terça-feira, 22 de janeiro de 2008



22 de janeiro de 2008
N° 15487 - Moacyr Scliar


Arte e monarquia

Petrópolis, RJ, onde estive na semana passada para uma palestra, é conhecida como a cidade imperial.

Não é força de expressão: os descendentes da família real (cuja chegada ao Brasil faz, exatamente hoje, 200 anos) ainda têm direitos legais reconhecidos na bela localidade serrana. Ali está o maior testemunho do passado monárquico do país, o fabuloso Museu Imperial, instalado no palácio construído por Dom Pedro II.

Os visitantes, numerosos, entram com certa reverência. Para começar, o magnífico assoalho tem de ser preservado, o que exige o uso de chinelos de feltro sobre os sapatos; ou seja, no palácio todo mundo é pé-de-chinelo.

E com nossos chinelos vamos percorrendo os salões. Realmente, aquele pessoal sabia o que era luxo; o palácio é um mini-Versailles.

Um luxo que, como era o caso com todas as monarquias, obedecia a um propósito bem definido: mostrar quem mandava, quem detinha o poder. Mas este poder não era algo imposto à força, coisa que o benévolo e paternal Dom Pedro II nunca faria.

O palácio, e o trono, e a coroa (fantástica: mais de 600 diamantes) mobilizavam a reverência que os brasileiros têm de há muito pela nobreza e pela aristocracia.

Rei é, para nós, o título máximo. Que o digam o rei Pelé, o rei Roberto Carlos, o rei do gado que deu título a uma novela da Globo e assim por diante.

De sala em sala, chegamos ao dormitório real. A cama até que é simples, mas havia ali um detalhe que me deixou intrigado: sobre o colchão, várias pilhas de cobertores, grossos cobertores.

Fiquei me perguntando a razão daquilo. Teriam, os encarregados, esquecido de guardar os tais cobertores? Ou queriam mostrar que Dom Pedro II sentia muito frio à noite?

Numa folha de papel afixada à parede estava a explicação. Os cobertores são atuais, não datam da época do Império. Aquilo era uma instalação. Instalação, vocês sabem, é qualquer coisa colocada num museu e que a gente não entende.

Aquela instalação chamava-se - adivinhem - Pilha. E tinha um significado qualquer que supostamente transformava os cobertores em obra de arte, provavelmente valendo muito mais do que os acolchoados vendidos por meu pai na fábrica da Osvaldo Aranha.

De repente me dei conta de algo: havia um nexo entre a realeza e a instalação. Ambas as coisas têm de ser respeitadas e até reverenciadas, por causa da aura que as envolve: a aura monárquica num caso, a aura artística noutro caso.

Dom Pedro II já não está entre nós. Mas continua inspirando instalações. Querem saber de uma coisa? Viva a República.

Semana passada comentei aqui a extraordinária mudança de atitude dos brasileiros em relação à vacina. No começo do século passado, o país quase entrou em guerra civil porque as pessoas não queriam se vacinar contra a varíola.

Hoje há filas enormes para a vacinação contra a febre amarela. Mas, pessoal, não vamos passar do oito para o 80 (sobretudo em 2008). Quem não se vacinou ou se vacinou há mais de 10 anos e vai para uma área problemática tem de se vacinar.

Outras pessoas, não. Primeiro pela possibilidade, ainda que rara, de algum efeito desagradável; segundo, porque assim vai faltar vacina. Nada de "por via das dúvidas": façam a coisa como deve ser feita.

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