sexta-feira, 25 de janeiro de 2008



25 de janeiro de 2008
N° 15490 - Paulo Sant'ana

A competência do coração

O coração não sente ciúme. O coração só ama. Quem sente ciúme é o cérebro. Por isso se diz que o ciúme é coisa da cabeça da gente.

O ciúme é um sentimento tão pérfido, que não cabe no coração. O ódio também não é detonado pelo coração, ao contrário do que muito já se disse. O ódio também vem do cérebro. Por isso é que se diz que estamos com a cabeça quente.

O coração só ama. Ternura vem do coração. Tolerância vem do coração. Bondade só vem do coração.

Quando alguém trai a quem ama ou estima, é porque o coração foi superado na luta que ele mantém contra os outros órgãos.

Não existe mau caráter original. O caráter só será mau quando o coração não tiver influência sobre ele. E será bom quando o coração o tiver envolvido.

Tanto prova, que é corrente a expressão "mau-caráter". Mas nunca se ouviu dizer "mau coração". Porque no coração só cabem as coisas boas. A lixeira do homem está em outras partes, algumas bem notáveis, do seu corpo. No coração não cabe nem um argueiro.

O coração é a parte nobre do corpo humano, todas as outras são plebéias, porque se conspurcam.

A bênção sai do coração, o impropério salta do cérebro. Saudade nasce no coração, rancor vem do cérebro.

Quem dispara a lágrima é o coração. Quem dispara o revólver é o cérebro.

E sempre se travará a luta, descrita pelos filósofos, entre o cérebro e o coração. E o incrível é que nessa luta, vença quem vencer, a razão sempre está com o coração.

Quando enfrenta o coração, o cérebro perde a razão. "E o coração tem razões que a própria razão desconhece."

Razão só tem aquele que tiver coração. Coração só tem aquele que mostrar boa razão.

O cérebro é, portanto, um mero rival do coração. E o homem se corrompe quando o cérebro toma o lugar do coração.

Eu às vezes amo tanto, que penso que tenho dois corações, o segundo no lugar do cérebro. Sem cérebro, eu enlouqueço de tanto amar, porque só o cérebro pode travar a corrida alucinada do coração para o amor.

Daí que quem pensa não ama, e quem ama não pensa.

Se o destino tiver que escolher entre me avariar o cérebro e o coração, que me preserve o coração e dane-se meu cérebro. Mil vezes ser um encefalopata do que um cardiopata.

Prefiro vegetar como um idiota, mas tonto de amor.

(Crônica publicada em 28/01/1997)

Nenhum comentário: