Anti-herói de dois mundos
Se gato que nasce no forno não é biscoito, George Santos é uma espécie de empadão que mia. Filho de pais brasileiros que emigraram para os Estados Unidos nos anos 1980, Santos diplomou-se com louvor na escola que ensina a tirar vantagem de tudo e de todos sempre que possível (entre golpes e pilantragens de maior e menor calibre, chegou a embolsar dinheiro doado por fiéis de uma igreja para pagar o funeral da mãe).
Como nasceu e cresceu nos Estados Unidos, agregou ao talento para a falcatrua a convicção granítica de que esforço e mérito pessoal naturalmente conduzem ao sucesso. Na escala Santos de ascensão social, sucesso é ter fama, dinheiro e imaginação em abundância para purpurinar a realidade. "Eu vou ser rico! Eu vou ser rico!", repetia, como um mantra, quando ainda era um caloteiro júnior. Estava falando a verdade.
Lançado três dias antes de sua expulsão do Congresso americano, votada na última sexta-feira, o livro The Fabulist reivindica a cidadania do ex-deputado já no subtítulo: "mentira, trapaça, golpe, roubo e a lenda muito americana de George Santos". É provável que não houvesse mesmo um George Santos sem polarização, Donald Trump e um Partido Republicano moralmente falido. Nesse sentido, o ex-deputado eleito por Nova York, com sua narrativa de self-made man customizada para o paladar americano, é fruto da distopia política que transforma heróis sem nenhum caráter em estadistas enjambrados: minta, mas minta muito, sem pudor, e de forma estridente.
Para os brasileiros, o tamagotchi da família Bolsonaro é coisa nossa em quase todos os aspectos possíveis - com exceção, talvez, do figurino. (Golpistas do Primeiro Mundo parecem dominar melhor os códigos de vestimenta que enviam sinais falsos de prosperidade, traquejo social e pedigree familiar.)
Com seu talento para o cambalacho em um país em que as pessoas, em geral, são menos desconfiadas com relação à honestidade alheia, George Santos poderia ter montado sua própria startup, criado um festival de música no meio da Amazônia, virado amante de um oligarca russo ou se tornado pastor da Igreja do Sagrado Botox. Mas não. Santos queria ganhar dinheiro do jeito que o brasileiro desonesto médio gosta: entrando para a política.
Em um dos muitos programas da mídia americana que tentaram decifrar a personalidade de George Santos nos últimos dias, um entrevistador perguntou para a repórter que vem investigando o caso por que, afinal, ele fez tudo que fez. A resposta da repórter foi curta e simples: porque ele podia. Na hora me ocorreu que, no Brasil, por mais canalha que seja o político, esse é o tipo de pergunta que quase nunca nos fazemos.
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