J.J. CAMARGO
"Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária." (Karl Marx)
Claro que tendo sido sacudidos por comportamentos bizarros, com tamanha intensidade, era previsível que adotássemos uma atitude reativa que somasse o espanto do inusitado com a reconhecida capacidade de indignação do ser humano, principalmente quando amedrontado. O que a retrospectiva desses 18 meses de desvario ressaltará para a posteridade como mais chocante será o sentimento de que alguém, se sentindo dono de uma determinada opinião, se sentisse livre para usá-la com o descompromisso de não precisar sustentá-la e sem medir as consequências.
E então, servindo-se da desorientação generalizada e beneficiados pela liberdade de expressão (um direito convenientemente mal definido), pareceu natural que a lata do lixo da internet fosse transformada em reservatório técnico capaz de abastecer de informações pretensamente confiáveis desde o palpiteiro inofensivo até o radical paranoico e perigoso.
E o dano foi maior porque a falta de cultura geral induz a acreditar que tudo o que está escrito em algum lugar deve ter, ao menos, um fundo de verdade.
Então, inundados de caos, nos sentimos cercados de absurdos teóricos ungidos da aparência de verdade absoluta, funcionando como azeite e vinagre para temperar a salada de argumentos ridículos a serviço de pretensões delirantes.
Quando tudo já parecia complicado demais, ainda tivemos que filtrar o viés do interesse econômico, reconhecido como mais eficiente triturador da imparcialidade.
E então a espiral de loucura extrapolou, quando um pessoal com pálido verniz acadêmico se sentiu liberado para emitir pareceres científicos e, empolgados com a convocação da mídia e deslumbrados com a identidade reluzindo no rodapé do monitor, foram transformados agudamente em oráculos do conhecimento e soltaram o verbo, confiando, com justiça, que a imensidão dos ouvintes, do outro lado da telinha, sabia ainda menos.
A primeira e triste percepção foi de uma formação universitária deficiente, a ponto de, na segunda frase, deixar evidente que a curiosidade é importante, mas não suficiente para "ler" um artigo científico.
A crise sanitária, com a mortandade andando a galope, soprou as brasas da afoiteza, um dos obstáculos fatais para ciência mais elementar. A principal imposição da pandemia foi submeter a ciência à urgência, sendo essa a antítese da metodologia básica que exige coleta de dados, critérios de elegibilidade, pareamento de grupos, duplo cego, comparação de resultados, repetição em outro ambiente, espírito científico como sinônimo de isenção, além de um atributo que não se sabia tão raro: honestidade intelectual.
Como explicar a alguém que nunca trilhou esses caminhos que o principal objetivo da ciência é fugir da insegurança da probabilidade e da insensatez da paixão?
Se você não tinha noção desses fundamentos, não se puna exageradamente, apenas trate de proteger a sua autoestima e, em nome dela, cale-se.
Nem tudo é culpa sua. Mas nada justifica a sua adesão gratuita a um de dois grupelhos lamentáveis: o dos incautos, que por desinformação se associa ao clube dos inocentes úteis, ou o dos canalhas, que defendem o que não creem por interesses escusos.
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