RICOS E POBRES
O rico não quer ser pobre, e o ser pobre não quer a pobreza do rico. Qual a riqueza, que um tem e outro não, e qual a pobreza, que outro tem, mesmo rico? Qual a matéria que a um falta e a outro sobra? Ouro, disse Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.), quem procura racha muita rocha e pouco acha (fr. 22). Outros, em outras obras, carregam muita pedra sem ouro ver, ou, em outra rota, até acham ouro, mas um outro carrega. E se um guardar só para si o ouro, será riqueza? Quando um perde todos os dobrões, deixa de ser o que pensava ser, e vê o tempo no espelho de aflições dobradas, pelo que não tem e pelo que deixou de ter. E outro, se obtiver o ouro com que sonha, saberá ser rico sem ser pobre? E se o pobre nada quiser, apenas sobreviver, nem rico nem pobre, será pobre ou será rico? E o rico que não quer ser pobre, teme a pobreza ou só teme ser pobre?
Riqueza e pobreza não são dons naturais, mas fatos históricos regulados por parâmetros sociais, portanto variáveis nas diversas épocas e civilizações. Nas primeiras cidades, na era neolítica (9.500-3.200 a.C.), na Anatólia, havia pouca desigualdade, em cenários de economia comunitária e coabitação intensa. Na aurora do Estado, porém, com a domesticação das águas no Egito e na Mesopotâmia, iniciou-se agudo acúmulo de riqueza, fruto da progressão geométrica das sementes e da apropriação do excedente por monarcas (faraós e reis guerreiros), com amparo de sacerdotes e burocracia letrada. No apogeu desse processo, ergueram-se, com muita rocha e pouco ouro, as maiores obras da história da humanidade, as pirâmides de Gizé, para sepultar meia dúzia de ricas criaturas.
No século VII a.C, no reino da Lídia (Ásia Menor, hoje Turquia), cunharam-se as primeiras moedas, aperfeiçoadas nas cidades gregas; a economia monetarizou-se com as corujinhas de Atenas (séc. V a.C.) e com as tetradracmas de Alexandre (356-323 a.C.) e sucessores. O Império Romano floresceu com direito às crises da economia monetária: hiperinflação, fortunas exorbitantes e endividamentos brutais. Muito antes disso, porém, a pólis grega teve que enfrentar a tensão social produzida pelo desequilíbrio econômico, e encontrar soluções em prol da harmonia e da unidade e força das comunidades.
Sólon de Atenas (638-558 a.C.) tratou disso quando impôs o perdão das dívidas e a libertação e repatriamento dos atenienses escravizados e legislou por uma cidade menos assimétrica. Seu Poema da Eunomia (boa norma) exorta para que os ricos moderem a arrogância (hybris) e deplora como alguns cidadãos "persuadidos por riquezas", com "líderes do povo, com pensamento injusto", organizados em reuniões privadas, querem destruir a grande cidade, "sem poupar bens sagrados e públicos". Com isso, abalam os pilares da justiça, produzem miséria e sobrevém a guerra civil (stásis); do egoísmo de poucos advém o mal para todos. Assim um sábio viu o mal efeito da riqueza, quando destrói a cidade.
Não há mal na riqueza nem bem inato na pobreza, mas há um preço no excesso (hybris), e quem o paga não é só quem deve, mas a cidade e todos. A bela riqueza é a justa medida.
FRANCISCO MARSHALL
Nenhum comentário:
Postar um comentário