Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
domingo, 20 de janeiro de 2008
20 de janeiro de 2008
N° 15485 - Luis Fernando Verissimo
Metamorfoses
Quem acredita em reencarnação e pesquisa sobre suas vidas passadas geralmente descobre que foi, senão um herói homérico, um faraó. Ninguém admite ter sido um piolho ou uma faxineira em Versalhes
Platão encerra a sua República com a descrição que Sócrates faz dos heróis de Homero escolhendo suas vidas futuras, ou os seres que suas almas habitarão depois da morte.
Orfeu escolhe voltar como um cisne, Ajax um leão, Agamenon uma águia. Muitos preferem reencarnações de acordo com seu passado.
O corredor Atalanta quer voltar como atleta. O construtor do cavalo de Tróia quer ser uma artesã, com o mesmo ofício mas outro sexo. Um bufão escolhe voltar como macaco. Etc. Mas Ulisses, herói maior da Odisséia, prefere voltar como um homem comum.
A alma de Odisseus escolhe o ser que os outros desprezaram para ocupar em sua outra vida: um bicho simples, um anti-Ulisses que nenhuma aventura tirará de casa.
Quem acredita em reencarnação e pesquisa sobre suas vidas passadas geralmente descobre que foi, senão um herói homérico, nunca menos do que um faraó, uma rainha ou um artista famoso.
Ninguém admite ter sido um piolho ou uma faxineira em Versalhes. E todos têm um consolo para a sua atual condição: não passam de uma etapa, uma alma em transição entre um grande personagem e outro, fazendo estágio como apenas ele.
O mito socrático introduz a idéia de que se pode escolher nossa próxima vida (primeirão massagista de miss) mas o que fascina é a opção de Ulisses pela mediocridade reconfortadora, pela pacatez como um refúgio seguro. Ulisses não quer ser mais ninguém, quer ficar a salvo da vida e da História.
Ao contrário de quem não se conforma de não ter sido alguma coisa mais do que é, em algum lugar do passado, ele opta por não mais ser nem Ulisses nem coisa parecida, no futuro.
O livro de Marina Warner intitulado Fantastic Metamorphoses, Other Worlds do qual tirei toda a erudição do primeiro parágrafo, é sobre transformações, a partir do poema Metamorfoses, de Ovídeo.
Transformação como recurso literário, presente em todo tipo de narrativa desde os primeiros mitos até o realismo fantástico, e transformação como mágica e mistério, na outra História da humanidade que coexiste com a história racional, ou em outras feitiçarias além das judaico-cristãs.
O trecho que cita Ulisses é uma digressão sobre a transmigração das almas, a metamorfose final, mas gostei da idéia do nosso herói pedindo descanso para a sua. Afinal, toda a Odisséia não passa da história de alguém querendo voltar para os braços da patroa.
Cronômetro x literatura
Segundo George Steiner, existem dois tipos de filósofos ocidentais, os que, como Platão, Descartes, Spinoza, Pascal e Wittgenstein, entre outros, usam a matemática como referência para entender o mundo e dão mais valor a códigos e padrões do que ao discurso e à especulação, e os que, como Aquinas, Hegel, Nietzsche, Heidegger e Sartre vão fundo nas motivações humanas e preferem a História e suas surpresas às equações e suas certezas. No fim o que os diferencia é o modo de encarar o tempo:
há o tempo mesurável do matemático sem o qual a ciência e a tecnologia seriam impossíveis, e há o tempo como "durée", ou duração, experimentada pelo ser em constante devir, o passado e o futuro articulados pela memória e pela imaginação, de maneiras que a ciência não explica. O cronômetro contra a literatura.
Os filósofos "matemáticos" não representam a razão sem alma assim como os outros não partem, necessariamente, de uma premissa metafísica (não se imagina Sartre começando por Deus) mas a oposição ciência/religião era parecida com a oposição cronômetro/literatura.
Todas as grandes religiões são construções literárias, narrativas episódicas, histórias de homens santos ou a caminho da santidade e seu devir no mundo. Já a ciência lida com a reincidência, com fenômenos sem história, sem caráter e sem desenlace, com o que é e não com o que acontece.
Mas isto mudou com o surgimento da teoria e as subsequentes experiências com a mecânica quântica, quando a ciência subitamente, fascinantemente, adquiriu características literárias.
Há partículas subatômicas imprevisíveis como heróis picarescos e temperamentais como divas. O mundo natural, ai de nós, também tem sua retórica e suas ironias e também pode ser uma narrativa rumo a uma epifania ou mais. Vá entender.
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