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sábado, 26 de janeiro de 2008
26 de janeiro de 2008
N° 15491 - Cláudia Laitano
Smoking/not smoking
Foi quase como se tivessem virado a torre de cabeça para baixo. Um símbolo da cidade mais cheia de símbolos do mundo reduzido às cinzas da memória de um dia para o outro.
Entre todas as imagens freqüentemente associadas a Paris - das mais óbvias às mais inusitadas - o café enfumaçado podia não ser a mais edificante, mas provavelmente era uma das mais antigas.
Quando os primeiros pintores, fotógrafos e diretores de cinema começaram a consolidar o repertório visual que até hoje identificamos com Paris, conhecendo ou não a cidade, o cigarro já estava lá, acompanhando a morena provocante de franjinha e gola rolê, o filósofo macambúzio, o artista de casquete - o cinema, aliás, nasceu lá mesmo, no Boulevard des Capucines, com as imagens da vigorosa fumaça de uma locomotiva em primeiríssimo plano evocando, talvez, uma das paixões nacionais.
Em uma Paris bem menos romântica, a do final do século 20, os cafés enfumaçados permaneciam firmes enquanto instituição tradicionalmente francesa - contra todos os ventos antitabagistas que sopravam do oeste politicamente correto.
Como Asterix diante dos romanos, Paris resistia. E fumava sem culpa, inclusive em locais públicos e com as janelas fechadas. Podia não ser bom para o pulmão dos turistas, mas era tão típico quanto comer biscoito Globo nas areias de Copacabana.
Não mais. A fumaça foi oficialmente banida de bares e cafés parisienses no primeiro dia deste ano. A lei acompanha uma tendência avassaladora no continente. A Irlanda foi o primeiro país europeu a proibir o fumo em locais públicos, em 2004.
Desde então, tem sido uma capitulação atrás da outra nesta guerra mundial contra o cigarro, com a ocupação de Paris como o símbolo máximo de rendição até agora. A cosmopolita Berlim também baniu o cigarro de locais públicos a partir de 1º de janeiro, mas não sem alguma resistência - atribuída, em parte, ao trauma de uma proibição anterior de penosa lembrança, determinada por Hitler no auge do regime nazista.
A lógica e o bom senso, evidentemente, sopram contra o cigarro, e os não-fumantes têm todo o direito de exigir ar puro a sua volta.
Qualquer um que já viajou ao lado de um fumante, de ônibus ou de avião, sabe como pode ser desagradável a convivência forçada com o produto do prazer alheio, assim como comer sob o tempero de um Marlboro é uma afronta que nem o mais tosco bauru deveria merecer. Tudo isso já foi muito comum e é hoje quase tão anacrônico quanto a gola rolê e o casquete.
Que bom. Ainda assim, a proibição dos cigarros em Paris não deixa de parecer uma certa capitulação cultural diante de um mundo que vai ficando cada vez mais homogêneo. Sem pensar muito dá para lembrar de um milhão de coisas mais importantes do que o café enfumaçado pelas quais a França merece ser lembrada.
O cigarro não vai fazer falta - e como os franceses são muito rápidos nesses assuntos, as áreas restritas para fumantes já estão sendo celebradas como nova possibilidade para encontros românticos.
Mas não é à toa que a maior celebração da diferença ficou famosa em francês. No imaginário de muitas pessoas, a França ainda é a pátria da provocação, das idéias que colocam em xeque o pensamento dominante, a lógica e, às vezes, até mesmo o bom senso. Que os cigarros sejam banidos, mas que fiquem os filósofos.
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