Acendedores e cobradores
Peguei bonde e elevador com ascensorista nesta cidade que se aproxima dos 250 anos com esquinas ocupadas por malabaristas mambembes, vendedores de quinquilharias e portadores de cartazes dramáticos na ortografia e no significado. Dos acendedores de lampiões apenas ouvi falar. Claro, conheço as fotografias antigas e o belo poema de Jorge de Lima que compara o extinto trabalhador da iluminação pública a pregadores de crenças e ideologias. Um e outros, na visão do poeta, vão acendendo suas luzes artificiais para o bem e para o mal.
Assim é, também, a tecnologia do nosso mundo digital. Ao mesmo tempo em que facilita e prolonga a vida humana, cria e destrói profissões (veja-se a luta desesperada dos cobradores de ônibus), além de possibilitar a disseminação descontrolada de ideias diversas, nem sempre construtivas. Acendedores de multidões não precisam de escadas e hastes para exercer suas atividades incendiárias. Bastam alguns cliques.
Pena que esse imenso potencial mobilizador venha sendo usado mais para acirrar disputas pelo poder do que para melhorar a vida das pessoas. Observe-se, por exemplo, o contraste dos cartazes ostentados nas ruas: uns, escritos até em inglês, pedem soluções autoritárias para o país; outros, rabiscados a carvão, pedem comida, emprego, qualquer tipo de ajuda.
Ora, a ajuda que a tecnologia e seus dominadores poderiam dar, se os governantes pensassem mais no país do que na própria reeleição, é melhor educação e mais saúde para todos, formação adequada e oportunidades para os brasileiros ameaçados pela crise econômica, pela desigualdade social e pela inexorável transformação digital.
Os cobradores de ônibus, com esse crachá, dificilmente sobreviverão às mudanças vertiginosas por que todos estamos passando nestes tempos pandêmicos, mas o desejável é que saiam do ofício anacrônico preparados para uma atividade melhor, que lhes permita sobreviver com dignidade, sem ter que ir para os semáforos com cartazes de humilhação.
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