20 DE SETEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA
A noite que passei no Palácio do Prazer
Eu andei de trem húngaro. Está certo, faz tempo, mas a impressão que tenho é de que os nossos trens húngaros não perdiam para o TGV francês ou para o trem-bala japonês. Era um trem confortável, quase luxuoso, só que com a passagem cara para quem mal começava na profissão, como o degas aqui, no início dos anos 80.
Naquela época, eu trabalhava no famoso Departamento de Promoção e Assessoria de Imprensa da Livraria, Editora e Distribuidora Sulina. Meu chefe era o Sérgio Lüdtke. Um dia, recebemos a incumbência de organizar a sessão de autógrafos do livro Um Hóspede na Sacada, do Liberato Vieira da Cunha, em Cachoeira do Sul.
Bem. O Liberato e o Sérgio são de Cachoeira do Sul. Logo, o lançamento do livro certamente seria um sucesso. Tanto que o próprio dono da Sulina, o Leopoldo Boeck Filho, decidiu que compareceria ao evento.
Às vezes repito umas histórias, mas acho que essa nunca contei, devido ao seu desfecho comprometedor para mim e para o Sérgio. Mas agora vou em frente. Seja o que Deus quiser.
Eu gostava muito do Leopoldo, mas sentia certo medo dele. Afinal, tratava-se do capo di tutti capi da firma. Quando ele passava diante do nosso departamento, caminhando com as costas eretas, o queixo erguido de contentamento, nós ficávamos em estado de alerta. "Olha o Leopoldo aí! Olha o Leopoldo aí!"
Naquela noite de autógrafos, o Leopoldo ficou satisfeito. Como esperávamos, foi um evento bem-sucedido. Vendemos dezenas de livros, e o Liberato passou horas fazendo dedicatórias. Depois disso, ele foi jantar com o Leopoldo, que, antes de nos deixar, avisou:
- Vamos voltar nós três de madrugada, de trem húngaro.
Uau! Nunca havia andado de trem húngaro até então. Só ouvia maravilhas a respeito. Não recordo exatamente que hora da madrugada o trem chegaria a Cachoeira, mas o certo é que tínhamos bastante tempo. Como o Leopoldo continuou com o Liberato, num jantar tardio, o Sérgio propôs:
- Vamos ao Palácio do Prazer?
Duplo uau! Palácio do Prazer? Não conhecia, mas, com esse nome, o lugar na certa era alegre. Sorri para o Sérgio: - Palácio do Prazer! É onde quero estar numa noite como essa!
E lá fomos nós. Era uma boate onde garotas jovens e atraentes se dispunham a entreter a clientela, desde que fossem bem remuneradas. Pedimos uns drinques e logo umas três ou quatro pequenas flores do Vale do Jacuí se acercaram da nossa mesa. Empreendemos uma animada conversa, enquanto sorvíamos dos nossos copos e volta e meia gritávamos para o garçom:
- Tábata quer mais um martíni! Decidimos, eu e o Sérgio, que não ousaríamos fazer qualquer proposta romântica para as moças, por absoluta falta de fundos.
Assim, continuamos bebendo e conversando inocentemente, até que chegou a hora de pagar a conta. Então... Oh, minha Nossa Senhora! Os drinques saíram muito mais caro do que esperávamos. E agora? Já estava na hora de irmos para a Estação Ferroviária.
- O que vamos fazer? - perguntei ao Sérgio, enquanto reparava no olhar hostil dos seguranças da casa.
Ele: - Bem. Estou com o dinheiro das vendas do livro do Liberato... Desta forma, a literatura salvou nossas vidas.
O problema é que ainda tínhamos de pagar aquela conta para a Sulina, e era muito mais do que ganhávamos. O jeito era confessar o crime ao Leopoldo e esperar que ele fosse complacente. Lembro de nós sentados em torno à mesa do vagão do trem húngaro, tomando café e pedindo perdão. O Leopoldo ouviu tudo em silêncio e, depois, deu o veredito:
- Gastaram em sacanagem! Vão ter que pagar! Eu e o Sérgio passamos 24 horas angustiados, pensando em como faríamos para quitar aquela dívida. Nos tornaríamos escravos da Sulina! Mas, no outro dia, o Leopoldo surgiu no departamento sorrindo e disse:
- Não se assustem. Eu pago a conta. Imagino se ia sacanear quem gastou em sacanagem.
Esse era o Leopoldo. Mas contei toda essa história porque o Liberato me enviou uma mensagem a respeito de uma crônica minha. Escrevi demais e terei de falar da mensagem amanhã. Aguarde.
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