terça-feira, 14 de setembro de 2021


14 DE SETEMBRO DE 2021
NÍLSON SOUZA

O senhor do otimismo

Estou lendo Humanidade - Uma história otimista do homem, best-seller do holandês Rutger Bregman, que defende a quase inacreditável tese de que o ser humano está programado para a bondade e a cooperação. Depois de guerras mundiais, duas bombas atômicas, séculos de escravidão e incontáveis atrocidades, sempre me pareceu que estamos mais programados para o egoísmo predatório do que para a colaboração. Mas o jovem historiador é convincente, escreve bem e sustenta sua teoria em pesquisas e fatos reais. Mexe com as nossas crenças.

Num dos episódios mais interessantes de sua narrativa, ele desconstrói O Senhor das Moscas, leitura fascinante da minha juventude, que valeu o Prêmio Nobel de 1983 ao britânico William Golding. Naquele romance, o escritor conta a história de um grupo de adolescentes que sobreviveu a um acidente aéreo e acabou isolado numa ilha deserta do Pacífico, sem comunicação com o mundo externo e sem qualquer adulto por perto. A convivência vira uma selvageria, com disputa pela liderança, agressões, traições e até mortes. Claro, tudo saído da imaginação de Golding e de sua visão da humanidade.

Bregman prova o contrário. Depois de uma pesquisa insana, ele descobriu um episódio real semelhante, em que seis garotos do arquipélago de Tonga naufragaram e passaram quase dois anos vivendo sozinhos numa ilha isolada. Só que, ao contrário dos meninos brigões do romance premiado, esses se organizaram, formaram uma pequena comunidade e conseguiram sobreviver em paz até a chegada do resgate. Além disso, construíram amizades para toda a vida.

A história fictícia, cheia de maldades, inspirou os reality shows televisivos que atraem a atenção de milhões de espectadores. A história real, edificante, permaneceu quase no anonimato.

Nem tudo me agrada no instigante livro do holandês. Além de acusar William Golding de ter passado para o romance o amargor de sua vida de alcoólatra depressivo, Bregman demoniza a mídia, atribuindo-lhe a maior responsabilidade pela cultura do individualismo, do medo e da desconfiança. Que mídia? Podia ter sido mais específico. Como dizia o Barão de Itararé sobre a presença de militares no governo, a generalização me incomoda.

NÍLSON SOUZA

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