17 de Agosto de 2024
ARTIGO
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O sofrimento acompanha o ser humano do nascimento à morte e tem, no mínimo, três origens, como escreveu Freud: o próprio corpo, pela doença, quando um só vírus ameaça a vida; o mundo exterior, pelas forças implacáveis da natureza, como foi a recente enchente; e, finalmente, as relações com os outros seres humanos, relações ambivalentes que oscilam entre o amor e o ódio, e aí se chega à crueldade que gera tanto sofrimento.
Um sofredor crônico, ao ser perguntado como andava, disse:
- Pior do que ontem, melhor do que amanhã.
Frase de quem, temporariamente, desistiu da alegria de viver, mas ao dizer percebia o quanto chocava seus ouvintes no velho bairro Bom Fim. Uma das perguntas de Freud foi por que as pessoas se viciam em sofrimentos. E ele só descobriu há exatos cem anos, quando escreveu que o masoquismo era anterior ao sadismo, e que todos são, em alguma medida, masocas.
Portanto, quando estamos bem, podem-se buscar motivos para queixas sobre as imperfeições da vida. Sempre se tem motivo para reclamar, para se sentir vítima. A raiz persistente do masoquismo ocorre quando o sofredor, para evitar o desamparo, se submete ao poder autoritário de um familiar, ao fanatismo da fé, que brindam uma segurança imaginária, cobrando o preço da servidão voluntária.
Um mal deste século são as depressões, a vida pesada dos desanimados, dos que ameaçam desistir da vida. Os psicofármacos ajudam, mas são vendidos como as pílulas da felicidade, gerando uma existência artificial. As depressões provocam uma diminuição da autoestima; já a tristeza é uma reação pontual a alguma perda, um fracasso. A tristeza é tão essencial como a alegria, e a tristeza não tem fim, ensina a letra de um samba. A dificuldade do depressivo é a de construir um sentido de vida, pois essa construção é sentida como muito difícil, ou impossível.
A autoestima é essencial para enfrentar as frustrações e os sofrimentos da existência. A autoestima é como um estuário onde os rios que desembocam são a infância e a trama de relações essenciais. Outros rios são sua posição social, racial, sexual. Não é fácil suportar tanto as pressões sociais, entre estas, as familiares, quando são de exigências sem fim.
Autoestima é um desafio e tanto, pois a vida em sociedade é difícil, e conquistar um lugar, um espaço nunca é fácil. Sendo que os mais apoiados, os que têm mais amparo, levam vantagem. Cada pessoa, à medida que se torna adulta, vai ter que aprender a ser seu próprio pai e sua própria mãe, na feliz expressão de Françoise Dolto. Só assim os grandes problemas podem diminuir, os pesos da vida ficarem mais leves e o espanto e o entusiasmo podem seguir abrindo o caminho das avenidas da alegria.
Para atravessar os sofrimentos é indispensável não se isolar na sociedade. Já Shakespeare, em Rei Lear, escreveu: "Quem sofre sozinho esquece suas raízes/ (...) Quando a dor tem irmãos, e a angústia, amigos/ A alma nem sente inúmeros castigos".
Ninguém pode manter o entusiasmo e o espanto sem ter alguma amizade. Uma pessoa, para atravessar o território desértico do desamparo, vai precisar de um amor para compartir a dor e o horror dessa travessia. Os vínculos atuais são essenciais para diminuir os sofrimentos, assim como amigos, livros, artes, natureza. Sofrem os viciados em mortificações, e aí que a psicanálise se pergunta os porquês. Há algo da desistência de viver, expressão da pulsão destrutiva.
Na arte de viver, o homem cria caminhos para se livrar do sofrimento, como o isolamento, a ingestão de drogas, diversos vícios. Felizmente há a via das sublimações, baseadas nas artes, no trabalho e na capacidade de conviver socialmente.
Não existem regras que se apliquem a todos: cada um tem de descobrir como diminuir seu desamparo, mas os capazes de humor diminuem os sofrimentos. _
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