sábado, 25 de setembro de 2021

25 DE SETEMBRO DE 2021
MONJA COEN

PRIMAVERA

Eu nunca tive uma prima chamada Vera. Tive uma sogra.

Nosso primeiro encontro não foi bom. Eu tinha 13 anos de idade e o meu noivo, 20. Ela, a sogra, considerava que eu era responsável pelo filho vir me pedir em casamento. Unilateral? Bem, houve uma época, depois do casamento, em que ela me levava a jogar Bridge no Clube Harmonia, em São Paulo. Era o que ela fazia uma vez por semana.

Li um livro sobre Bridge. Método Goren, se não me engano. E fui jogar em dupla com um desconhecido numa competição com um grupo de senhores e senhoras, que podiam ser meus avós. Mas tudo isso é outra história. O passado passou e ficou uma vaga memória. Não vou comentar sobre a falecida sogra Vera. Teria sido eu, teria sido ela? Uma outra vida que se desencadeou nesta.

Agora sim, chegamos aqui e é primavera. Pássaros cantando passarinhas... O desabrochar das flores. Tantas e de tantas cores. Não é para nós que desabrocham, embora sejam agradáveis aos olhos humanos. A quem tem olhos capazes de ver. Há tantos tipos de olhos, de olhares, de pontos de vista, visões. Alguns são incapazes de ver e outros enxergam demais. O equilíbrio sagrado, onde está?

Como anda a sua visão? Meu olho direito anda embaçado.

Disseram-me que há um calo lá no fundão. Tenho um olho calejado - seria de tanto olhar, ler, escrever, estimular, usar?

Não há cura. Possibilidade de cirurgia, sempre com algum risco. Risco de riscar, de prejudicar mais ainda? Será? Aguardo novos exames em outubro. Estamos quase chegando lá.

Mas ainda não. Estamos aqui, no agora, onde todo passado e todo futuro é.

25 de setembro, sábado. Passamos pelo Equinócio de Primavera durante a semana. Dia e noite exatamente com a mesma duração. Seriam ações duras? Dia e noite são um par, ou seja, um. Sem o outro, este não é.

Falar-se-ia em noite se só houvesse dia?

A mente da equidade é a mente Buda, a mente desperta, a mente de sabedoria. O que é equidade: mesma duração do dia e da noite, mesmo valor, importância a tudo e cada um. Toda e cada vida importa. Respeitar, incluir, cuidar de tudo que existe, inclui você e toda vida do Cosmos que mantem a sua vida viva. Mantém a morte morta.

Na primavera há alegrias, tristezas, nascimentos, mortes, prazeres e alergias. Não é só flores e beleza visual. Para quem não vê, o que é a cor?

Há muitos anos conheci um africano com deficiência visual. O aparelho ocular perfeito, não tinha nem mesmo o calo no fundo do olho, que embaça um pouco a visão. Entretanto, nada enxergava. Passara por um trauma medonho - vira suas filhas e esposa serem estupradas e mortas à sua frente. Ele amarrado em uma cadeira. Genocídio. Dessa tarde em diante ficou cego. E você, com tantos abusos e crimes, tantas violências e racismos, tantos desgovernos e desigualdades, continua vendo com clareza a realidade? Alguns esbanjando vacinas e outros sem ar...

Lanço um livro este mês, com Allan Dias Castro: A Monja e o Poeta. Ele escreveu poesias e eu comentei em prosa. Transbordamos ternura, reflexões, e a possibilidade de pensar quando poucos são os que ainda pensam e comentam, conversam, dialogam e sendo diferentes podem discordar sem perder o respeito, o afeto.

Primavera, que não é prima, mas é a primeira verdade que chega após a neve branca.

É tempo de desabrochar a mente de equanimidade. Sorrir, incluir, cuidar, querer bem, amar e transformar a si e ao mundo na renovação da vida. Aprecie! Mãos em prece. 

MONJA COEN

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