segunda-feira, 19 de agosto de 2024


19 de Agosto de 2024
EDITORIAL

EDITORIAL

Muito dinheiro, pouca transparência

Já passa da hora de estancar a sangria da distribuição desenfreada de emendas pelo Congresso Nacional sem os mínimos critérios de transparência. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu de forma unânime, na sexta-feira, chancelar as decisões individuais do ministro Flávio Dino que restringiram o repasse das chamadas emendas Pix e interromperam as transferências da modalidade de impositivas até que o parlamento crie regras que acabem com a opacidade dessas práticas.

O melhor que faria o Congresso seria reconhecer que extrapolou em distorções e obscuridades no manejo do dinheiro público e se dedicar a elaborar novas normas para deixar os repasses às claras. Ao que parece, deputados e senadores estão mais preocupados em retaliar o STF do que em cumprir a Constituição.

Turbinar as emendas Pix foi a forma espertamente encontrada para driblar a decisão do STF de 2022 que considerou inconstitucional as emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto. Seu verdadeiro nome é transferência especial. Consiste no envio de recursos para Estados e municípios sem a necessidade de convênio ou formalização da destinação da verba. Isso dificulta a fiscalização, impede a rastreabilidade e abre margem para o mau uso do dinheiro dos contribuintes. 

Sequer há como medir se é um repasse justificável, com resultados para a comunidade pretensamente beneficiada. Princípios constitucionais como os da publicidade, da moralidade e da eficiência são feridos de morte. Intriga a persistência do Congresso em tentar manter opacidade.

Quando restringiu, de forma liminar, o repasse das emendas Pix, Dino atendeu a pleito da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Determinou que governo e Congresso passem a dar ampla publicidade às transferências por emendas, que deverão passar pela fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU). 

Com entendimento semelhante, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, enviou ao STF neste mês outra ação direta de inconstitucionalidade (ADI) sobre o mesmo tema. Argumenta o PGR que a modalidade atenta contra a lógica constitucional de elaboração e execução do orçamento da União, reduzindo o papel do Executivo no emprego dos recursos, e se configura em uma entrega de verba direta a outro ente da federação, sem fiscalização.

O crescimento do valor distribuído por meio de emendas nos últimos anos é reflexo do empoderamento do Congresso diante do Executivo. Deputados e senadores passaram a comandar maiores nacos do orçamento, receber os recursos de forma impositiva e repassar verbas de maneira pulverizada, conforme interesses político- eleitorais. As emendas tornaram-se um instrumento de poder dos líderes do parlamento e uma forma de os atuais membros das duas casas renovarem mandatos. 

O dinheiro, em regra, é utilizado em obras paroquiais, deixando menos verbas para projetos estruturantes, já sufocados com o engessamento provocado pelo avanço dos gastos obrigatórios. Apenas em 2024, está prevista a partilha de R$ 44,7 bilhões em emendas. Dez anos atrás, eram R$ 6,4 bilhões. São distorções em série que precisam ser contidas. 

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