitivo tinha os amigos todos os dias dentro da sua caverna ou no centro da sua aldeia, além das horas quase sempre vagas do seu ócio naturista para bater papo com os amigos.
Hoje, os amigos se gostam de longe. Têm que tratar dos seus negócios, dos seus empregos ou dos seus desempregos. Estamos todos na grande cidade condenados à lei animal das selvas, à competição bárbara e antropofágica ou pelo lucro ou pela carreira profissional.
O homem primitivo andava de cipó, no máximo no lombo de um lhama ou de um cavalo, tudo absolutamente gratuito, caído do céu. O homem moderno tem a luta corporal do vale-transporte, do IPVA ou contra o azulzinho para se locomover.
E essa batalha diária do homem moderno pela sobrevivência afastou-o dos seus amigos e dos seus amores. Está bem, concedo, nem para a família o homem moderno tem mais tempo a dar.
É absolutamente irracional que eu não visite os meus amigos ou não seja visitado por eles. Sinto que os amo, sei que eles me querem, mas o que é bem bom e essencial, nada: o encontro.
O homem moderno criou a cidade para aproximar-se dos outros homens, acabou a sua invenção criando uma distância polar entre ele e as pessoas que ele mais preza.
O homem primitivo se encontrava com seus amigos todas as manhãs bem cedinho, quando os primeiros raios de sol invadiam a sua oca e ele dava de cara no chão batido ou em cima da árvore com todos os seus afetos.
O homem moderno sai cedo e apressado de casa, na maioria das vezes para se encontrar com seus rivais, competidores e inimigos, fingindo cordialidade. Os amigos ficam para depois, num tempo que nunca encontrará por serem demasiados e cruentos os combates pela vida, que lhe tomam todo o tempo.
Os primatas e os indígenas se viam toda hora, os humanos modernos só se vêem com hora marcada. Tem pai hoje em dia marcando hora para receber filho.
Na antigüidade, todos os homens se encontravam todos os dias e todas as horas espontaneamente, ao natural. Hoje em dia todos os homens se encontram com hora marcada, o que quer dizer que se encontram por obrigação.
Tem hora marcada para sair de casa, pegar o ônibus, começar a aula, iniciar o trabalho. Hora marcada para namorar e para transar. Com prazo inicial e prazo terminal. Sempre com pressa.
Hora marcada para o espetáculo, para o médico, para o comício, para a greve, para escrever a coluna e para ler o jornal.
Às vezes não é só hora marcada, é dia, é semana, é mês e ano marcados com antecedência, como nos casos da Justiça do Trabalho, o que por si só já é uma brutal injustiça.
É um olho no relógio e outro no futuro, isto não é vida. É um rali.
Eu ainda peguei o tempo, em Tapes e São Jerônimo, de todos os dias me encontrar com meus amigos, pela manhã, ao meio-dia, à tarde e à noite, nos intervalos do trabalho ou durante o seu curso.
Hoje, só encontramos tempo para o trabalho e para os pagamentos de DOCs nos bancos.
E nunca encontramos tempo para aquele papo furado de fim de tarde no bar da esquina, um chope pra distrair, ouvir um soneto ou um cavaquinho, uma mulher que desfila na calçada, que tempos, já não há mais nem tempo pra trair.
E principalmente não há mais tempo para ver os amigos, o que se constitui na negação da vida e na autodecretação preventiva, antecipada e anunciada da morte. E, quando se encontra um tempinho para um amigo, ele não tem tempo para a gente.
(Crônica publicada em 15 de março de 2000)
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