CONSTRASTES
Conselhos do avô e mudança para uma sede na cidade vizinha
Com uma economia pujante, a cidade de Lajeado possui empresas robustas e conhecidas mundialmente. Fundada em 2006, a STW Soluções em Automação produz peças, células robóticas, esteiras, softwares, entre variados itens, utilizados por outras fábricas. Em menos de 10 meses, resistiu a três enchentes.
- Nunca pensamos em desistir. Vamos continuar independente da situação da região. Entendemos que vai levar tempo para reconstruir. Mas isso inevitavelmente vai acontecer, seja pelas pessoas que aqui estão, seja pelo poder público - assegura um dos sócios-fundadores da STW, Junior André Sulzbach, 41 anos.
Desde o final de setembro do ano passado, os administradores decidiram transferir as principais operações, de forma provisória, para outro ponto, no bairro Campestre. Só permaneceram no endereço antigo de 2,2 mil metros quadrados a parte administrativa e a base de softwares.
A decisão se mostrou acertada. A última cheia do Rio Taquari destruiu a sede anterior que ficava na Rua Bento Rosa, no bairro Hidráulica. Os prejuízos na soma das duas últimas cheias chegam a quase R$ 8 milhões.
Crescimento registrado
Na terça-feira, o empresário acompanhou a reportagem de Zero Hora até o terreno de 8 mil metros quadrados em Estrela, onde será erguida a nova fábrica com pavilhões pré-moldados. Trata-se de uma região alta e sem riscos de inundações, junto ao 386 Business Park. A inauguração deve acontecer no primeiro semestre de 2025.
A STW, que conta com 150 funcionários e não demitiu nenhum durante a enchente, tem linha de exportação para países da América Latina, Itália, Alemanha, Rússia, Turquia, Portugal e Coreia do Sul. Apesar dos imprevistos, a projeção é de encerrar 2024 com 20% de crescimento. A empresa tem ainda filial em Toledo, no Paraná, para onde cogitou se transferir depois da cheia mais recente, e um escritório em São Paulo.
Sulzbach, que chegou a ser resgatado de bote junto de outros dois sócios na inundação de setembro, jamais subestimou o poder do Rio Taquari. Ele traz guardado na lembrança conselhos do avô, que foi barqueiro na região e conhecia o fluxo das águas e das inundações:
- Meu avô estava aqui em 1941. E ele sempre me dizia que após uma enchente vinha outra na sequência. E foi o que aconteceu agora - relata.
Para o empresário, a maior lição deixada é a determinação das pessoas do Vale do Taquari:
- Teve um período de luto, porque morreram pessoas. Mas logo na sequência foi aquele espírito de retomada. Ninguém solta a mão de ninguém. Chego até arrepiar ao lembrar. _
Para empresário, determinação das pessoas da região é lição que foi deixada
Famílias atingidas por deslizamentos de terra em compasso de espera
A reconstrução na Linha Benjamin Constant, na zona rural de Roca Sales, está em compasso de espera. No dia 30 de abril, um deslizamento de terra atingiu a região, que fica escondida entre vales verdes em uma área de geografia verticalizada. Morreram 11 pessoas na região e duas ainda seguem desaparecidas.
Em razão do deslize de solo, árvores e rochas, algumas propriedades rurais foram interditadas pela Defesa Civil municipal. O motivo é por se encontrarem em áreas de risco. E é nessa parte da história que entra o produtor Darcy Funk, 64 anos.
Com as mãos ásperas e cheias de profundos vincos, ele ganha a vida preparando porcos para o abate em sua propriedade de 18 hectares. As terras foram colonizadas pelos seus bisavós, que vieram da Alemanha há mais de um século e subiram o morro abrindo picadas a golpes de facão. Toda a sua vida, história e lembranças estão concentradas na lida da terra e dos animais. Agora, em uma zona de risco, ele não sabe o que fazer, nem para onde ir.
- Não podemos abandonar tudo de uma hora para outra. Vamos sair para onde se não temos ajuda? - questiona.
O deslizamento isolou seu Darcy, a esposa Dulce, 50, e o filho Daniel Mateus Funk, 22. Naquele 30 de abril, parte do morro veio abaixo.
- Parecia um vulcão - recorda seu Darcy.
Os três viram rochas maiores do que tratores rolando abaixo, em meio a toneladas de terra e a troncos de árvores. Saíram correndo em direção à parte mais baixa, onde buscaram abrigo nos vizinhos. Não tiveram tempo de pegar nada. Escaparam com vida.
Por três semanas, a família não teve água, luz, telefone ou sinal de internet. Para descer, especialmente para buscar diesel para o gerador, foi preciso ir de trator pelo meio da vegetação. E dormir se tornou impossível. Qualquer barulho diferente ou começo de chuva deixava todos tensos.
Na propriedade há um chiqueiro com capacidade para abrigar 1,1 mil animais, mas nenhum deles se encontra ali. Desde que houve a interdição, a cooperativa recolheu os porcos e parou de os enviar para o colono. O rendimento dele era de R$ 150 mil por ano apenas no trabalho de engorda dos suínos. Também há 75 animais bovinos, sendo alguns ainda terneiros.
As vacas produzem leite e carne. Os colonos ainda contam com galinhas e plantam milho. Dos 20 hectares plantados, três se perderam em razão do deslizamento. Após o morro descer com força, muitos vizinhos abandonaram as terras e não pensam em voltar. O filho Daniel chegou a investir em terra perto da casa do pai. Agora também está em compasso de espera. O deslizamento chegou perto da casinha que ajeitava em outra parte do morro.
- A ideia é ficar, não é abandonar tudo o que foi construído. Desde meus 10 anos ajudo meu pai na propriedade - menciona.
O Morro do Bicudo apresenta diversas rachaduras. Árvores de grande porte que não sucumbiram exibem as raízes para fora do solo.
- Precisamos de ajuda do município, do governo e das autoridades. Seguir sozinho não vai dar. Estamos em uma zona de risco - preocupa-se Daniel.
"Inviabilizada" O chefe do setor de Engenharia da Defesa Civil de Roca Sales, Jonas Haefliger, confirma que algumas propriedades permanecem interditadas por tempo indeterminado e diz que laudos sobre os riscos estão sendo elaborados. Segundo a Defesa Civil, foram identificados 500 pontos de deslizamentos na região. Será solicitado auxílio ao governo estadual para monitorar e orientar os moradores da zona atingida.
- Hoje, não se tem nenhum programa do tamanho dessa complexidade. A propriedade dele está inviabilizada - observa o coordenador da Defesa Civil do município, Silvio Norberto Zart Neto. _
Dormir se tornou impossível. Qualquer barulho de chuva deixava todos tensos
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