ALÉM DA VISIBILIDADE
O governo federal lançou na última segunda-feira um dos mais ambiciosos programas de atenção à população de rua entre todos os já planejados e tentados no país, com o propósito de alcançar um contingente de excluídos estimado pelo próprio Executivo em 221 mil brasileiros. Se o cálculo estiver correto, é mais ou menos o equivalente a toda a população de um município de médio porte como Viamão, no Rio Grande do Sul, que aparece no último Censo com 224 mil habitantes.
Mas tudo indica que o número está subestimado, pois nem todas as pessoas que moram nas ruas estão cadastradas nos serviços públicos de assistência. Além disso, basta alguém circular por qualquer cidade de médio ou grande porte no país para deparar com barracas de lonas e papelão nas calçadas, famílias inteiras habitando pontes e viadutos, pessoas de todas as idades dormindo em colchões sob marquises em áreas centrais e pedintes disputando espaço nos cruzamentos de trânsito mais movimentados. Não há como ignorar tanta degradação humana.
Ao lançar o Plano Ruas Visíveis - Pelo Direito ao Futuro da População em Situação de Rua, com investimento inicial de R$ 982 milhões, o governo também atende a uma determinação do Supremo Tribunal Federal, que recentemente examinou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental e reafirmou as obrigações do poder público em relação aos habitantes das ruas. Para passar da intenção à prática, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania elegeu sete eixos prioritários para execução imediata entre as 99 ações que envolverão pelo menos 11 pastas da administração federal.
Os sete temas mais urgentes foram elencados em assistência social e segurança alimentar; saúde; violência institucional; cidadania, educação e cultura; habitação; trabalho e renda; e produção e gestão de dados. A ideia é repassar recursos para que Estados e municípios ofereçam serviços assistenciais a pessoas em situação de rua, incluindo proteção contra a violência, assistência médica e social, cozinhas solidárias e pontos de apoio para cuidados que deverão ser dispensados por 5 mil profissionais formados especificamente para tais funções. Em outro decreto, o governo também regulamentou a Lei Padre Júlio Lancellotti, que combate a chamada arquitetura hostil.
Não há dúvida de que o plano governamental é necessário e bem intencionado, mesmo que os recursos previstos possam ser insuficientes para a cobertura de tudo o que precisa ser feito. Em acréscimo, dá a devida visibilidade ao problema. Mas ataca basicamente suas consequências. As causas também precisam ser consideradas. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a população em situação de rua no Brasil subiu de pouco mais de 20 mil em 2013 para mais de 220 mil em 2023, um aumento de 1000% em 10 anos.
As crises econômicas e a pandemia pesaram bastante, mas um levantamento do próprio Ipea indica que as pessoas vão para as ruas principalmente por desavenças familiares (47,3%), desemprego (40,5%), uso abusivo de álcool e outras drogas (30,4%) e perda de moradia (26,1%). Os dados demonstram que, além da visibilidade e dos cuidados com saúde e alimentação, é essencial que o poder público invista também em ações preventivas, como a criação de oportunidades de trabalho e o reforço de vínculos familiares.
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