domingo, 20 de janeiro de 2008



Litoral norte paulista vive boom de luxo

Construtoras chegam a lançar casas de R$ 2,5 milhões com vista para o mar, piscinas privativas e área de até 440 m2

Para prefeitos, falta de boa infra-estrutura e inchaço da população é preocupante; região pode reviver onda de favelização dos anos 1970

AFRA BALAZINA - ENVIADA ESPECIAL AO LITORAL NORTE

JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL


Casas acima de R$ 1 milhão, com no mínimo quatro dormitórios, muitas com piscina privativa com vista para o mar e em condomínios que oferecem inúmeras mordomias aos moradores.

O litoral norte de São Paulo vive um boom do mercado imobiliário de luxo, e algumas praias lembram um canteiro de obras -como os módulos sete e oito da Riviera, com 22 novos empreendimentos.

O crescimento desse mercado beneficia as cidades: aumenta a arrecadação de IPTU, gera empregos e preserva áreas verdes, marketing usado pelas construtoras para atrair compradores dispostos a pagar até R$ 2,5 milhões por uma "segunda" casa de 440 m2.

Por outro lado, os condomínios agravam problemas históricos do litoral norte: a falta de água e redes de esgoto, acesso limitado (a Rio-Santos e a estrada de Ilhabela são as únicas ligações entre as praias), a coleta e a deposição do lixo e o risco de nova onda migratória provocada pelos operários contratados pelas empreiteiras.

A Riviera de São Lourenço, que concentra imóveis de alto padrão, responde por 28% do IPTU em Bertioga, estimado em R$ 51,2 milhões neste ano.

Luiz Paulo Pompéia, diretor da Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio), diz que, somente em Bertioga, há 5.426 unidades novas (em lançamento ou em obras). Estrangeiros, afirma, estão buscando áreas no entorno da Riviera de São Lourenço.

Desde 2006, foram protocolados na Prefeitura de São Sebastião pedidos de aprovação de ao menos dez condomínios. Alguns nem saíram do papel, como um de 16 casas em Camburi. "São todos de altíssimo padrão", diz o secretário Thales Carlini (Obras). "Os poucos terrenos que restaram perto da praia se valorizaram muito."

"O mercado de luxo não vive crise, são pessoas que passam ao largo das crises", diz o empresário João Dantas, presidente da Aconvap (que reúne construtoras da região).

Ilhabela é exemplo disso: a Odebrecht está construindo um condomínio de 140 mil m2 que inclui até uma unidade do spa L'Occitane.

Preocupação

A explosão imobiliária no litoral norte, embora traga empregos e mais arrecadação de impostos, preocupa as prefeituras. Além da crônica falta de água e de redes e tratamento de esgoto, há ainda os congestionamentos, comuns nos horários de chega e saída das praias, e o aumento do lixo doméstico.

Um outro ingrediente nocivo ao ambiente do litoral norte: a migração desordenada de pessoas que vão trabalhar em grandes obras e acabam em áreas de favelas, como já ocorreu entre os anos 1970 e 1980.

Carlini diz que a cidade de São Sebastião tem estrutura para absorver o crescimento imobiliário, com exceção dos sistemas de água e esgoto, de responsabilidade da Sabesp.

No final do ano, bairros da região ficaram sem água e, na costa sul, a rede de esgoto é precária. Ainda há casos de vazamento de esgoto diretamente na areia da praia, como ocorre na orla de Juqueí.

Segundo Carlini, a prefeitura investe 37% do Orçamento, de R$ 294,5 milhões neste ano, em infra-estrutura, incluindo escolas e postos de saúde.

"Essas melhorias atraem investidores. Outro atrativo é o "congelamento" das favelas, que pararam de crescer, mas a Sabesp precisa investir", diz.

A Sabesp, há duas semanas, anunciou investimentos de R$ 469 milhões em todo o litoral paulista em sistemas de água e saneamento básico.

Segundo a empresa, os sistemas de água em Caraguatatuba, Ubatuba e São Sebastião produziram no final do ano 20% a mais em comparação ao mesmo período de 2006. Em Ilhabela, o aumento foi de 50%.

Para o prefeito de Ilhabela, Manoel Marcos de Jesus Ferreira, o que mais preocupa é a superpopulação na cidade com os lançamentos de condomínios -o maior terá 139 casas.

Segundo ele, a aprovação ocorreu antes da mudança no Plano Diretor, que restringiu as construções no município.

"É o momento de todo o litoral norte começar a pensar primeiro na infra-estrutura, colocar o pé no freio e verificar se está preparado", afirma.

Com a construção civil aquecida em todo o Estado, além das grandes obras de estrutura na região -a base de gás e o gasoduto entre Caraguatatuba e Taubaté, a ampliação do porto de São Sebastião e a duplicação da rodovia dos Tamoios-, já falta mão-de-obra.

É o que diz o diretor regional do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil, Antônio Carlos da Silveira. "Com tantas obras, não há pessoal suficiente na região", afirma. Há hoje cerca de 7.000 trabalhadores no litoral norte. "Há mesmo um risco de haver muito mais migração", afirma.

Lixo

Outra questão ambiental latente no litoral norte é a falta de áreas adequadas para depósitos de lixo, o que obrigou a Prefeitura de Ilhabela a encaminhar seus resíduos para um aterro sanitário no Vale do Paraíba.

A coleta de lixo já é complicada, porque as cidades são altamente espalhadas, ao longo da rodovia Rio-Santos, o que exige grandes deslocamentos dos caminhões.

Em São Sebastião, município que se estende por mais de 100 km de litoral, o lixão da praia da Baleia foi fechado em razão de graves problemas de poluição.

Como Ubatuba e Caraguatatuba sofrem o mesmo problema, a solução foi criar um consórcio intermunicipal para criar um aterro regional. O local escolhido foi Caraguatatuba, que, além de estar no centro do litoral norte, ainda conta com áreas livres para o aterro.

Verde ameaçado

Um grupo de jovens que mora em Juqueí teme que a falta de água fique mais comum e que a natureza sofra impacto negativo com o grande empreendimento que a Cyrela lançou no local, de 125 casas.

"É uma grande área verde que vão ocupar, onde encontramos tucanos, lagartos, diversos pássaros", afirmou o balconista Levi Almeida Ribeiro, 19. A propaganda da obra diz que 92% de área verde será "intocavelmente" preservada.

Regina de Paiva Ramos, da Samju (Sociedade Amigos do Juqueí), afirma que o empreendimento é "sério" e que vai respeitar a lei. "Eles se comprometeram a usar mão-de-obra local e vão construir sobre pilotis [conjunto de colunas] para evitar a impermeabilização e o desmatamento", diz.

Para a chef de cozinha Andréa Garcia Lopes, que mora há 17 anos na Itália e passa as férias no Brasil, um empreendimento para 42 casas não deveria ser feito em Paúba.

"Não tem nada de bom nisso. A cada ano que eu venho há menos mata. Quem vem em busca de natureza vai procurar outro lugar", diz.

O comerciante Alexandre Zeronian, que trabalha em Paúba e depende dos turistas, acredita que a praia não tem porte para receber mais pessoas.

"Vai fazer um estrago muito grande, vai precisar de mais encanamento, maior rede de esgoto", diz ele, que vende jóias na praia.

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