John Lennon mirou no fim da Guerra do Vietnã e acertou no peru com arroz à grega
Você sabe que acabou-se o que não necessariamente foi doce quando entra nas lojas e supermercados e músicas natalinas estão tocando em looping
Natal sem sinos e guizos: que tal dar livro de presente?
Você sabe que acabou-se o que não necessariamente foi doce quando entra nas lojas e supermercados e músicas natalinas — nos piores arranjos jamais cometidos por um arranjador — estão tocando em looping. Tlintlin-tlin-tlin-tlin-tlin.
Música de Natal tocando sem parar no comércio significa que o ano já era, meu chapa, minha chapa. E que antes de pular as sete ondinhas — metaforicamente, que seja — você vai ter que ouvir muito sino, muito guizo, muita harpa, muita trombeta. Tlintlin-tlin-tlin-tlin-tlin.
Chegou o 30 de novembro? Pimba. Os gerentes abrem a gaveta de enfeites de Natal e tiram de lá o pendrive com a coleção que vai embalar os clientes até a última venda do dia 24 de dezembro. O clássico dos clássicos: Então é Natal — e Ano Novo também, canta Simone há décadas, como se a gente ainda não tivesse entendido.
Então é Natal, a versão brasileira de Happy Xmas, a música em que John Lennon mirou no fim da Guerra do Vietnã e acertou no peru com arroz à grega de todas as famílias cristãs ao redor do planeta.
Isso sem falar nos temas instrumentais que não saem dos alto-falantes do varejo, machucando os ouvidos mais sensíveis — e, às vezes, as almas, por trazerem recordações nem sempre tão boas.
Jingle Bells. Bate o Sino Pequenino. Noite Feliz. Sapatinho de Natal. A trilha do Banco Nacional, que faliu, mas deixou como legado música natalina mais bonita de todos os tempos. "Quero ver você não chorar/ Não olhar pra trás/ Nem se arrepender do que faz." Bem verdade que isso não inclui quem investiu no banco.
De todas, a trilha mais inadequada para um cliente em compras é Eu Pensei que Todo Mundo Fosse Filho de Papai Noel. Você lá, gastando mais do que pode para presentear seus filhos e sendo lembrado de que muita criança não vai ter Natal. Dá vontade de desistir de tudo, mas o que dizer para os seus filhos?
Uma prática que tenho considerado bastante cruel é música de Natal tocando no Uber. No supermercado você consegue reagir, corre pelos corredores, não entra na fila da padaria, deixa para trás metade dos víveres e escapa. No Uber, impossível. Você está preso com os sinos, os guizos, as harpas, as trombetas. E se pedir para o motorista baixar o volume, periga tomar uma estrela só na avaliação.
Pode parecer mau humor, e é, mas meu desejo de Natal é que dezembro chegue sem o tlintlin-tlin-tlin-tlin-tlin que toma conta do comércio.
Se der para vir junto a paz no mundo, aí vai ser o melhor Natal da história.
Então seguem aqui algumas com a certeza de que livro é sempre um presentão. Tem a Baleia, linda livraria itinerante; a Taverna, maravilhosa na Casa de Cultura Mario Quintana; a Pocket Store, charmosa como só ela na Félix; a Bamboletras, o templo da Venâncio; a Cirkula, a Londres e a Traça, muito de tudo na Osvaldo Aranha; a Paralelo 30, cheia de graça na Vieira de Castro; a Calle Corrientes, tudo em língua espanhola; a Isasul, com educação e literatura; a Via Sapiens, na Cidade Baixa; o Beco dos Livros e suas lojas no centro da cidade; as novíssimas Clareira, na Henrique Dias, e Gato Preto, em Ipanema; a Pandorga, mais bonita de Canoas. Fora todas as outras. E o melhor: todas sem tlintlin-tlin-tlin-tlin-tlin.
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