terça-feira, 22 de janeiro de 2008



22 de janeiro de 2008
N° 15487 - Paulo Sant'ana


Trocando em miúdos

A situação até o momento é a seguinte: estou nadando de poncho contra a correnteza. Se conseguir chegar a uma das margens do rio, baterei em retirada com pouca munição.

Anuncio aqui nesta coluna, solenemente, que estou entrando em férias a partir de hoje.

E pela primeira vez em 15 anos não escreverei durante as dezenas de dias em que estarei ausente. Sempre escrevi quando tirava "férias", escrevia de Jurerê, escrevia de Alegrete, mas sempre escrevi durante minhas férias.

Escrevia até quando para escrever uma coluna eu demorava oito ou 10 horas, aflito em busca de inspiração. Mas escrevia nas "férias".

Desta vez não escreverei. Porque me foi prescrito pelos doutores da medicina que devo parar de trabalhar durante todos os momentos de minhas, agora sim, férias.

E a direção de Zero Hora decidiu ontem que, durante os dias em que eu estiver de férias, serão publicadas colunas minhas antigas, de preferência as que causaram maior repercussão durante os meus 36 anos de colunista de ZH, se é que elas serão alcançadas pela pesquisa que será eficiente e talentosa do Henrique Erni Gräwer, nosso companheiro de retaguarda.

Os leitores portanto não deixarão de me ler. Serão as colunas do meu passado, enquanto isso, nas férias, estarei elaborando, com anotações, as colunas do meu futuro (quando eu voltar).

Mas agora vejam só como está sendo este início de ano para mim. Ontem, fiquei seis horas submetido à cadeira da minha dentista, nada de dor, tudo de medo.

E depois que virei um verdadeiro Indiana Jones na cadeira de minha competente e admirável dentista, não só pela sua extraordinária técnica em restauração dos meus três dentes cariados, mas principalmente pela sua inexorável paciência em suportar os meus fiascos escandalosos, terei hoje à tarde uma prova mais severa.

É que, se ontem fui à dentista para tratar de minha esfera sensório-cognitiva, hoje à tarde irei a um psicanalista para me submeter a um tratamento de canal.

Comigo é assim, dentista trata da minha alma, porque me inspira dor, psicanalista esburaca o meu corpo.

Tratamento de canal quem me faz é psicanalista, que entra lá no fundo, no âmago, nas raízes da minhas arcadas sensoriais e intelectivas e tenta devolver-me o equilíbrio neuronial.

É preciso salientar que faço também tratamento de canal com psicanalista em face de um masoquismo que possuo desde criança: com psicanalista, tratamento de canal é sem anestesia.

Como dói confessar a verdade para o psicanalista.

Enquanto com a dentista eu exercito o meu prazer hedônico de vê-la apavorada e atrapalhada com meu insano medo, ou seja, com a dentista eu exercito meu sadismo.

Portanto, durante dezenas de dias fiquem sem Paulo SantAna os leitores, mas fiquem os leitores com Pablo e suas colunas antigas.

Serei, portanto, de amanhã em diante, interino de mim mesmo.

O meu fantasma se refugiará durante minhas férias neste espaço, serei também meu próprio ghost-writer.

Garanto que vocês relerão colunas antológicas minhas escritas no passado.

Assino embaixo do que disse Cassius Clay: como posso ser humilde, sendo tudo que sou?

E sou assim quem sou por serdes vós quem sois, sensíveis e bondosos leitores.

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