sexta-feira, 18 de janeiro de 2008



18 de janeiro de 2008
N° 15483 - David Coimbra


História de verão

Vinha caminhando pela praça e, do outro lado da calçada, um menino comprava sorvete de casquinha. Era um menino pobre. Não indigente, não uma criança abandonada. Pobre. Oito anos de idade, talvez.

O sorveteiro foi generoso, ao servir-lhe. O menino saiu empunhando o cone da casquinha com três bolotonas coloridas e cremosas equilibrando-se com precariedade na parte de cima. Saiu sorrindo, fitando fixamente o sorvetão, e seus olhos faiscavam de deleite antegozado.

Antes de desferir a primeira lambida, chegou a suspirar de prazer. Sorri, ao ver sua satisfação, e até senti vontade de comprar sorvete, fazia calor, era um desses dias de sol feroz.

Quando estávamos próximos, a uns dois metros de distância, ele, caminhando sempre, enfim abriu a boca, esticou a língua e lambeu o sorvete com vontade.

Mas o fez com tamanha sofreguidão, que o edifício das bolas perdeu o prumo, desestabilizou-se, inclinou como uma Torre de Pisa e, bloft!, desabou. Esborrachou-se no chão da praça, deixando o garoto com a casquinha vazia na mão.

O menino estacou. Estaquei. Olhamos, ambos, para o sorvete, que já se dissolvia na laje quente. Em seguida, erguemos os queixos e nossos olhares se encontraram.

O menino trazia a boca aberta em ó e os olhos arregalados num misto de espanto, tristeza e decepção. E foi esse último sentimento que me comoveu.

Não havia nada que o menino quisesse mais, naquele momento, do que o sorvete. Todas as suas energias tinham sido direcionadas para aquele sorvete, todo o seu espírito, todo o seu ser, o mundo era aquele sorvete, e ele tinha o mundo nas mãos.

Ele o tinha. Ele tinha a felicidade empalmada, bem presa entre os dedos, estava ao seu alcance, ele ia ser feliz, ia ser feliz! Aí aconteceu o inesperado. Um acidente. A felicidade estava perdida, derretendo-se no chão escaldante.

Enchi-me de compaixão. Peguei-o pelo ombro: - Vem cá.

Levei-o até o sorveteiro e pedi: - Dá pra ele um sorvete igual ao outro.

O sorveteiro fez o possível para repetir a obra. Creme, morango, chocolate, uma construção bem parecida, porém mais sólida.

- Ó - estendeu para ele. E recomendou, enquanto eu pagava: - Toma cuidado.

O menino apanhou a casquinha. Lançou-me um olhar melancólico.

- Obrigado - sussurrou.

Mas não sorriu. Respirou fundo e foi-se pela praça, lambendo o sorvete com atenção dobrada. Estava agradecido, mas não feliz.

Compreendi por quê. Foi a decepção. A decepção azedou o sabor do sorvete, mesmo tendo ele recebido outro. Lamentei pelo menino. Imaginei que aquela decepção decerto não era a primeira, mas provavelmente fora a maior de seus poucos anos de vida.

E senti alguma compaixão ao saber que ele estava só no início, que ainda haveria mais decepção, mais perdas, mais sorvetes cadentes, sem que nem sempre houvesse alguém por perto para tentar remediar.

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