Maldade na separação
Não sei se vocês já passaram por esse constrangimento. Existe uma maldade que é usada na hora da separação, uma desfeita pior do que a fuga do altar. A pessoa decide se separar na véspera de uma comemoração. Termina tudo perto do seu aniversário, ou perto do aniversário do namoro ou casamento, ou perto do Dia dos Namorados, ou perto do Natal, ou perto do Ano-Novo, ou perto de uma viagem acalentada há tempo.
Simplesmente rompe os laços numa data importante para você, no meio dos preparativos, com os convidados confirmados e despesas pagas. Há 366 dias no ano. Tantos dias sem atrativo, sem sol, sem anseios, tantos dias monótonos, por que não escolher um desses?
Porque não teria graça. Não haveria desgaste, tensão, discórdia, pendências, tristeza no adeus. O episódio não seria lembrado como um trauma. Representaria apenas o fim anônimo de um ciclo, a aceitação dos limites.
E a pessoa em questão não admite ser qualquer ex, ou mais uma ex. Carrega um desejo narcisista de se mostrar inesquecível e alcançar a eternidade da mágoa. Mesmo sem nenhum interesse em seguir com a relação, busca dificultar que o outro siga a sua vida e possa digerir a perda com rapidez.
O apego tem perversidades inimagináveis. O ponto que mais machuca é que ela fingiu normalidade nas semanas que antecederam o desfecho, até ajudando nos rituais e compras, até fazendo planos, até palpitando sobre como deveria ser o momento. E não dava para perceber a ruptura iminente, não dava para imaginar o término repentino.
Ela não emitiu sinais claros. Não ligou o alerta. Não começou uma briga. Não estabeleceu uma discussão. Não surgiram estremecimentos. Continuava a rir, continuava a namorar, continuava a conversar como se nada estivesse errado.
Tratava-se de completa e descarada dissimulação. Nada que viesse a ocorrer de ruim ou bom mudaria o seu propósito. Já tinha decorado as palavras derradeiras, não iria recuar, tal bomba-relógio em contagem regressiva.
O que me intriga no comportamento dela é isto: se disfarçou até ali, custava esperar mais um pouco?
Não é que ela não conseguiu aguentar, não é que ela foi honesta, não é que ela obedeceu a sua intuição: programou a data. É um projeto para você sofrer. Para você padecer de dolorida saudade. Para você se sentir mal.
É uma atitude pensada para criar culpa, para gerar falta, para estragar a sua festividade, para arruinar o seu equilíbrio psicológico. É um castigo por você não corresponder às expectativas, e agora não desfruta do direito de ser feliz longe dela.
É um espetáculo que o seu antigo par articula de propósito, porque sabe que todo mundo vai assistir à sua dor, perguntar o que aconteceu, forçar que repita o último capítulo da novela pela enésima vez.
Equivale a uma apropriação indébita de protagonismo, o roubo de sua alegria, manchando para sempre seu calendário afetivo. Uma pessoa que faz isso não só não ama mais você, como também nunca respeitou você. _
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