20 DE DEZEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS
CRIME NADA ARTIFICIAL
Em contundente reportagem apresentada no último domingo no programa Fantástico, da Rede Globo e da RBSTV, a jornalista Sônia Bridi denunciou uma fraude verdadeiramente assombrosa que está sendo praticada no país. Com o auxílio da inteligência artificial e a conivência das plataformas digitais que publicam a desinformação, golpistas manipulam a imagem e a voz de pessoas conhecidas para dar credibilidade a anúncios de produtos sem eficácia alguma ou que simplesmente nunca são entregues.
Quando o médico Drauzio Varella recomenda um produto para tratamento de gastrite ou até mesmo para queda de cabelo, ainda que não pareça ser o garoto-propaganda mais adequado para este último testemunhal, as pessoas tendem a acreditar. Afinal, ele conquistou o respeito do público brasileiro por sua capacidade comunicativa na apresentação de programas médicos na TV. Só que o doutor Drauzio, como é conhecido, não faz propaganda de produto nenhum. Tudo é falso no anúncio. O uso de sua imagem e de sua voz é resultado de um embuste formulado com auxílio de ferramentas de inteligência artificial.
William Bonner, Luciano Huck, Marcos Mion, Sandra Annenberg e Ana Maria Braga, todos comunicadores famosos e de reconhecida credibilidade, também aparecem em vídeos mentirosos da internet, dizendo coisas que nunca disseram e involuntariamente promovendo a venda de produtos sem qualquer fundamentação científica. No caso do apresentador Marcos Mion, a fraude contém um toque de perversidade, pois o vídeo que propala a eficácia de um suposto chá contra o autismo possui até mesmo imagens do profissional com o filho portador do referido transtorno.
Os criminosos se escondem no anonimato da internet. Mas as plataformas digitais que recebem os anúncios - e cobram para divulgá-los e impulsioná-los na direção de segmentos específicos de público - são bem conhecidas, têm nome, endereço e CNPJ. Não podem fugir da responsabilidade que lhes compete. No mínimo, deveriam colaborar com as investigações policiais informando a identidade dos anunciantes beneficiados pelas fraudes.
Como bem esclareceu o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto na referida reportagem, as empresas de tecnologia que se beneficiam da comunicação inverídica são corresponsáveis pelo delito, ainda que inexista no país uma legislação regulatória específica. Além disso, a proliferação crescente de golpes semelhantes, que envolvem também empresas comerciais, bancos e até mesmo adolescentes que divulgam nudes manipulados, torna urgente a aprovação pelo Congresso Nacional de regras punitivas para as plataformas que acobertam os criminosos.
A manipulação não autorizada de vozes e imagens vai muito além da liberdade de expressão assegurada pela Constituição e pelo marco da internet. É crime de apropriação indébita de imagem e de estelionato contra pessoas incautas e desavisadas, que não têm conhecimento técnico suficiente para duvidar do que ouvem e veem. E quem facilita ou acoberta tamanha safadeza é, no mínimo, cúmplice culposo desse delito do mundo virtual.
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