"Day off" da amizade
Tirei o dia para encontrar meu melhor amigo. Foi um day off da amizade. Privilegiamos tanto os relacionamentos amorosos ou a família que os amigos ficam sempre com o tempo que resta. É uma injustiça. Há confissões que só serão feitas depois de uma ou duas horas lado a lado. A franqueza depende da sua disponibilidade.
Se não oferece atenção prolongada, a conversa vai apenas girar nos assuntos amenos do dia a dia, nas últimas casualidades. Ela demora mesmo para engrenar. Palavras exigem aquecimento. Ninguém sai acelerando e expressando o que incomoda. Papo afetuoso não é carro automático, mas manual: você coloca a primeira marcha, a segunda marcha, até se habilitar para a corrida da terceira, da quarta, talvez da quinta marcha.
A temeridade é permanecer no raso do cotidiano, sem se aprofundar nas emoções mais complexas dos desafios da vida. Na pressa, a presença acaba sendo desperdiçada. Para tanto, um telefonema daria conta do recado. Quando se quer alcançar fluência no diálogo, além da dedicação, é também necessário improvisar e mudar a rota, para não se frustrar com os contextos desfavoráveis.
Entramos num restaurante, escolhemos uma mesa, sentamo-nos, resistimos de plantão por 15 minutos, erguendo o braço de tudo o que é jeito, e nenhum garçom se prontificou a nos atender. Eu olhei para o Zé, Zé olhou para mim, e dispensamos os incômodos. Simplesmente, telepaticamente, levantamo-nos e partimos para um outro restaurante.
Não víamos sentido em esperar mais para comprovarmos o completo abandono. O que começou torto apenas iria se agravar. Pressentimos uma exaustiva demora em tudo, apesar do salão com pouquíssimos clientes. Demorariam as bebidas, os pratos, a sobremesa, a conta. Gastaríamos a nossa paciência indevidamente com o ambiente inadequado.
Tínhamos ido para relaxar, não para criticar, reclamar, entrar num clima de indisposição. Nosso descanso custava caro. Então nos divertimos num estabelecimento diferente, em que fomos bem tratados, rapidamente acolhidos, sem pensar demais, a não ser na nossa cumplicidade.
Decidimos estender a companhia para o cinema. Entramos no escuro da sala com pipoca e refrigerante, acomodamo-nos e, de repente, notamos que era um musical. Eu olhei para o Zé, Zé olhou para mim, e negamos o estresse e a contrariedade de duas horas de falas cantadas, já que amamos musical no teatro, mas não na tela.
Trocamos de filme naquela coragem fundamental e saudável de alterar os planos para não estragar momentos. Não se acerta de primeira, mas nem por isso você deve permanecer onde não se sente à vontade. A felicidade na convivência depende de atitude. Que não nos acomodemos com o pior.
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