terça-feira, 12 de dezembro de 2023


12 DE DEZEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

DIPLOMACIA E PRAGMATISMO

O Brasil não pode ignorar o que acontece na Argentina. Será um grande equívoco se a gestão do novo presidente Javier Milei continuar sendo vista pelos governantes brasileiros apenas como uma incômoda ascensão ao poder no país vizinho do conservadorismo ultraliberal, historicamente demonizado pela cúpula e por integrantes da atual administração nacional. 

Esta divergência de visões político-ideológicas já se refletiu na ausência deliberada do presidente brasileiro na cerimônia de posse do seu novo colega de Mercosul. Mas a Argentina está próxima demais para ser negligenciada pelo Brasil, tanto em decorrência da fronteira física comum quanto pelos interesses econômicos compartilhados. Mesmo atolada numa crise sem precedentes, continua sendo o nosso terceiro parceiro comercial, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

Neste contexto, as diferenças ideológicas precisam ser enfrentadas com diplomacia e pragmatismo, até mesmo porque já está claro, inclusive pelo discurso inaugural do novo mandatário, que a Argentina passará por um período de turbulências para tentar superar suas dificuldades - com inevitáveis reflexos nas relações com o Brasil. Milei alertou que não tem alternativa a não ser um choque fiscal agudo, que poderá provocar até mesmo reações sociais imprevisíveis. A diplomacia brasileira tem que estar preparada para a convivência com um país tumultuado.

Basta, para isso, dar continuidade ao que ocorreu nas últimas administrações dos dois países. O ex-presidente Jair Bolsonaro também não nutria qualquer simpatia por Alberto Fernández, que no último domingo transmitiu a faixa presidencial a Milei. Apesar da animosidade entre os dois mandatários, os negócios entre Brasil e Argentina se mantiveram em ritmo de normalidade e até se intensificaram no ano passado. 

Quando os governantes não atrapalham, a economia encontra os seus caminhos. Além disso - é importante destacar -, Brasil e Argentina vivem um momento de maturidade democrática. Por aqui, o sobressalto golpista do 8 de janeiro já parece estar completamente superado. Por lá, mesmo com a polarização política acirrada na campanha eleitoral, a transmissão do cargo presidencial foi marcada pela civilidade mútua, pela moderação dos vencedores e pelo conformismo dos vencidos.

Apesar do antagonismo de visões políticas dos atuais mandatários, ambos têm desafios comuns, entre os quais um que é urgente e inadiável: promover profundas reformas estruturais e econômicas sem contar com maioria parlamentar nas respectivas casas congressuais. Sobre isso, embora não se saiba como procederá o novo presidente argentino, que se elegeu condenando práticas políticas tradicionais, dificilmente pode se esperar que ele deixe de seguir seu colega brasileiro na adoção de uma estratégia de coalizão que lhe assegure a governabilidade.

Da mesma forma, cabe esperar que o novo vizinho também caia na realidade sobre o Mercosul, passando da ameaça de ruptura prometida na campanha eleitoral para uma reformulação negociada, como anunciou sua chanceler na recente visita a Brasília para convidar o presidente Lula para a posse.

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