COM A PALAVRA
Ativista no combate ao etarismo e psicóloga com MBA em Recursos Humanos e mestrado em Administração
"Quem ainda não enfrentou esse preconceito pode vir a enfrentar no futuro". Fran Winandy é uma das principais referências no Brasil quando se trata de diversidade etária. Ela foi a primeira a escrever um livro sobre a discriminação de idade. A obra Etarismo: um novo nome para um velho preconceito foi lançada em 2021 e relançada ano passado.
Como surgiu a ideia desses livros sobre etarismo e que contribuições as obras trazem?
Há muitos textos acadêmicos e científicos sobre esse tema, que têm uma linguagem que nem todo mundo consegue acessar. Eu quis escrever de uma forma mais simples, para que todos possam compreender e participar da luta contra o preconceito etário. E para mostrar que o etarismo não é só um preconceito voltado para pessoas mais velhas. Até então, tínhamos muitos textos sobre o preconceito contra idosos, mas nos meus estudos constatei que se trata de preconceito etário, independentemente da idade.
Também quis abordar as intersecções do etarismo com outros pilares da diversidade, como questões de gênero, raça e da população LGBT+. Queria algo que conseguisse atingir as pessoas, para que se sintam desconfortáveis de não participarem desse movimento. Todo mundo pode contribuir de alguma forma, e quem ainda não enfrentou esse preconceito pode vir a enfrentar no futuro.
? Esse assunto ganhou muita repercussão nos últimos anos. Você acredita que esse movimento contra o etarismo vem ganhando força?
Fico em dúvida sobre isso. Quando saio da minha bolha, percebo que muitas pessoas não entendem o meu trabalho, ou nem mesmo sabem o que é preconceito etário. Isso é muito comum. Sempre digo que a velhice é um alvo em movimento. Conforme vou me aproximando do alvo, ele vai indo para a frente e ficando mais distante.
Então, a gente nunca chega lá, porque a gente não quer chegar. A gente acha que envelhecer é algo ruim. Normalmente, um velho não se acha velho. Assim, do mesmo jeito que não falo da morte, não falo da velhice. É um tema que as pessoas evitam. E isso é estranho, porque a gente deveria se preparar para a velhice, assim como a gente se prepara para uma viagem, por exemplo. A velhice é uma etapa importante da vida.
? Com o processo de envelhecimento da população, você acredita que as pessoas vão passar a ter outro olhar para as gerações mais velhas?
Olhando para a nossa pirâmide etária, percebe-se que nós vamos ficar muito mais tempo velhos. Vamos passar mais tempo velhos do que jovens. E o preconceito etário só vai aumentando. A Organização Mundial da Saúde aponta que os idosos são os que mais sofrem com a discriminação etária. Porque nós ainda temos uma sociedade muito jovem-cêntrica. Existe uma associação da beleza com a juventude, e o medo de envelhecer.
Os filtros nas redes sociais mostram isso. Todo mundo acha que vai ser eternamente jovem. As pessoas só começam a se preocupar com a questão etária quando elas entram nessa faixa cinzenta, de estar chegando na velhice. Por exemplo, aos 40 anos, você começa a se sentir excluído do mercado de trabalho, começa a perceber que as pessoas não querem te contratar por conta da idade. Isso começa a te incomodar e você começa a prestar atenção no envelhecimento.
? Qual é o impacto dessa discriminação no mercado de trabalho?
Existe uma dificuldade muito grande de trazer pessoas acima de 50 anos para dentro das empresas. O percentual é muito baixo. Acima dos 60, então, não chega a 1%. E essas pessoas recebem salários baixos, as coisas ainda estão andando bem devagar. Ao mesmo tempo em que existe essa luta para abrir mais espaço para pessoas acima de 50 anos nas empresas, entendo também que temos outra briga, que é entender que não necessariamente essas pessoas terão acesso a emprego, e sim a trabalho. A trabalhos mais flexíveis, como prestação de serviços, talent as a service, esse tipo de coisa.
Porque as empresas ainda não estão com abertura para contratar pessoas acima de 50 anos. Só que se nós estamos envelhecendo e tendo menos filhos, então, temos menos pessoas no mercado. Hoje, ainda não é uma necessidade do mercado de trabalho trazer pessoas acima de 50 anos, mas amanhã será. E se eu, como recursos humanos, não preparo as minhas lideranças para isso, como é que vou resolver isso depois? Nos países desenvolvidos já existe esse problema da falta de mão de obra. E no Brasil não vai ser diferente.
? Como as organizações devem agir para combater essa discriminação?
Normalmente, as empresas querem ficar no raso. Elas querem uma palestra sobre etarismo na semana da diversidade, ponto. E aí você não avança, não aprofunda. As empresas têm de ser intencionais em tudo. Tem de ser feito um balanço etário, tenho que olhar como está a minha pirâmide dentro da organização, buscar pessoas para completar esse mapa dentro da empresa. Por exemplo, se só tenho pessoas abaixo de 50 anos dentro da empresa, ou tenho um percentual muito pequeno de pessoas acima de 50 anos, vamos mudar isso. No mínimo, vamos refletir o que a gente tem na nossa sociedade e o que temos dentro da organização.
? Se o etarismo não é só contra pessoas idosas, quais são os impactos para as demais faixas etárias?
As pessoas mais jovens sentem questões relacionadas à falta de credibilidade, dificuldade quando vão encarar um cliente, por exemplo. Ou quando você vai num médico, por exemplo, você leva seu bebê num pediatra e você acha que esse pediatra é muito jovem, não leva a sério. Comecei a ouvir relatos de pessoas trazendo esses preconceitos em relação a outras fases da vida. A pressão na mulher para que ela engravide, por exemplo.
Nas empresas, vejo muito as pessoas mais velhas falando que a juventude não tem comprometimento, que não gostam de trazer a geração Z para o time porque as pessoas mais jovens perdem a paciência e saem da empresa, não querem fazer um trabalho profundo, não aguentam ouvir críticas, são cheias de "mimimi". Isso é etarismo, se eu digo que não vou contratar uma pessoa mais jovem no meu time porque ela não se compromete, porque é superficial. São estereótipos que os mais velhos atribuem aos mais jovens. Assim como os mais jovens dizem que os idosos são muito teimosos, ou que não conseguem aprender nada de novo.
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