quarta-feira, 20 de dezembro de 2023


20 DE DEZEMBRO DE 2023
MÁRIO CORSO

Premissas para um genocídio

A atual guerra no Oriente Médio trouxe a palavra genocídio ao cotidiano. Ela é usada para acusar ambos os protagonistas. Isso está correto? Tentarei ajudar na questão lembrando de uma condição necessária, mas não suficiente, para o genocídio. Refiro-me ao uso massivo de certas metáforas.

No processo de nos tornarmos humanos, em paralelo à aquisição da linguagem, desenvolvemos a moralidade, que julga se algo é bom ou mau, puro ou impuro, certo ou errado. E do ponto de vista cerebral, onde foi instalada essa função? Como a natureza faz gambiarras, aproveitou uma estrutura dicotômica já existente.

No cérebro, é a ínsula que nos informa se o que vamos ingerir está podre, rançoso, fermentado ou viável. Na presença de toxicidade, há uma ativação visceral sentida como repulsa. Ela avisa: presta ou não presta. Sem treino cultural, um desavisado descartaria certos queijos franceses.

Por isso, o julgamento moral é vivido visceralmente. Comportamentos moralmente inadmissíveis são pensados e sentidos junto com o corpo. Não é só metáfora a sensação de repugnância, náusea, desconforto, vontade de vomitar quando percebemos uma vilania moral.

Levadas ao extremo, certas convicções morais - se alguém é bom ou não -, podem ser blindadas à racionalidade. É quando a emoção impede seu funcionamento. Se alguém é insistentemente submetido à doutrinação de que uma etnia, um povo, um partido político é desqualificado, para isso usando metáforas com alusão à sujeira, animais nojentos, doença - que ativam a ínsula -, é possível que o registro dos acusados fique gravado com predominância da emocionalidade, denotando perigo. Eles são os ratos, os vermes, as baratas, o câncer social. Portanto, maus. Logo, eliminá-los é um bem para a humanidade.

Prepara-se um genocídio usando essas metáforas. Para criar uma atmosfera na qual se possa assassinar pessoas próximas, só mesmo usando o modo emocional/visceral de percebê-los, pois barra o pensamento. Foi assim em Ruanda. Os hutus, envenenados cotidianamente contra os tútsis com propaganda nesse formato, mataram seus vizinhos, colegas e amigos.

Sugiro pesquisar se houve, entre palestinos e judeus, o emprego contínuo, na mídia, nos livros escolares, nos cultos, de mentiras e proselitismo político desumanizante. Logo, teríamos a incitação ao extermínio, elemento necessário para caracterizar um genocídio.

MÁRIO CORSO

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