26 DE DEZEMBRO DE 2023
CARPINEJAR
O que me ensinou a troca de presente na loja
Eu me magoava profundamente quando a esposa ou os filhos queriam trocar na loja os presentes que cuidadosamente escolhia para eles. Eu entendia que estava sendo avaliado, e mal avaliado: o ajuste demonstrava que não os conhecia o suficiente, que havia falhado na surpresa, errado no gosto.
Tinha um fundo passional de humilhação. Eu me sentia rejeitado junto com o pacote, recusado junto com o embrulho.
Enxergava a situação com o olho ferido do ego. Como se meu papel de marido ou de pai se despedaçasse com o martelo do julgamento. Vinha uma vergonha diante de todos que testemunharam a aquisição. Já imaginava o atendente da loja lembrando de mim, do meu entusiasmo na compra e lamentando: "ele não sabe nada sobre a própria família". Com o despojamento da maturidade, filtrei o impasse sob um ponto de vista mais otimista. Alterei radicalmente o meu posicionamento.
Passei a compreender que a minha relação com a esposa e com os filhos é tão sincera que permite a liberdade da substituição de presente. Há intimidade entre nós, uma abertura comunicativa, um diálogo franco para ninguém ficar com algo de que não gostou. Ninguém finge agrado ou mente para corresponder às expectativas. Ninguém agradece ou sorri com hipocrisia. Ninguém vai silenciar o seu temperamento ou as suas vontades para não se indispor comigo. Despertamos em cada um o desembaraço prático e objetivo de depois ir atrás de um regalo que combine mais com o seu momento.
Comemoramos a entrega, mas não sucumbimos a uma dissimulação mantendo pertences decorativos e sem serventia. Prevalecem a minha intenção, o meu gesto, a minha lembrança, não importando os resultados. Existe uma noção distorcida do amor como telepatia, e impomos as nossas tendências, manias e modas como se fossem uma regra absoluta e inviolável. Forçamos uma aceitação incondicional, ainda que o outro precise engolir a frustração.
Não aceitamos não acertar de primeira, confiando na adivinhação como forma de consolidar afetos. Feliz de quem tem a capacidade de declarar a contrariedade e mais feliz ainda quem a aceita, não a interpretando como prova de ingratidão. Não vejo nenhum dissabor em desejar conferir a diversidade de opções, em ter dúvidas, em tirar a teima, em saciar a curiosidade, em perceber a falta de necessidade do mimo e procurar um mais útil.
Se hoje não fico envergonhado, só me sinto pobre, numa recomposição dos meus sentimentos. Porque sempre que a esposa e os filhos vão trocar um presente que dei, são obrigados a pagar a diferença no balcão. Ambicionam um produto muito mais caro do que o meu investimento. Ofereci apenas a metade do valor. Minha iniciativa se reduziu a uma primeira parcela, a um adiantamento simbólico.
Acho que eles buscam me sinalizar que ando avarento. É uma nova charada. Tentarei decifrar a mensagem até o próximo Natal.
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