Entenda o que é o metaverso e por que ele pode não estar tão distante de você
Empresas brasileiras projetam expansão e melhora da tecnologia de realidade virtual, com novas funcionalidades para o público
Metaverso ainda se concentra nos videogames, mas deve se expandir e chegar a outras áreas do dia a dia
Freepik/tirachardz - João Pedro Malardo CNN Brasil Business*
Quando o Facebook anunciou em 2021 a meta de se tornar uma “empresa de metaverso” em até cinco anos, o termo ficou em alta, mas também gerou muitas dúvidas sobre um conceito ainda desconhecido pelo público em geral.
Isso não significa, porém, que o metaverso está distante do dia a dia das pessoas. Pelo contrário, diversos projetos e produtos já empregam isso.
Empresas do setor de realidade virtual entrevistadas pelo CNN Brasil Business afirmam que, agora, a tendência é de uma expansão e melhora tecnológica que deverão tornar o metaverso mais realista, conquistar um público cada vez maior e abrir uma nova fronteira de mercado.
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O que é o metaverso?
Luli Radfahrer, professor do curso de publicidade e propaganda da USP, afirma que a ideia do metaverso não é algo novo. “É um termo que surge na década de 1980 da literatura cyberpunk, com o livro ‘Snow Crash’”, diz.
A ideia representa a possibilidade de acessar uma espécie de realidade paralela, em alguns casos ficcional, em que uma pessoa pode ter uma experiência de imersão. Tecnicamente, o metaverso não é algo real, mas busca passar uma sensação de realidade, e possui toda uma estrutura no mundo real para isso.
A partir dessa ideia de imersão, diversos metaversos surgiram com os videogames. “A tecnologia só dá certo se tem uma aplicação essencial, e para o metaverso, é o jogo, pois faz sentido uma imersão em outro mundo, interagir com as pessoas. Já existe há muito tempo, uma espécie de metaverso”, afirma o professor.
Desse modo, o grau de “metaverso” dos jogos varia pelo nível de imersão, e também pela capacidade de passar um certo realismo para o usuário. A tecnologia, porém, é um grande fator que limita essa capacidade.
“Quando a internet se popularizou na década de 1990, existiam várias tecnologias que, em teoria, permitiriam o metaverso, em especial voltado para realidade virtual, criação de espaços 3D, mas não deu certo. No começo do século 21, teve o [jogo] Second Life, muitas empresas gastaram fortunas para estar nele, e era um metaverso, se vendia como. Mas não emplacou”, afirma Radfahrer.
Second Life
O jogo ‘Second Life’ (“Segunda Vida”, em português) é um dos exemplos mais famosos de jogos que investiram na ideia do metaverso, com criação de avatares e interações sociais / Reprodução/Second Life
Para ele, o motivo do fracasso de experiências que investiam mais no aspecto do metaverso, com criação de avatares e “vidas” paralelas, se deu por dois fatores. O primeiro era uma limitação tecnológica, exigindo uma grande capacidade de processamento em uma época em que as conexões de internet eram lentas. Em segundo lugar, houve a expansão das redes sociais.
“As pessoas acharam substitutos razoavelmente bons para ter um avatar completo, substitutos até melhores, como criar identidades no Facebook, Twitter, em que consegue exercitar já parte da sua personalidade sem precisar “carregar” um corpo junto”, diz.
“Metaverso já existe há muito tempo, funciona bem em games, e para aí, porque as pessoas não veem necessidade. Se vissem, já tinha ganhado espaço”, considera ele.
Porém, para gigantes de tecnologia que passaram a investir em realidade virtual e no próprio metaverso, caso do Facebook e da Microsoft, o cenário mudou, ou está prestes a mudar.
A aposta agora é que novos avanços tecnológicos permitirão, primeiro, um barateamento maior dos aparelhos de realidade virtual, atingindo um público maior, e a melhoria dos gráficos que eles geram, aumentando o grau de realismo.
Com isso, as pessoas seriam mais atraídas para essas novas realidades, em que seria possível criar avatares, interagir com amigos, fazer compras, reuniões, ir ao trabalho ou à escola.
Radfahrer considera que o movimento do Facebook liga-se também a uma tentativa de “criar uma liga alternativa” de consumo de produtos – a empresa comprou a Oculus, produtora de óculos de realidade virtual -, após perder o timing para entrar em mercados como o de smartphones e assistentes virtuais domésticas.
Aplicativo do Facebook permite fazer reuniões em realidade virtual
Primeiro teste do Facebook envolvendo o metaverso é um aplicativo de reuniões em realidade virtual / REUTERS
“É bom que trabalhem com isso para forçar a ponta da tecnologia, mas acho que por enquanto [o metaverso] vai estar mais em eventos, coisas especiais e games, não pro dia a dia. As pessoas precisam arrumar o patamar [tecnológico atual], não ir para outro”, defende.
Empresas brasileiras veem a expansão do metaverso com otimismo
Para as empresas de tecnologia de realidade virtual, a expansão do metaverso é algo esperado há um bom tempo. É o caso da Nexus VR. Fundada em 2013, a empresa chegou a trabalhar internamente com o conceito de metaverso em 2014 em um projeto. Entretanto, a ideia não foi para frente devido à recusa de financiamento por fundos norte-americanos.
“Eles tinham a leitura de que o mercado não estava pronto porque os equipamentos eram recentes e caros”, afirma Felipe Coimbra, diretor de tecnologia da empresa. Para ele, a grande mudança que o Facebook pode trazer é a transformação do metaverso não como entretenimento, mas como serviço.
Ele cita oportunidades em áreas como educação, e-commerce, aprendizado e também para o consumo. Hoje, a Nexus VR desenvolve projetos, eventos e treinamentos para empresas com tecnologias de realidade virtual, realidade aumentada e a chamada mixed reality, além de peças publicitárias e showrooms de projetos imobiliários.
Para Coimbra, caso o Facebook realmente consiga atingir a meta de se transformar em uma empresa de metaverso, o conceito deverá se popularizar e gerar uma corrida entre as empresas para entrar nesse ambiente. Ele estima que, no máximo, o Brasil demoraria dois anos a mais em relação aos Estados Unidos para que a tecnologia se popularizasse.
Ele espera que, a princípio, as tecnologias novas de realidade virtual sejam voltadas para empresas, que terão dinheiro para financiar projetos, e usadas para eventos, treinamentos, reuniões e trabalho remoto. Conforme a tecnologia se tornar mais barata e despertar a atenção do público, deve ocorrer uma expansão, em um segundo momento.
A aposta da empresa para a popularização da realidade virtual é o chamado cardboard, uma espécie de caixa de papelão em que é possível colocar um celular, que transmitirá o conteúdo de experiência de realidade virtual, com um custo bem menor.
Cardboard
Criado pela Google, o cardboard é uma caixa de papelão que, junto com um celular, cria experiências de realidade virtual / Google/Divulgação
Já a VRGlass, outra empresa brasileira que foi fundada em 2011 e já trabalhou em mais de 200 projetos, aposta na criação de ambientes imersivos que podem ser acessados em um óculos de realidade virtual, mas também através do computador, celular ou tablet.
Um projeto recente da empresa, para um evento da NBA no Brasil, trabalhou com esse conceito, misturando “gamificação com o metaverso”, diz Ohmar Tacla, presidente da empresa. Com isso, é possível que os projetos atinjam um público que, até o momento, não consegue comprar um óculos de realidade virtual.
“O conceito do metaverso é baseado no óculos. Hoje, as empresas estão adotando o conceito de metaverso mas sem se ater muito ao óculos, porque o alcance ainda é muito pequeno”, afirma.
A VRGlass desenvolveu um projeto recente para a NBA que combina gamificação e metaverso, podendo ser acessado por um óculos de realidade virtual ou por um computador / VRGlass
Para ele, o metaverso trabalhará com a integração de uma série de projetos e ferramentas que já existem. “A parte do conteúdo é mais integração, muita gente já está fazendo o próprio metaverso, o Facebook é só mais um exemplo”, diz. A companhia, inclusive, desenvolve um projeto de ensino virtual, que combina metaverso e tenta replicar o ambiente escolar.
Outra empresa que também vê uma expansão do metaverso com otimismo é a VR Monkey. Fundada em 2015, ela desenvolve jogos próprios e para outras empresas e treinamentos para indústrias, trabalhando com realidade virtual e aumentada.
Pedro Kayatt, presidente da empresa, lembra que todo jogo já é um metaverso, então, a expectativa para o setor é de uma melhora tecnológica, de qualidade e um barateamento de produtos, atingindo novos públicos.
Ele cita casos de sucesso recentes de jogos que trouxeram elementos da “vida real” para o virtual, como o Roblox e o Fortnite, que já realizou até shows de cantores no jogo.
Travis Scott no Fortnite
Um exemplo recente de metaverso é o jogo Fortnite, em que o rapper Travis Scott realizou um show usando um avatar do jogo / Fortnite/Reprodução/YouTube
Para ele, a grande mudança será que, “além dessa interação e imersão em ambientes virtuais pela tela do computador, haverá uma evolução para a realidade virtual”. Ele lembra que o setor já teve um salto grande, com barateamento, portabilidade e melhoria dos gráficos, e isso deve continuar.
“A tendência é de direcionamento para esse mundo, em que estaremos cada vez mais mexendo com VR em um sistema diário. E o mercado vai expandindo”, afirma.
“Existe uma barreira de entrada grande por ser uma nova mídia. É algo muito diferente para quem não conhece. Se nunca experimentar, não vai saber o que é possível fazer com ela. Como as pessoas não sabem o que é, tem medo, e não sabem o potencial”, diz.
Quais os desafios para a expansão do metaverso no Brasil?
Para Felipe Coimbra, a principal dificuldade para atingir um público maior no Brasil ainda é o preço alto dos dispositivos de realidade virtual. “Naturalmente, em algum momento essa tecnologia vai estar acessível, igual o smartphone. Há um esforço de empresas de transformar o VR em algo acessível”, diz.
Apesar disso, ele considera que o setor “está pronto para contribuir com o desenvolvimento desse ecossistema” no Brasil, já que o país já está alinhado com essa tecnologia.
Já Ohmar Tacla considera que ainda existem desafios que precisarão ser superados. “Ainda hoje não estamos em um nível muito avançado, o equipamento tem o mesmo nível de processamento de um celular, então, o gráfico não é muito realista”, afirma.
Ele diz que esse cenário mudaria com a chegada da tecnologia 5G no Brasil. “Para chegar realmente em um metaverso, sem choque com a realidade, precisa do 5G, que dá mais processamento, que ocorre fora do computador, em um servidor remoto, o que facilita, torna os gráficos mais realistas”.
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Kayatt pondera que esse processo pode levar tempo, mas que o cenário para o setor de realidade virtual será diferente em cinco anos. A grande expectativa, afirma, é que os óculos de realidade virtual tornem-se realmente óculos comuns, o que pode facilitar a adesão ao produto.
Pandemia é vista como aceleradora do metaverso
Em um contexto em que as pessoas precisam ficar mais tempo em casa, evitar aglomerações e lidar com a falta de festas, a possibilidade de poder interagir com amigos, fazer reuniões, compras e ir em eventos sem correr riscos pode se tornar mais tentadora.
Por isso, a própria pandemia fez com que mais empresas olhassem para o metaverso com atenção, algo impulsionado pelos avanços tecnológicos recentes.
A demanda por digitalização com a pandemia foi sentida pelas próprias empresas entrevistadas, que citaram uma busca maior de companhias que queriam realizar eventos empresariais de forma remota, mas mantendo um certo realismo, evitando ficar refém das telas de videochamadas que acabam sendo cansativas.
“Todo mundo quer inovação. A pandemia mexeu muito com tudo, acelerou tudo. Tudo que envolve o metaverso a gente já vivenciou isoladamente. A questão é colocar tudo em um ambiente só”, afirma Marcelo Santaniello, diretor de operações da Nexus VR.
A Nexus VR e a VRGlass notaram um aumento do interesse de empresas na criação de espaços virtuais para encontros, que já configuram um tipo de metaverso. “A realidade virtual cresceu muito no período. Nós trabalhávamos em eventos físicos porque era onde tinha demanda, mas a verba do evento físico passou para os eventos virtuais”, diz Ohmar Tacla.
Luli Radfahrer considera, porém, que o período posterior à pandemia pode ser um desafio para a expansão do metaverso. “As pessoas querem se livrar [do virtual], vai ter um retrocesso, elas até podem querer trabalhar em casa, mas está todo mundo louco pra se encontrar”, afirma.
Quatro pessoas sentadas usando óculos de realidade virtual
Para o professor Luli Radfahrer, a ânsia pelo presencial após a pandemia pode atrapalhar a expansão do metaverso / Unsplash/ Lucrezia Carnelos
“A ânsia pela presença pode atrapalhar, mas ainda vai demorar de um a dois anos para os equipamentos se popularizarem, e aí talvez o sentimento já vai ser o inverso”, diz Pedro Kayatt.
A perspectiva foi compartilhada pelas outras empresas, que esperam que a demora para a disseminação da realidade virtual e do metaverso façam com que as pessoas já tenham perdido a ânsia pelo presencial, e inclusive queiram retomar parte da vida virtual.
“Pelo lado das empresas, o uso do VR deve aumentar porque o custo é menor do que fazer uma reunião ou evento físico, então, conseguiram perceber que a versão virtual entrega até resultados superiores, mais gente, mais tempo no evento”, afirma Tacla.
A expectativa para os próximos anos é de uma espécie de “oceano azul” para empresas do setor, ou seja, um ambiente com grande potencial de ganhos e com pouca competição.
“A pandemia mostrou que as pessoas têm a capacidade de trabalhar remoto, o que antes era algo inesperado, manter produtividade no remoto. Mas o remoto tem suas limitações, e o metaverso é uma forma de trabalhar isso. A realidade virtual te transporta para outro mundo, e o foco fica nele”, diz Kayatt.
*Sob supervisão de Thâmara Kaoru