11 DE DEZEMBRO DE 2023
+ ECONOMIA
Milei avisa: antes, situação vai piorar
Até quem sabia o que havia pela frente foi surpreendido pela contundência do discurso de posse do presidente da Argentina, Javier Milei. Ele avisou - como já havia feito a coluna - que "no curto prazo, a situação vai piorar". Isso significa, especificou, de 18 a 24 meses. E usou uma frase do ex-presidente argentino Julio Rocca (1880 a 1886 e 1898 a 1904) para avisar que haverá "supremos esforços e dolorosos sacríficos". Explicou com três palavras: "No hay plata".
Foi um discurso de economista, com dados sobre a crise, para sustentar que "não há alternativa" a não ser um duro ajuste. Confirmou que vai cortar despesas públicas de 5% do PIB, equivalente a US$ 25 bilhões. Por duas vezes, afirmou que "vai cair, com toda sua força", sobre o setor público, não só sobre o privado, mas reconheceu:
- O ajuste impactará o nível de atividade, o emprego, os salários reais, a quantidade de pobres e indigentes. Faz mais de uma década que vivemos em estagflação (estagnação ou queda no PIB com alta inflação), este será o último mal trago (algo difícil de engolir) para começar a restauração da Argentina.
A reação da multidão à frente do Congresso também foi inesperada. Ao ouvir esse trecho de um discurso classificado por jornalistas argentinos de "demolidor", reagiu com o coro de "Milei, querido, o povo está contigo".
Para justificar as previsões sombrias no curto prazo, o novo presidente afirmou que o governo anterior "deixa plantada uma hiperinflação" e adiantou que, entre dezembro e fevereiro, a alta mensal de preços pode ficar "entre 20% e 40%". Se esse processo não fosse interrompido, sustentou, a pobreza chegaria a 90%, e indigência, a 50%.
- Os empresários não investirão até que vejam o ajuste fiscal, mesmo que seja recessivo - ratificou.
Milei não deixou de mencionar nem a discussão dos últimos dias, quando ficou clara a opção pelo ajuste duríssimo: a eventual reação do aparato "piquetero" - entidades e sindicatos que interrompem rodovias e ruas em protesto contra medidas que contrariem seus interesses. Afirmou que não se deixará "extorquir por quem utiliza os que menos têm para enriquecer a si mesmos".
-Não viemos para saldar velhas vinganças (...) Não pedimos aprovação cega, mas não vamos tolerar hipocrisia. Dirigentes políticos, sindicais e empresas que queiram se somar à nova Argentina serão recebidos de braços abertos. Mas não vamos tolerar extorsões. Vamos usar todo o arsenal do Estado para alcançar as mudanças de que o país necessita.
Chefe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) desde 2017, o alemão Achim Steiner nasceu em... Carazinho. Atuou em outras entidades, até assumir a liderança do Pnud. Esteve no Brasil e se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Em entrevista exclusiva à coluna, contou detalhes da infância no Estado, e falou dos próximos passos da Agenda 2030 da ONU e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Como foi sua infância no Rio Grande do Sul?
Nasci em Carazinho, em 1961. Meus pais eram agricultores, vivíamos em uma fazenda. Quando tinha oito anos, nos mudamos para Porto Alegre, onde eu vivi por mais dois anos, até que meus pais se mudaram do Brasil.
Como seus pais vieram?
Eles se conheceram na universidade, estudaram agronomia. Meu pai se especializou em desenvolver sementes para agricultura tropical. O Brasil queria reduzir a importação de cereais pelas cervejarias nacionais, e meu pai conseguiu um emprego.
Como observa a aceleração das mudanças climáticas?
Por anos, a mudança climática foi um debate científico, não impactou decisões políticas e econômicas. Foi o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma, primeira etapa da carreira de Steiner na ONU), com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), que incentivou a formação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Hoje, é indiscutível que devemos mudar o jeito de produzir e consumir. A lição é que devemos ouvir mais rápido quando a ciência nos disser que temos um problema. Teria sido mais barato e fácil, não estaríamos agora em um mundo beirando o aumento da temperatura de 1,5°C.
O que é preciso fazer para alcançar os ODS?
Temos evidências suficientes de que não é mais uma escolha, é inevitável. Todos vemos as consequências das mudanças climáticas, que destroem o desenvolvimento, infraestruturas, moradias, seja em avanços do mar, nas costas, seja em enchentes. Podemos ter um futuro de consequências incontroláveis, e precisamos abandonar a ideia de que só o crescimento do PIB define desenvolvimento. O imperativo ambiental está virando prioridade econômica e política, mas precisamos olhar também a desigualdade. Tornou-se tão séria que ameaça o tecido social. Criou tanta tensão social que as sociedades enfrentam radicalização e desintegração. Em muitos países houve significativo progresso, mas precisamos de cerca de US$ 3 trilhões por ano para financiar a implementação dos ODS, e não estamos nem perto disso.
Há crise no multilateralismo?
Muitos chamam este momento de "policrise". Os assassinatos horríveis de 7 de outubro, e agora a destruição extrema em Gaza, mostram o que ocorre quando a diplomacia falha. Na ONU, estamos muito frustrados, porque não estamos sendo capazes nem de entregar ajuda humanitária. Há conflitos nos quais há refugiados, mas em Gaza não têm para onde ir. Há críticas à ONU, mas mão foi criada com poder absoluto para parar guerras e conflitos, mas para ser um fórum em que os países se reúnem mesmo quando as diferenças estão no mais alto grau.
ACHIM STEINER Administrador-chefe do Pnud
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