sexta-feira, 29 de dezembro de 2023



29 DE DEZEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

Lanche "feliz"

Ao sair do cinema no Bourbon Shopping Country, vi uma mãe de mãos dadas com o seu filho. Era o campo de visão à minha frente. Desci a escada rolante, atravessei o hall principal, sempre com os dois na minha mira emocional. A princípio, tinham ido assistir a um filme da preferência do menino. Ela perguntava se ele havia gostado do passeio, da pipoca, se estava se divertindo. Inclinava o rosto gentilmente na sua direção. O menino nada respondia.

Quando chegaram perto da faixa de pedestres, a criança se desvencilhou da proteção materna e partiu em disparada até o outro lado da calçada. A mãe entrou em pânico. A sorte é que a cidade está morta neste período entre Natal e Ano-Novo. Nenhum carro passava.

Ela apanhou o braço do filho e o repreendeu em bom tom: - Isso não é mais filme, é realidade. Deve se comportar!

Para quê? A partir dessa convocação para o cotidiano, da seriedade instalada, o menino enlouqueceu. Eu fiquei com pena. Eu fiquei escandalizado com o que testemunhei. Percebi que estamos errando com a educação dos nossos filhos por medo da autoridade, por receio de disciplinar, por culpa de trabalhar tanto, por ressaibo de não sermos amados. Compensamos a ausência constante com presentes e licenciosidade.

O menino chutou o traseiro da sua mãe. Uma vez, duas vezes, três vezes. Chutava as pernas de sua mãe em público. Foi a resposta que deu à primeira censura. Ele se agigantou em desobediência. Certamente não está acostumado a ser negado, não aceita mais nenhum "não", esnoba os limites, rivaliza com o perigo.

A mãe, desesperada, tentou contê-lo oferecendo um abraço. "Que ideia é essa de dar um abraço depois de pontapés?", eu pensei. É como abençoar a violência.

Se não funcionam palavras confortantes, o que sobrará a gestos carinhosos? Ele não apresentava nenhum distúrbio, nenhum problema aparente, era tão somente malcriado.

No momento em que a ordem desanda na família e a hierarquia desaparece, nada mais pode ser feito, o escândalo é frequente. O filho não diferenciará a casa da rua, o público do privado. A truculência emergirá em qualquer ambiente.

Ela chamou o filho para um canto, e ele estapeava a mãe gritando: - Ninguém manda em mim! e um menino de oito, nove anos agride sua mãe, o que acontecerá quando ele for adulto?

Nem a sagrada mãe é respeitada. Eu não poderia chamar a polícia ou acionar a Maria da Penha, tratava-se de um piá endiabrado. Logo ele seria calado com um hambúrguer e batatas fritas em uma lanchonete do Shopping Iguatemi. Eu não acreditei!

Em vez de aplicar castigo, a mãe realizava os desejos dele para que se comportasse no resto do tempo. Assim incentivava o surto, justificava a desordem, cedia a chantagens, mostrava quem mandava ali, transmitindo a mensagem de que, toda vez que ele bater nela, receberá um lanche "feliz".

Costumamos nos preocupar: que mundo deixaremos para os filhos? Talvez seja a hora de inverter a pergunta: que filhos deixaremos para o mundo?

CARPINEJAR

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