sábado, 18 de setembro de 2021


18 DE SETEMBRO DE 2021
BRUNA LOMBARDI

MESTRE DA BEAT GENERATION

Eu estava morando em Los Angeles quando comecei a estudar a Beat Generation. Estava lendo Jack Kerouac, um dos representantes do movimento que deu início às grandes transformações da sociedade. Foi na raiz dessa contracultura dos anos 1950 que mudaram padrões e valores, surgiram novas ideias de igualdade, diversidade e liberdade na América e no mundo. Havia uma busca espiritual, o estudo de religiões nativas e orientais em contraponto ao exacerbado materialismo econômico vigente. Havia a excitação de experimentos com drogas psicodélicas e uma bandeira de liberação de toda a repressão sexual. Tudo isso misturado refletiu em muitas áreas do pensamento, na literatura, na psicologia, gerando um novo comportamento. Essa atitude não conformista, espontânea e criativa se tornou o o estilo de vida dos novos bohemian hedonistas. Na década seguinte, isso geraria o movimento hippie, transformando valores das futuras gerações tanto na arte quanto na vida.

Vocês já repararam que quando estamos imersos num assunto um monte de coisas relativas a ele aparecem na nossa frente?

Eu estava num avião e cruzava o céu rumo leste dos Estados Unidos, por cima de montanhas cheias de neve. Sempre me sinto bem dentro de aviões, aproveito o tempo desligado do tempo real, para pensar, ler, organizar, imaginar. Parece um tempo livre de milhares de tarefas, reuniões, projetos e todo trabalho acumulado.

Olhei minha agenda e de repente tive a sensação desesperada de que não ia dar conta de tudo o que tinha pra fazer. Desembarquei já bem atrasada para os compromissos do dia e encontrei o Ri, que foi me buscar no aeroporto.

Certas coisas não cabem em nenhuma conduta lógica. Ele me disse que Allen Ginsberg, um dos grandes poetas beat, ia fazer uma palestra naquela tarde numa cidade vizinha, a duas horas de carro pela freeway. A gente se olhou sabendo o risco dessa tentação, mas não deu pra resistir. Parecia um sinal, um presente irrecusável do Universo.

E lá fomos nós, jogando tudo pro alto, eu trocando de roupa dentro do carro e rindo porque o nome da tal cidade era Ventura. A vida brinca, né?

Todo meu trabalho iria atrasar tanto, que eu teria que passar noites em claro para compensar essa aventura. Mas valeu cada minuto. O que move a vida é essa incontrolável curiosidade e paixão.

Lá estava ele, Allen Ginsberg, com seu inesgotável carisma e todo um código de informações em cada poro.

Sempre tive a sorte de conhecer pessoas memoráveis, que fizeram parte do meu imaginário e me deram lições de sabedoria. Cada uma parecia a peça de um imenso quebra-cabeças que eu procurava montar para entender o desenho.

E esse encontro foi um dos belos presentes que ganhei. A amizade já na última etapa da vida desse fabuloso poeta. Conversamos muito, e quando ele voltou para Nova York continuamos a falar por telefone. Budismo, poesia, religião e humor sempre faziam parte da conversa.

Depois de um tempo, ele se foi. Ainda tinha tantas coisas que eu queria saber?

" Eu vi as melhores mentes da minha geração destruídas pela loucura?", escreveu ele em Uivo (Howl). Mas ele transcendeu.

BRUNA LOMBARDI

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