segunda-feira, 21 de janeiro de 2008


MOACYR SCLIAR

O amor motorizado

Fazer amor numa limusine como aquelas de filmes americanos. Não poderia haver afrodisíaco maior

Um "estacionamento do amor" vem causando polêmica em uma cidade de Cremona, Itália. O local dedicado aos amantes foi aberto no início do ano apesar dos protestos de um grupo de moradores.

Com custo de 10 euros [cerca de R$ 26] por 90 minutos em um box coberto, os amantes podem fazer o que bem entenderem dentro de seus carros. Folha Online, 11 de janeiro de 2008

Casais fazem de limusine motel ambulante. Por R$ 450 a hora, carros de luxo são alugados em SP para serem cenário de namoro, com pétalas de rosa e champanhe. Cotidiano, 20 de janeiro de 2008

QUANDO SE CONHECERAM ele tinha uma moto. Uma moto velha, precária, mas era a sua moto, a moto que lhe permitia viver belas aventuras: colocava a namorada na garupa e seguiam os dois para uma praia ou para um lugar deserto, onde faziam amor, sob a luz das estrelas.

O que, claro, envolvia certos riscos, sobretudo o de assaltos. Não poucas vezes tiveram de fugir às pressas.

Numa dessas vezes ele dirigiu a moto nu até a delegacia de polícia mais próxima e quase foi preso por atentado ao pudor. Estas coisas, contudo, não o assustavam; ao contrário, e segundo ele próprio dizia, davam mais emoção ao sexo. Com o que ela não concordava.

Como o namorado, era de família pobre; mas, diferente do namorado, sonhava com segurança, com conforto, com luxo mesmo. E foi ela quem ouviu falar do "estacionamento do amor". Bem, aquilo era melhor: pelo menos estariam protegidos.

O problema é que não aceitavam motos no lugar. Ele teria de comprar um carro. Para isso, sua grana era curta; mas, por insistência da namorada, arranjou mais um emprego, tratou de economizar e por fim conseguiu comprar um carrinho usado.

Agora sim, podiam ser recebidos no tal estacionamento. E de fato, por algum tempo, ela ficou satisfeita; mas logo começou a se queixar de novo. O carro era muito pequeno, fazer sexo ali era coisa para contorcionista.

Foi então que ela leu sobre a limusine que podia servir de motel. E aquilo, claro, incendiou sua imaginação. Fazer amor numa limusine como aquelas de filmes americanos, com pétalas de rosa e champanhe...

Não poderia haver afrodisíaco maior. De modo que voltou à carga junto ao namorado: queria que o rapaz alugasse uma limusine daquelas, no mínimo uma vez por semana.

Para ele aquilo também era um inusitado cenário de paixão. O problema era o custo: R$ 450 a hora, de onde tiraria aquela grana? E se ficassem presos no tráfego - algo muito possível, dado o tamanho do carrão -a quanto chegaria a conta?

Mas ela não se deixou convencer: se você me ama, disse, prove-o numa limusine. Ele então arranjou um terceiro emprego e alugou a limusine.

A verdade, porém, é que foi uma decepção. A bordo, ele falhou miseravelmente, coisa que ela recebeu com muita irritação. Você não está à minha altura, disse, em altos brados, para que o próprio motorista ouvisse.

Ele não respondeu. Estava pensando em alguém. Uma moça linda, risonha e modesta, que ele colocaria na garupa de uma moto. Seguiriam os dois para uma praia ou para um lugar deserto, onde fariam amor, sob a luz das estrelas. Quanto a ela, só pensa no motorista da limusine.

Nunca o viu, mas tem certeza de que é o homem da sua vida.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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