segunda-feira, 21 de janeiro de 2008



21 de janeiro de 2008
N° 15486 - Paulo Sant'ana


Os solistas

O tipo mais freqüente em todas as rodas de trabalho ou de conversa fiada é o explanador dominante.

É a pessoa que mais fala na roda. Ela encomprida sua intervenção de tal forma, que não permite chance a que nenhuma outra pessoa da roda fale

No meu linguajar, chamo o explanador dominante de solista. São inúmeros os solistas que já se celebrizaram em nosso meio.

Esses dias, numa churrascaria, fui sorteado para uma roda em que estavam dois dos maiores solistas dos pampas: Paulo Brossard e Cláudio Brito.

Se com um solista só já é impossível sequer dar uma bicada numa roda, imaginem com dois.

Vinha eu de experiência desalentadora no dia anterior. Topara em ocasiões diferentes com o Christiano Nygaard, executivo de Zero Hora, e com o Eduardo Flores da Cunha Damasceno, outro alto prócer da RBS.

Eles sentam à mesma mesa de almoço e, quando estão presentes, os outros todos convivas não têm qualquer chance de manifestar-se: tomam conta da conversa e nem aspiram fôlego para pisar fundo no acelerador verborrágico, atemorizando os piedosos ouvintes que os circundam.

Pois um dia depois me encontrei frente a frente com a maior dupla solista da América: Paulo Brossard e Cláudio Brito.

Brossard e Brito falavam tanto naquele dia, que a mim foi dada somente a oportunidade de pronunciar interjeições, quase sempre em uma só emissão de voz.

Eles falaram tanto, que acabou convencionado que eu só poderia dizer: "Sim, não, talvez, hã-hã, xiiii, oh, ah", somente quando fiquei furioso por eles falarem tanto e eu não conseguir dizer nada é que me encorajei a uma onomatopéia leonina: "Grrrrrrrrrrrrrrrrrhhh!".

Os solistas são pessoas talhadas para falar em rodas, nunca deixam de integrar-se a qualquer grupo, estão sempre à espreita de uma reunião de mais de duas pessoas para deitarem seu verbo caudaloso e obrigarem seus circunstantes a serem exclusivamente ouvintes.

O solista - ou explanador dominante - começa ouvindo, mas os 60 segundos em que ouve servem somente de chamariz, anzol para suas vítimas. Logo depois dessa petição inicial que concedem aos alvos de sua verborrágica atuação, eles não param mais de falar.

Esses dias, testei um solista num coquetel. Ele estava a sós comigo. Começou a falar e não parou mais. Então eu tentei um truque para confundi-lo: enquanto falava, eu me afastei, pensando que iria calá-lo.

Que nada, por um sinistro automatismo que domina os solistas, mesmo afastado pude ver e ouvir que o solista não parara de falar, continuou falando sem mim, na esperança de não desacelerar pela minha ausência e para que se mantivesse embalado até minha provável volta.

Existem solistas em todas as empresas, em todos os grupos, até na religião. Esses dias, fui a um culto evangélico no Sarandi em que durante toda a tarde só falou um pastor, as intervenções dos outros pastores e de algum fiel que se atrevesse a dar um chega para lá no pastor dominante se resumiam a gemidos de "aleluia".

Ele preparava preces de 20 minutos de duração e parecia contrariado quando o auditório o interrompia ao fim das prédicas dizendo alto e em uníssono: "Amém".

Ele demonstrava tacitamente que queria que o "amém" fosse pronunciado também só por ele.

É demais. O solista é tão obsessivo em seu caudal verborréico, que faz cara de misto de insatisfação e fúria quando alguém lhe pede um aparte ou aproveita que ele faz uma minúscula pausa para interrompê-lo.

O que me consola pelo massacre diário que sofro com os solistas do meu cotidiano é que me disseram que Moisés e Cristo foram os dois maiores solistas da humanidade.

O primeiro levou 12 dias para anunciar e explicar as tábuas que continham os 10 mandamentos, e o segundo gastou oito horas para pronunciar o Sermão da Montanha.

Os dois sem apartes.

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