O que posso ensinar para os filhos?
Analógico, egresso de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, guardo contundentes marcas culturais. Estou preso ao meu sotaque na alegria e na dor.
Já quem nasceu no período digital não tem um lugar específico de adoração. Qualquer lugar é lugar. É uma linhagem moldada pela adaptação, pela mobilidade, impactada pelos efeitos migratórios, pela imaterialidade das redes sociais. Você se conecta a todos os pontos e pessoas do mundo - o inglês é uma segunda língua. Você não precisa mais ter residência fixa, o que modificou o DNA das emoções.
Não posso dizer que no meu tempo era melhor. Posso apenas expor as diferenças, as formações distintas.
Eu fui criado com apego ao bairro, ao que acontecia com os meus vizinhos. As fofocas tinham preferência em detrimento das notícias. Quanto mais perto de mim, mais importante. Mal viajei quando pequeno. Em compensação, conhecia cada rua, cada beco como se fossem o mapa de minhas veias.
Eu mandava cartas de amor para as colegas de quem gostava. Esperava a resposta. Eu batia na porta de casa dos amigos sem saber se eles estariam ali. Hoje ninguém aguarda coisa alguma. Respostas são imediatas, resolvidas em segundos.
A nova geração não sofrerá como eu nas relações amorosas. Não arcará com fossa, amargura, dor de cotovelo. Não verá o tédio passar pela janela nem provará da gravidade lenta das horas. Pois existem novas oportunidades de convivência a cada avatar.
Tampouco se manterá presa à dinâmica de um bairro: não tem seu açougue, não tem seu supermercado, não tem sua padaria. Qualquer café é a chance de abrir o laptop ou acessar a internet com o celular. Não faz questão de se sentar à mesa no almoço ou no jantar. Come caminhando. É tudo portátil. Ou seja, o essencial é estar indo, estar ocupado.
Portanto, cheguei à conclusão do que devo ensinar aos filhos: a saudade. Porque eles não dispõem da saudade como matéria farta na rotina. O apego não é algo natural, orgânico.
Inventei assim o nosso dia da pizza, o nosso dia da galeteria, o nosso dia do churrasco. Vamos sempre para os mesmos restaurantes e pedimos sempre os mesmos pratos. Ocorre a fixação da memória a partir de cenas exaustivamente repetidas. Quando eles sentirem saudade de um desses locais, eles vão sentir também saudade de mim.
Levo os filhos para o estádio desde bebês de colo. Eles seguem frequentando as arquibancadas sem a minha presença. Encontrei um jeito de estar eternamente presente, como penetra em seus corações. Os avós são as raízes. Na condição de pai, pertenço aos galhos. E os filhos são as folhas.
Os avós não largam seu lar, com uma dedicação para a vida inteira, por isso representam as raízes. Eu permaneço entre duas dimensões. Como galho, sou ainda madeira, mas me localizo no alto.
Já as folhas podem voar com vento forte, podem correr pelo chão, podem se desvincular da árvore, podem desaparecer ao longe. Meu papel é fazer a folha continuar se enxergando como parte do tronco, embora presa por um frágil caule. Que ela não esqueça a sua origem. _
Cheguei à conclusão do que devo ensinar aos filhos: a saudade. Porque eles não dispõem dela como matéria farta na rotina
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